27 A noite de meu último trabalho

6.6K 818 291
                                    

Mariany

Saí correndo. Corri como há muito tempo não corria. Minha cabeça pesava. Eu não podia acreditar naquilo. Não podia deixar ele me manipular outra vez.

Parei de correr quando cheguei em frente á catedral. Minha vista embaçou, me sentei no primeiro degrau da escada e baixei a cabeça deixando minhas lágrimas rolarem e as lembranças voltarem com uma torrente.

Meu último trabalho na agência...

Ele me chamara lá, pessoalmente para me passar o endereço...

Apertei a cabeça tentando raciocinar, e as lembranças me atingiram de vez.

Ge me deixou na mansão, e quando abriram a porta, percebi que se tratava de uma festa. Havia cerca de vinte homens na sala, uma garota nua, era amarrada sobre a mesa. Recuei um passo, e olhei para trás. Ge já havia ido embora. Um dos homens, o mais alto deles me puxou para dentro pelo pescoço. Minhas roupas foram rasgadas e quando começaram a se divertir comigo, achei que fosse morrer. Em vários momentos, desejei morrer para que eles parassem. Pedi a Deus para que meu coração parasse naquele momento, somente para não ver o que viria a seguir.

Mas Mike havia me ensinado a resistir, me ensinado a sobreviver a aquilo, e senti ainda mais raiva dele.

Fui espancada, estuprada por todos eles, fui asfixiada, açoitada, e até que todos eles estivessem satisfeitos, não pararam...

Quando o sol nasceu, Ge me enrolou em uma toalha, e me carregou para o carro. Estava tão fraca e machucada, que não consegui abrir os olhos. Ele me carregou até meu apartamento, me deu remédios para dor e me deixou sozinha. Sozinha com aquele envelope que Mike me dera mais cedo.

Dormi, e acordei com a tarde caindo. Me olhei no espelho e meu rosto estava inchado, roxo. Tinha marcas no pescoço, nos braços. Tudo em mim doía. E ali, me olhando nos olhos pelo espelho, percebi que perderia minha formatura. Não conseguiria nem mesmo estar lá. Mandei uma mensagem para minha mãe, que devia estar se preparando para a minha festa, ainda mais que eu. Era mais que a realização do meu sonho, era o sonho de minha mãe, assistir eu me formando... Tentei encontrar uma mentira adequada para fazê-la ficar em sua casa. Não podia cogitar que ela me visse daquela forma. Mike havia conseguido destruir a festa máxima da realização do meu sonho. Por pura maldade. Ele calculou tudo...

Fiquei trancada em meu apartamento até que todas as marcas daquela noite desaparecessem de mim. Estava tão deprimida, que desliguei meu celular para não ver as fotos das comemorações. Durante quase duas semanas, eu nem existi. Ignorei até as batidas na minha porta, dos vizinhos preocupados comigo.

****

Olhei para as pessoas andando a minha frente, enquanto eu chorava na escadaria, como uma cinderela abandonada. Enxuguei o rosto e me levantei. Comecei a andar, mas sem pressa, apenas remoendo minhas lembranças, tentando encontrar a parte que faltava. Porque eu não havia analisado aquela época com clareza, eu estava apenas coberta de ódio e mágoa. "Tudo o que fiz foi para te tirar daquilo" Como? Por quê?

Eu precisava descobrir, precisava ver que aquele cara que se dizia apaixonado por mim durante aquele mês na agência ainda existia.

E que ele não mudara tanto assim.

****

Mike

Apertei o botão ao lado da cama para ficar em uma posição quase sentado, para melhorar minha respiração difícil, e talvez abrandar a dor no corpo, sem os remédios invadindo minhas veias.

— Olá querido. Está melhor? — K me olhava da porta.

Assenti para ela, mas bastava me olhar para ver que era mentira.

AudazOnde histórias criam vida. Descubra agora