2 Planejamento

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Mike

Sentei-me na poltrona, acompanhando o trajeto dela pela câmera até sair da agência. Vesti minha camisa pendurada no encosto da cadeira e abri sua ficha: 18 anos, filha única de mãe solteira, pai desconhecido, o bairro que morava em Campinas é um dos piores da cidade. Pelas roupas surradas, o jeito tosco de falar e aquela cara de assustada, eu podia imaginar o trabalho que teríamos.

— Mike? — Alexandre entrou em minha sala sorrateiramente. — Avaliou a novata?

Assenti. — Sim, parece realmente decidida.

— E quem sugere que cuide dela? Tom, tem prova amanhã. Ele pode ficar com ela.

Cruzei os braços, fingindo ter a ideia naquele momento — Eu estava pensando que talvez eu pudesse cuidar dessa, se não se opuser.

Ele me olhou surpreso. — Claro... Mas achei que odiasse isso.

— Ah sim, eu odeio. Mas sinto que Tom não dará conta dela. É arisca. — Dei de ombros.

— Do interior?

Assenti. — Mas posso colocá-la em seu lugar.

Ele sorriu. — Tudo bem. Pode avaliar a prova da do Tom?

— Por quê? — Desdenhei.

— Elaborei novas regras, será divertido. — Ele riu, com aquela cara de porco gordo que era particularmente irritante.

— Qual é mesmo a do Tom? — falei desinteressado.

— Melissa. — Ele quase salivou.

Sorri — Ah sim, a ruiva. Tudo bem, posso cuidar disso também. — falei fechando as pastas e guardando-as na gaveta.

— Ótimo. — Ele sorriu.

— Pode mandar arrumar o quarto ao lado? Quero manter Mariany por perto quando ela chegar.

Ele fez careta. — Esse nome...

Eu ri. — Não se preocupe, já pensei nisso também. — Levantei-me e desliguei o computador. — Posso ir?

— Claro... Tem trabalho hoje?

— Não. E não peguei mais nenhum, já cortei meu nome por um mês.

— Certo. Estou ansioso para ver o que fará com ela. Os testes de suas garotas são sempre os melhores.

Assenti. — Faço o que posso. Se me dá licença.

Ele se afastou da porta. — Toda...

Saí da sala, buscando ar puro, aquela conversa me dava nojo. Ele me dava nojo. Mas eu ainda viveria para ver o circo pegar fogo, e todos esses malditos irem para o espaço.

Peguei meu carro na garagem, e fui para meu apartamento. Passei pela recepção e vi Henrique ensinando um novo porteiro, ele não tinha mais que dezessete anos, loiro, de olhos azuis, e cara de cachorro que caiu da mudança. Podia apostar que não duraria um mês. Aliás, na minha cabeça começava uma disputa entre os dois pobres coitados. O que deveria ser pior? Suportar um mês do treinamento da agência, ou um mês como porteiro daquele prédio cheio de velhos...

Sinceramente... Eu não fazia ideia.

Passei por ali e subi. Me olhei no espelho e ajeitei o cabelo.

Cheguei ao meu apartamento, e dei de cara com minha avó sentada á mesa com Maria, sua amiga de longa data, engoli toda a minha raiva, e passei por ela, para dar um beijo no rosto de minha avó.

— Sua benção .

Ela sorriu segurando minha mão — Deus o abençoe, amor. Janta conosco? Maria está de partida amanhã.

Olhei para ela. E sorri, com todo o meu esforço. — Sério? Para onde agora?

— Tenho negócios em Madri.

— Posso imaginar. — Desdenhei. — Mas não posso ficar, tenho um trabalho extra hoje.

— Outra vez menino? Você mal tem tempo de dormir. — ela falou preocupada, se levantando para me abraçar.

— São negócios, , negócios não podem ser adiados. Não é Maria?

Ela concordou — Infelizmente, Gertrudes, o trabalho não espera, ainda mais pessoas como seu neto, que nasceram para serem grandes na vida.

Revirei os olhos enquanto me virava para ir até meu quarto. Peguei uma muda de roupa e fui para o banheiro. Tomei um banho caprichado e me vesti. Só precisava sair dali o mais rápido possível.

Dei um beijo de despedida em minha avó, e desci. Ia passar direto pela recepção, mas ele me deu um olhar, aquele olhar que eu conhecia bem. E minha cabeça me soprou um "por que não?".

Parei no balcão. — Novato? — Sorri para ele, e ele assentiu. — Estamos tendo muitos por aqui ultimamente, espero que dure mais que os outros.

— Eu também torço por isso. — Ele falou sem graça. E me estendeu a mão. — Sou Wesley, mas todos me chamam de Wes.

Sorri para ele — Mike. — Baixei o olhar propositalmente, para avaliá-lo. — Vai virar a noite?

Ele arregalou os olhos e fez que não com a cabeça. — Nã... Não posso, por causa da idade. Só faço dezoito no mês que vem.

— Oh, idade... Agora é um empecilho mesmo... Bom, foi um prazer te conhecer Wes. Espero que esteja aqui daqui um mês. — Comecei a caminhar para a garagem.

— O que tem aqui daqui a um mês? — Ele falou alto para que eu pudesse ouvir enquanto me afastava.

— Um porteiro com um salário completo. — gritei de volta.

Sorri, e entrei em meu carro. Fui até meu flat, o que sempre usava para alguns trabalhos. E fiquei por lá. Mais para evitar Maria que qualquer coisa. Trabalhei em muitas planilhas do mês. Avaliei toda a contabilidade da agência. Salvando todos os arquivos em pastas seguras, e depois voltei para os arquivos.

Elaborei um cronograma de treinamento, Alexandre esperava por minha organização, e não daria margem para ele me questionar em absolutamente nada.

Por último, já que seria jurado do teste no dia seguinte, achei justo olhar os relatórios da garota.

Melissa... Nos arquivos do Tom, constavam todos os pontos positivos, e cruzando dados, uma lista de clientes que se interessariam por ela, e por suas habilidades. Assim, fazíamos um serviço personalizado, sem erros, sem defeitos. Era genial. Cruelmente genial, imensamente lucrativo. E ela tinha nota máxima no quesito crueldade... Eu ri. Outra psicopata.

AudazOnde histórias criam vida. Descubra agora