34 Carta

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Mike

Ela novamente levou K até a porta e voltou para mim, apertando meu joelho com uma das mãos. - Você fez de novo, seu canalha! - Ela me olhou furiosa.

- Ai que droga! - Protestei de dor - Fiz o que? - perguntei rindo.

- Me deixou de fora como uma inútil!

- Não é verdade. Você ainda será encarregada de pegar os dois, só vai fazer isso à distância.

Ela me amparou até a cama e se sentou ao meu lado. - Mike, eu sei que o pesadelo te assustou, mas eu posso ser mais útil que isso. Por favor, não me trate como uma boneca inútil.

Segurei seu rosto, lhe dando um beijo demorado nos lábios. - Você não é uma boneca inútil, mas não pode me impedir de me preocupar com você. Se tem alguém que eles pensariam duas vezes antes de matar se descobrissem algo, seria eu. Então, eu sou o mais indicado para fazer isso. - Beijei sua testa - Eu prometo que ficaremos bem.

Ela se soltou de mim. - Não beije minha testa como você faz com suas clientes quando se despede! Tem noção do quanto isso me irrita? - Ela se afastou de mim.

Eu ri. - Essa boca... - sussurrei para ela - Nunca mais tocará testa ou boca alguma que não seja a sua.

- Só testa e boca? - Ela sorriu me olhando pelo canto de olho.

Suspirei - Eventualmente posso ter que trabalhar, duvido que seu trabalho com velhinhos nos sustente.

Ela me deu um tapa. - Você recolhe papelão na rua, pega latinha, faz o que for, mas se enfiar esse seu pinto em mais alguém por dinheiro, juro que arranco ele fora!

Eu ri e a empurrei para a cama - Prefere ficar sem, do que dividir é? - brinquei.

- Não tenho seu autocontrole, Mike. - Ela falou séria.

Beijei a palma de sua mão e a coloquei em meu rosto, fechando os olhos. - Cada noite de trabalho sua, doeu mais que todos os tapas que me deu naquele teste, mais do que os choques, mais até que as agulhas...

Ela passou as pernas por mim, uma de cada lado, se debruçando sobre mim, beijando minha boca.

- Prometo nunca mais te fazer sofrer. - Ela sussurrou.

Abri os olhos - Prometo que além do meu coração, só você terá meu corpo daqui para frente. - Sorri para ela.

- Prometo não brigar mais com você por tentar me proteger.

Sorri - Prometo não te excluir dos planos. De nenhum deles...

Ela levantou a cabeça, me encarando - Tem mais planos que eu não sei?

Assenti, e estiquei o braço para debaixo do meu travesseiro, peguei o anel e segurei-o diante de seus olhos. - O que acha desse?

Ela se sentou sobre mim, pegando o anel prateado com um rubi incrustado.

- Mike... - Ela abriu a boca, assustada, mas sorriu.

- Era da minha avó. Wes passou a tarde polindo. - Sorri para ela - Você o quer?

Ela piscou várias vezes, segurando o anel ainda de boca aberta.

- Você vai mesmo me dar isso?

Inclinei a cabeça para o lado, mordendo o lábio, fingindo pensar - É o que se faz quando se pede alguém em casamento, não? Desculpe, não entendo muito de romantismo.

Ela riu assentindo. - É... - Ela disse com lágrimas nos olhos. - É isso mesmo que se faz, Mike.

Sorri - Bom saber. - Tomei o anel dela com um movimento rápido e ela ficou me olhando incrédula. - Quando tudo isso acabar ele será seu, e vou fazer o pedido direito.

- Não acredito! - Ela resmungou de boca aberta.

- Tome isso como um incentivo para continuar viva. - Sorri tocando seu rosto.

- Puta merda Mike, me devolve!

Gargalhei apertando os dedos em volta do anel - Não!

Ela sorriu me desafiando - Eu posso tirar de você, sabia?

- Eu adoraria lutar com você na cama por ele, mas estou em sérias desvantagens aqui, e você acabaria tendo que vasculhar minha merda para achá-lo, daqui à uns três dias. - Eu ri.

- Canalha ardiloso!

- Vadia interesseira. - Puxei seu rosto para mim, beijando-a outra vez.

****

Tirei a tala depois de três semanas, segundo Mariany, cedo demais. Mas eu já não aguentava mais aquilo. Me reuni com Wes em uma tarde para escrever a carta para Edith, ele tirou fotos do apartamento vazio, esvaziamos a geladeira e ele também a fotografou. Deixamos tudo mais ou menos como era minha realidade antes de conhecer a K.

Na carta, contei como eu estava passando por dificuldades, sem oportunidades por estar "morto" contei sobre a emboscada que quase me tirou a vida. E de como estava vivendo da caridade de meu amigo porteiro. Um relato digno do "de volta para minha terra"

Wes me olhou complacente - Sabe o que é pior nisso tudo? - Olhei para ele - É que é tudo verdade. Nem uma linha daí é mentira, eu lembro de você, meses atrás... E sua vida era exatamente assim.

Assenti. - E aconteceria de novo se não fossem vocês dois. Agradeço a vocês Wes... Por tudo, de verdade.

Ele sorriu - Como já te disse, você merece Mike. Apenas por quem é...

Eu ri - Por quem eu sou... - Desdenhei.

Ele segurou minha mão - Sim! Você é a pessoa que passou fome por semanas, e quando conseguiu comprar comida, a dividiu comigo, a pessoa que não aceitou meu dinheiro quando eu ia fazer uma tremenda besteira. Se você não fosse essa pessoa, não pensaria em mim, apenas faria pelo dinheiro...

- Eu queria ter essa visão de mim que você tem, amigo. Mas isso tudo não apaga minha outra parte. Então...

- Você pode não esquecer, mas sei que é esse Mike, esse aqui na minha frente que é o verdadeiro. É o Mike por quem me apaixonei. O outro, ficou para trás.

Peguei sua mão. - Wes... - Mordi o lábio. - Eu sei que é muito abuso, mas, eu posso te pedir uma coisa?

Ele sorriu - Claro Mike.

- Se ela responder essa carta, ela provavelmente vai me mandar para o Rio... Quero que dê uma olhada na Mariany para mim. Assim como eu, ela tem uma mania irritante de querer aparecer, então...

Ele riu - Não se preocupe Mike. Se consegui cuidar de você, Mari não será problema.

Ri ironicamente - Sou um doce de pessoa Wes. Mariany é um demônio.

- Deixa ela escutar isso. - Ele riu.

- Acha que não digo a ela? Ela sabe, gosta do título. É uma demônia preparada especialmente para mim.

Ele revirou os olhos - Que lindo... Você deveria ser poeta e escrever cartões.

Olhei para baixo - Não, prefiro cartas de sofrimento mesmo.

Ele riu - Posso? - Ele estendeu a mão para a carta extensa que eu acabara de escrever.

Assenti entregando-lhe o papel.

Ele sorriu - Sua letra é linda.

Suspirei. - Minha avó sempre fez questão de aprimorar minha caligrafia, quando deixei o colégio e passei a ter aulas em casa, ela adorava me monitorar, inclusive me ensinou a falar inglês e francês.

Ele me olhou confuso - Por que deixou o colégio?

- Trabalho. - Dei de ombros.

Ele engoliu seco e leu a carta. Sorrindo satisfeito ao final. - Para que endereço vai enviar?

- Para o da última carta. O jeito vai ser torcer para que chegue até ela.

Ele assentiu cruzando os dedos e fiquei de pé.

- Pode levar para mim? - Ele assentiu, entreguei a carta, e ele partiu.

A primeira jogada já havia sido feita. Restava agora esperar pelos próximos movimentos nesse tabuleiro.

AudazOnde histórias criam vida. Descubra agora