2° Capítulo - Arestas

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Manhattan, 23 de setembro – 14:45 PM

Após inúmeras horas de sono no hotel e quase perder o voo de volta a Manhanttan, finalmente estou em casa. Durante a viagem demonstrei minha total insatisfação sobre ser perseguida por um guarda-costas. Jensen provou do meu total e absoluto silêncio e indiferença, nos despedimos formalmente no aeroporto, e claro, recusei a sua carona até meu apartamento.

O voltar para casa continua me atormentando, todas as cores, cortinas e a decoração tem o DNA da tia Ângela, ou Angels como eu costumava chamar. As paredes brancas com alguns destaques feitos em papel de parede pérola. O sofá, cortinas e tapetes em tons de marfim, a cozinha com uma enorme e luxuosa bancada de mármore inteiramente branco, contrastando com os móveis cor de amêndoa. Tudo escolhido a dedo por ela. O meu suspiro de pesar é incontrolável.

Um dia de cada vez, refletir essa mensagem me conforta, e logo procuro afastar os pensamentos ruins. Nada como um bom banho para relaxar e esquecer todas as tensões. Pensando nisso já trato de me despir e ligar a torneira para encher a banheira, faço todo o processo com agilidade, afinal já é um ritual sagrado. Quando enfim consigo emergir meu corpo e me permito sentir as sensações que a água morna e os sais de banhos me proporcionam, o meu celular começa a tocar sem parar. Uma, duas, três, na quarta vez eu desisto e saio da banheira desconjurando o universo por atrapalhar o meu momento. Me enrolei na toalha que estava estendida no box e corri para o quarto.

Jensen – Olá, minha querida. – Diz o patético com toda a ironia possível. – Demorou a atender, pensei que você estivesse dormindo.

Anahí – Se eu estivesse dormindo com certeza você estaria correndo um sério risco de vida, e por favor, querida é sua avó. – Respondo com a voz mais ácida que consigo, ele está realmente afim de me tirar do sério.

Jensen – Quanta hostilidade vinda de uma mulher tão linda, pensei que fossemos amigos. – Debocha – Mas como não estou interessado em te agradar, só liguei para avisar que você receberá visitas em vinte minutos, esteja apresentável.

Anahí – O que? Como assim visitas? – Respondi aborrecida – Eu passei as últimas 72 horas te aturando e não posso curtir a minha solidão um dia que seja? Vai se foder Jensen, eu não vou receber ninguém.

Jensen – Até mais pra você também bebê, agora você tem 17 minutos, não nos faça esperar. – Logo em seguida desligou o telefone para que ela não tivesse chances de responder.

Idiota, mil vezes idiota, praguejei. Massageei minhas têmporas, enquanto caminhava em direção ao Closet, escolhi a pior roupa que poderia, vesti um conjunto cinza de moletom, na blusa estava escrito "Eu sou a resistência", eu sabia que teria a oportunidade ideal para usar aquilo, um par de pantufas completou o look. Me dei o trabalho apenas de escova os cabelos e passar uma loção pós banho. Após os malditos 17 minutos ouvi a campainha tocar. Além de idiota era pontual. Fiz o percurso até a sala pisando em ovos, demorei mais tempo para chegar até a porta do que no próprio banho.

Anahí – Quem perturba? – Abri a porta já esperando ver a cara amarela de Jensen, com o sorriso de lado. Mas não foi o que eu vi. Eram olhos oblíquos e sinuosos, um verdadeiro labirinto em duas vertentes, que se dividiam entre o verde oliva e o castanho caramelizado. Repousei minha vista em seus lábios, um tanto rígidos para combinar com a sua expressão, as bochechas cobertas por uma barba extremamente impecável. Era um rosto um tanto exagerado, exagerado na perfeição dos traços e nuances. Observei aquele rosto em uma espécie de transe, que só foi quebrado quando ouvi a voz de Jensen saindo do elevador.

Jensen – Vejo que cheguei atrasado, desculpem, é só uma forma de relembrar o quanto odeio o trânsito de Manhattan. – Caminhando em direção a porta, vestido impecavelmente. – Isso foi o máximo que você conseguiu sobre estar apresentável? Eu sou a resistência? – Repousou as duas mãos na cintura boquiaberto.

Anahí – Você já deveria ter entendido que não manda em mim, eu visto, falo e faço o que eu quero. – Respondi ultrajada, não sei se era a raiva pela audácia que Jensen demonstrava, ou se estava incomodada com aqueles olhos me observando.

Jensen – Desculpe a falta de educação dela Herrera. Mas acredite, você acaba se acostumando. Obrigada por ter vindo. – Cumprimentou sorrindo com um aperto de mãos. - Bom, vamos ficar a tarde toda aqui na sua porta? – Direcionou o olhar para mim, eu queria matá-lo.

Então ali estava na minha sala, a reunião mais estranha e desconfortável que já estive na vida. Jensen com seu habitual falatório, o desconhecido...Herrera, e eu, no sofá logo em frente tentando entender a conversa entre os dois, porém dispersa demais seguindo os traços daquele rosto, e notando como a blusa preta de botões caia bem naquele estranho.

Jensen – Sem mais delongas, vamos as apresentações, Anahí esse é o Sr. Herrera, ele será nos próximos meses o seu guarda-costas. – Disse com um tom de realização fora do normal, ele só podia está muito preocupado mesmo. – Herrera, essa é a Anahí...

Enquanto Jensen falava notei que o estranho relaxou a tensão entre os ombros, e começou a procurar entre os bolsos uma espécie de bloco de anotações. Tudo foi anotado, datas dos shows, horário dos voos, a placa do meu carro, número do meu celular e dos amigos mais próximos, lugares que eu costumava frequentar, restaurantes, boates, um verdadeiro dossiê.

Depois de longos minutos em silêncio, não consegui me controlar.

Anahí – Essas informações são para montar o meu mapa astral, ou você está achando mesmo que eu vou na esquina tomar um chá da tarde com esse estranho? – Perguntei ironicamente enquanto enrolava um cacho entre os dedos. Foi quando eu vi o estranho se levantar, a postura ereta e intimidadora atiçou o meu gosto por desafios, irritar aquele homem seria um deles.

Alfonso – O estranho tem nome, e você já sabe qual é, para você sou Herrera. – Repousou pela primeira vez os olhos sobre os meus, aquela íris estava em um princípio de incêndio. - Se você for tomar um chá da tarde preciso confessar que odeio, mas para sua insatisfação eu irei quantas vezes for preciso. – A voz rígida era capaz de cortar qualquer superfície. - Antes de começarmos preciso deixar os pontos bem claros, a partir de hoje eu vou cuidar da sua segurança, somos dois adultos, por favor não dificulte o meu trabalho, eu não serei sua babá. Segundo, você usará esses pontos de escuta, eles encaixam em qualquer espécie de brincos, assim eu poderei escutar o seu chamado 24 horas por dia, e terceiro não tente me passar a perna, minha equipe não gosta de funerais.

Vocês devem estar se perguntando se foi nessa hora que eu surtei naquela sala? Acreditem, não. Enquanto ele falava ou me metralhava com aquelas frases irônicas, eu pude perceber o incomodo que a minha postura causava, era o mesmo que pôr em cheque o seu profissionalismo e sua credibilidade. As mãos iam e vinham em um estralar de dedos descompensado, o vinco na testa enquanto ele me encarava me dizia muitas coisas, uma delas é que eu estava no caminho certo. Eu dirigi poucas palavras para aquele homem e ele me fuzilava com o olhar, não seria tão difícil fazê-lo desistir daquela estupidez. Mas uma coisa me chamou atenção, ele pressionava um pequeno pingente preso em um cordão de ouro envolto no pescoço, era como se fosse um ponto de equilíbrio para manter a sanidade. O clima naquela sala era terrivelmente pesado, dois estranhos propícios a se odiar, a diferença é que ele poderia me odiar enquanto tentava salvar a minha vida, e eu o odiaria infernizando a sua. 

All Of MeOnde histórias criam vida. Descubra agora