25° Capítulo - Paz?

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Acordei com uma brisa gelada tocando em meu rosto, que escapava da janela entreaberta, as cortinas brancas balançavam lentamente, no mesmo ritmo que meus cabelos. Me espreguicei reconhecendo o ambiente, e deixei um sorriso escapar quando confirmei que a noite passada fora real, não era um sonho.

Ouvi um barulho que parecia vir da cozinha, mas antes de sair fui ao banheiro e me surpreendi, ao ver no balcão da pia, uma escova de dentes nova, toalhas, e minhas roupas dobradas ao lado, ele realmente tinha toc. Gargalhei sozinha daquilo. Escovei os dentes, lavei o rosto, e logo em seguida me enrolei em um roupão.

Caminhei em direção a cozinha e lá estava ele, parecia brigar com a cafeteira que não queria funcionar. Senti o aroma das panquecas servidas na mesa, então ele cozinhava, aquilo me soou motivador, já que eu era uma verdadeira negação na cozinha. Em passos lentos fui até ele e o abracei pelas costas, entrelaçando meus braços em sua cintura.

Anahí – Bom dia. – Disse inebriada com o cheiro dele, eu adorava aquela mistura do aroma do amaciante de roupas em sua blusa junto ao perfume amadeirado.

Alfonso – Bom dia. – Respondeu, antes de girar o corpo e ficar em minha frente. – Eu já ia te acordar, se essa maldita cafeteira não tivesse me atrapalhado. – Sorriu com o canto da boca e depositou um beijo estalado em minha testa.

Anahí – Talvez o problema está em você, não nela. Aquele botão vermelho é fundamental, é só apertar que o milagre acontece. – Disse quando observei que a máquina estava desligada, gargalhando logo em seguida.

Alfonso – Mas como? Eu tinha certeza que tinha ligado. – Respondeu levemente ultrajado.

Anahí – Está distraído porquê? – Instiguei irônica.

Alfonso – Deve ser culpa desses seus olhos azuis, eles alucinam, muito cuidado com eles. – Respondeu sorrindo.

Anahí – Anotado. – Sorri. - Como sabe que eu adoro panquecas? – Disse apontando para a mesa.

Alfonso – É só o que você comia nos hotéis, dentre toda aquela variedade de guloseimas. – Respondeu enlaçando os braços sobre os meus.

Anahí – Que observador. – Gargalhei.

Alfonso – Dois minutos e o café estará servido, me aguarde ali mocinha. – Apontou a mesa.

Anahí – Ok. – Desvencilhei nossos braços e caminhei em direção a mesa, já iria sentar se algo não tivesse me chamado atenção. Dei alguns passos em direção a sala, o ambiente era dividido apenas com uma bancada em mármore, e avistei uma pilha de CDS e DVS enfileirados em ordem alfabética. Cheguei mais perto para ter certeza. – Alfonso, você tem um CD meu? – Perguntei arqueando a sobrancelha. – Um não, um, dois, três. – Enumerei.

Alfonso – Eles não são meus, na verdade agora são..., mas eram de Natalie. Ela adorava a sua música. – Respondeu receoso, passando a mão entre os cabelos. – Te incomoda?

Anahí - Oh, não, eu só estou no mínimo surpresa. – Respondi calmamente. – Então ela tinha bom gosto. – Ironizei sorrindo enquanto olhava os outros CDS. – Uma pergunta, algo que veio na minha mente agora, você aceitou trabalhar pra mim por causa dela, não foi? – Perguntei incisiva, e ergui o rosto para encará-lo.

Alfonso – Sim. – Respondeu conciso. – Ela te adorava, eu não aguentava mais te ouvir no som do nosso carro, confesso. E quando tudo aconteceu, e eu soube da sua história, eu tive certeza que ela iria me obrigar a fazer isso, de onde estivesse, então eu topei.

Anahí – Então graças a ela nos conhecemos, estou em débito com a Natalie. – Sorri para amenizar o clima e guardei os CDS, eu sabia que era doloroso para ele falar sobre ela.

Voltei até a mesa e sentamos para tomar o café da manhã, depois daquele assunto percebi que ele dedilhava o pequeno pingente mais vezes que o habitual, em meu intimo eu queria perguntar o que aquele objeto significava, mas não estava disposta a estragar o clima ameno que pairava entre nós.

Anahí – Nossa, isso está uma delícia, lembra as panquecas que minha tia fazia. – Sorri antes de solver um gole de café preto.

Alfonso – Você nunca me falou dela. – Pontuou repousando a xicara sobre a mesa.

Anahí – Ah, ela era uma pessoa excepcional, se chamava Ângela, me criou desde que nasci, nós éramos grudadas, ela me acompanhava em tudo, tudo mesmo...até que um dia sofreu um infarto fulminante enquanto dormia e eu a perdi, ela era tudo o que eu tinha, tudo. – Respondi enquanto enrolada um cacho entre os dedos, aquele assunto me entristecia demais.

Alfonso – Eu sinto muito, ela deve ter sido mesmo uma mulher espetacular. – Repousou uma mão sobre a minha, a acariciando com a ponta dos dedos. – E seus pais? – Franziu o cenho me encarando.

Anahí – Não conheço meu pai, e minha mãe...eu sou órfã de uma mãe viva, se é que me entende. – Prendi os dedos entre os cabelos. – A última vez que a vi tinha entre quatro a cinco anos, não lembro muito bem, era Natal e ela me trouxe uma boneca, minha tia tentava de toda forma que eu deixasse ela se aproximar, mas eu só fiquei no canto da sala observando, muda, não trocamos uma palavra se quer. Eu nem cheguei a desembrulhar o presente, não era brinquedo que eu queria, era ela.

Alfonso – E depois disso você nunca mais soube dela? – Instigou fitando minhas feições.

Anahí – Por um tempo sim, a minha tia fazia questão de manter ela presente, ligava várias vezes e eu só ouvia as conversas de longe. O que me magoa é que nunca houve impedimento para se aproximar você entende? Nenhuma desculpa plausível. Você não sabe o que significa para uma criança não ter os pais em uma apresentação da escola, minha tia tentava suprir com todo o amor do mundo, mas não era suficiente.

Alfonso – E você chegou a perguntar isso a ela? Digo, os motivos que levaram ela abrir mão da própria filha.

Anahí – Não, a rejeição dela responde tudo. Não temos o que conversar, eu não sei nem se consigo reconhece-la. Ela não precisou de mim uma vida inteira, porque eu precisaria dela? E sinceramente eu não tenho mais interesse em saber os motivos.

Alfonso – Como ela se chama?  - Perguntou curioso.

Anahí – Meryl... esses olhos aqui... – Apontei em minha direção. – São dela. – Pausei em um suspiro. – Mas não quero falar mais disso ok? – Abri um sorriso torto.

Alfonso – Ok. – Disse sorrindo antes de beijar o dorso da minha mão.

Depois daquela conversa só tivemos tempo para nos arrumarmos, eu tinha muito tempo livre, ele não. Naquele dia Alfonso teria que iniciar os treinamentos físicos da corporação, e eu não queria atrapalhar. Durante o caminho ele entrelaçou nossos dedos, e fomos conversando sobre o quanto ele morava longe, mas aquilo no momento foi prazeroso, pois tivemos mais tempo para ficar juntos. Quando enfim chegamos em frente ao meu prédio, ele suspirou pesaroso.

Alfonso – Eu queria ficar aqui com você. – Disse me fitando ao mesmo tempo que me puxou pela mão para selar nossos lábios.

Entreabri os lábios para receber a sua língua, e apoiei as duas mãos no rosto dele, nossos lábios já se reconheciam de imediato, a conexão era rápida e mutua. Era o lugar ideal, o hálito quente extasiava e o sabor era inebriante, eu poderia ficar daquela forma um dia inteiro. Afastamos quando o ar nos faltou, e antes que fosse impossível parar.

Anahí – Eu também queria que você ficasse, mas a desocupada aqui sou eu. – Sorri entre os lábios um tanto avermelhados. – Você precisa ir, só me prometa que volta.

Alfonso – O quanto antes. – Respondeu acariciando minha bochecha.

Anahí – Agora eu já vou, tenho muita coisa para explicar ao Joseph. – Gargalhei abrindo a porta do carro.  

Alfonso – Espera... foi maravilhoso, ontem, hoje... eu nem tenho palavras. Sonhei muito com isso... – Disse segurando a minha mão.

Anahí – Eu deveria ter feito antes. – Respondi depositando um beijo estalado na bochecha dele. – Foi maravilhoso para mim também, mas precisamos fazer um acordo.

Alfonso – Que acordo? – Franziu o cenho.

Anahí – De sermos transparentes, em tudo. Eu sei que você gosta de saber onde pisa, e eu adoro voar... – Pausei. - Não quero me machucar Alfonso e nem quero fazer isso contigo. Não sei até onde isso daria certo, nós somos diferentes demais. Por isso eu preciso que você fale abertamente comigo, eu sou o que sou e você é o que é, e mudar isso estragaria tudo.

Alfonso – Eu não mudaria nada em você Anahí, eu gosto da bagunça que você faz na minha vida, eu não imagino de outra forma.

Anahí – Que bom, porque eu não sei ser de outra forma e nem quero. Por esse motivo eu preciso que seja verdadeiro, porque essa sou eu. – Disse apontando os dedos em minha direção. – Inteira, sem capa e sem enfeites o que me deixa consideravelmente vulnerável, e isso me assusta. Sou cheia de rasuras, mas gosto do refúgio que é ficar do seu lado. – Pontuei.

Alfonso – Eu não sou ninguém para querer mudar um fio de cabelo seu que seja Anahí, para impor o que eu gosto ou não, ou se quer pensar que tenho o direito de questionar o que você faz ou deixa de fazer, mesmo que me corroa de preocupação, eu só posso apreciar o seu voo. E preciso admitir que é lindo.

Anahí – Pousar no seu ninho é melhor ainda. – Sorri entusiasmada. – Agora eu preciso mesmo ir, você vai se atrasar. – Selei nossos lábios e sai logo em seguida, o vendo sorrir, o verde com um brilho diferente.

Quando bati a porta, meus cabelos bagunçaram com o vento, dei poucos mais de cinco passos para cruzar a rua, me desvencilhando dos fios que caíram sobre meu rosto, e o vi descendo do carro em um rompante. O olhei confusa e imaginei que ele deveria ter esquecido de dizer algo, parei onde estava enquanto ele dava a volta em minha direção.

Foi quando um barulho ensurdecedor chamou minha atenção, ergui o rosto e avistei um carro com uma velocidade alarmante para o habitual permitido naquele bairro, paralisei onde estava quando percebi que ele acelerava em minha direção, o fumê escuro não permitia que o condutor fosse identificado, meu coração petrificou em um sobressalto, travei a respiração e dei dois passos para trás, mas não o suficiente para me tirar do alvo. Fechei os olhos, paralisada, um arrepio desesperador correu em meus nervos e eu me preparei para o choque. 

All Of MeOnde histórias criam vida. Descubra agora