6° Capítulo - Trégua

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Madrid, 28 de setembro – 14:45h

Uma das melhores coisas da vida é dormir, e naquele dia eu estava de parabéns, dormi como uma pedra, não sei se pelo efeito do álcool ou do cansaço. A cama estava deliciosamente aconchegante, me espreguicei para tentar reunir forças para levantar, quando abri os olhos notei que Herrera não estava mais ali. Suspirei agradecida. Peguei o celular e fiz um post de agradecimento aos meus fãs pelo show incrível, depois disso tratei de tomar um banho demorado. Depois de banhada e perfumada, coloquei um vestido branco leve e soltinho, deixei os cabelos soltos sob os ombros e fiz uma maquiagem leve, pus os óculos escuros, catei meu celular e joguei dentro de uma bolsinha de lado que havia levado, calcei uma rasteirinha e me preparei para enfrentar um furacão, eu iria sair. Vocês devem se perguntar porque alterno tanto de humor, pois ontem à noite estava efusiva, rindo aos quatros cantos, bebendo e me divertindo horrores, e hoje acordei totalmente diferente, pra baixo, eu explico...era sempre assim, depois de uma noite regada a shots de tequila, whisky, eu enfrentava uma ressaca moral absurda, não que eu achasse que tivesse feito algo errado, mas era como se as minhas feridas fossem atingidas em cheio quando o efeito do álcool se esvaia.

E aquele lugar não ajudava, Madrid me trazia uma nostalgia profunda, eu seguiria o ritual. Durante anos frequentei o Parque do Retiro com minha tia, esse ano não seria diferente, exceto por não tê-la. Eu estava decidida. Caminhei até a porta do quarto e já estava destravando a fechadura, quando uma voz me impediu.

Alfonso – Onde você pensa que vai? – Disse imponente, longe do meu campo de visão, mas posso apostar que ele estava com os braços cruzados observando meus movimentos.

Anahí – Não é da sua conta. – Meu humor não estava dos melhores, não era raiva, nem nada relacionado a isso, era tristeza.

Alfonso – Preciso mesmo dizer que você não vai a lugar nenhum? Você perdeu as entrevistas, se a Emma ou Jensen te encontrarem zanzando por aí eu não vou poder proteger você de uma tentativa de assassinato. Porque acredite, eles estão irados.

Anahí – Herrera, não estou em um dia bom, por favor não teste minha paciência com suas ironias. - Girei os calcanhares parando frente a ele, suspirei pesadamente, eu não queria brigar. – Eu vou sair, ninguém vai me impedir.

Alfonso – Onde você vai? – Notei que ele franziu a sobrancelha, pareceu não me reconhecer.

Anahí – Parque do Retiro, é tudo que você precisa saber. – O encarei.

Alfonso – Eu vou com você. – Disse enquanto caminhava em direção a mesa de centro, vi que pegou as chaves do carro, celular e carteira.

Anahí – Herrera, não! Eu preciso ficar sozinha. - Cruzei os braços. Mundo, eu só queria descarregar aquela tristeza sozinha.

Alfonso – Eu não vou deixar você sair sozinha, prometo que vai ser como se eu não estivesse. – Dirigiu um olhar diferente pra mim, era como se entendesse e captasse o que eu estava sentindo. Não era birra, ele discerniu.

Anahí – Ok. – Finalizei vencida.

O caminho foi silencioso. Herrera dirigia e eu estava presa em minhas lembranças no banco de trás, fui o percurso inteiro de olhos fechados, a cabeça recostada, não quis dá espaço para qualquer diálogo. Quando chegamos desci do carro, ele não, apenas assentiu com a cabeça e eu me afastei, ele iria realmente respeitar meu espaço.

O ambiente, o aroma, o vento, os sons, eram os mesmos. O paisagismo daquele lugar me encantava. Os jardins eram incríveis, era o nosso lugar preferido. Passei entre o bosque e caminhei em direção ao lugar onde ficavam as fontes, o meu coração se contraía e o entalo na garganta era inevitável. Sentei na grama e observei o cair das águas, as lágrimas brotavam em meus olhos na mesma proporção, precisei fazer um esforço inimaginável para não gritar. Estava tão imersa no meu luto, me sentia sozinha, vazia, não tinha mais ninguém para me acolher e me aceitar da forma que eu era, para me oferecer um amor incondicional que só recebi dela. Era esmagador, não consegui controlar os soluços, me entreguei a minha angústia por longos minutos.

Foi quando senti uma mão em meu ombro, me assustei de imediato, mas quando ergui meu rosto vi que era ele. A escuta, lembrei. Não falei absolutamente nada, ele sentou ao meu lado e tirou os meus óculos com delicadeza. Eu só consegui fitá-lo, o verde oliva. Senti seus dedos tocando meu rosto percorrendo o caminho das lágrimas. Aquele toque me desmanchou, me permiti descarregar aquela tristeza que me consumia, chorei copiosamente. E ali estávamos nós... eu, Herrera e minha dor. De certo ele não sabia o motivo de me encontrar daquela forma, mas era nítido o olhar de preocupação e aflição que me dirigia.

Não tinha como me ver, mas eu fazia ideia de como estava, os olhos vermelhos e inchados, a bochecha rosada, o nariz vermelho, algumas lágrimas brotando involuntariamente, um tanto envergonhada de chorar daquela forma na frente de um estranho, eu não fazia isso nem com os meus amigos, mas tem dias que dói mais, que não aceitamos, e a revolta toma conta de todos os poros, como se fossemos capaz de explodir a qualquer momento, e era justamente esse dia.

Herrera entendeu aquilo. Como ele poderia entender? Eu também era uma estranha pra ele, nunca tivemos uma conversa intima, ou que não fosse regada a ataques e ironias. Mas ali estava ele, me consolando mesmo que em silêncio, a postura ereta e o rosto neutro não estavam ali, parecia ter baixado a guarda. Ele tocou minha mão com um caminhar de dedos, como se me pedisse permissão, entrelaçou a mão na minha e me puxou para um abraço, recostou minha cabeça em seu ombro enquanto acariciava meus cabelos.

Alfonso – Shiu...vai ficar tudo bem. – Sussurrou próximo ao meu ouvido.

Ficamos em silêncio, eu precisava daquele gesto, mesmo que não admitisse. Me apeguei aquele momento, aqueles detalhes, as sensações. Senti os dedos entre os meus cabelos, o coração dele batendo descompassado, ele me parecia um tanto nervoso, ou assustado de me ver daquela forma, eu que me apresentei sempre tão forte, decidida e dona de si, agora estava frágil e aconchegada naqueles braços, seria ironia do destino dizer que a pessoa que desperta os meus sentimentos mais insanos é a mesma que me acalentou quando precisei. Ficamos naquela posição por um tempo incontável, o suficiente para cessar as lágrimas e me acalmar.

Alfonso – Vamos, vou te levar para comer alguma coisa. – Quebrou o silêncio.

Anahí – Obrigada... por isso. – Encarei seus olhos enquanto me afastava e me desvencilhava de seus braços.

Alfonso – Não me agradeça, eu não sei o que se passa, mas se aceita um conselho você precisa fechar esse ciclo, virar a página. A vida está sorrindo a sua frente. – Disse calmamente, senti a voz aveludada.

Anahí – Eu sei disso, e estou tentando, é que tem dia que é mais difícil. – Pontuei. - Mas você não precisa se preocupar com isso, eu estou bem...foi só uma recaída. Você já fez demais em ver essa cena toda. – Sorri ruborizada.

Alfonso – Eu acho que entendo. Mas se já está tudo bem, vamos. – Cortou o assunto, levantou e me puxou pela mão. – Agora você pode voltar a me tratar mal, não estou acostumado com sua cordialidade.

Anahí – Idiota. – Gargalhei enquanto caminhávamos de volta ao carro.

Eu realmente iria fechar aquele ciclo. Virar a página daquele sentimento angustiante, não me limitaria a dor, seria mais forte que ela. Eu aceitei o conselho,  devia essa decisão a ele,  meu guarda-costas.

Anahí 2 x Alfonso 2 – Declaro empate. 

All Of MeOnde histórias criam vida. Descubra agora