29. Me esperando

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ATENÇÃO: Esse capítulo pode conter cenas de violência contra mulher.

- Que surpresa ainda te encontrar aqui – disse com a voz rouca e sorriu ladino antes de abrir os olhos de forma breve.

Surpresa, claro, ele já deve ter percebido há tempos que eu estava sempre fugindo de situações complicadas como essa. Harry ainda estava claramente sonolento, porém seus braços permaneciam bem firmes à minha volta.

- Você tem que me levar de volta para casa – eu disse e fechei os olhos com força, respirando bem devagar. – Lembra que estamos no meio de uma estrada?

Com minha pulsação acelerando a cada instante, eu não me atrevi a abrir os olhos novamente. Talvez, não olhando para ele, eu não sentiria mais nada. Não sentiria culpa e não sentiria vergonha.

Talvez, dessa forma, eu não me deixaria abalar por aquela vontade quase que incontrolável de continuar ali, deitada e abraçada a ele no banco de trás de seu carro. Por mais desconfortável que o banco fosse com aquele couro que grudava por toda a lateral do meu corpo, a vontade de continuar a sentir a estranha segurança que eu sentia quando estava com ele, sendo envolvida pelo perfume e pelo calor que sua pele emanava, era muito maior.

Eu já havia tentado sair dali, mas dessa vez não tinha nenhum travesseiro ou qualquer outra coisa que pudesse me substituir e, é claro, eu não sairia andando sozinha pela estrada até chegar em casa. Dessa vez não tinha mesmo para onde fugir, não tinha desculpa alguma que eu pudesse inventar.

Assim, de olhos fechados, tentei encontrar um pouco de sanidade que ainda podia restar dentro de mim, nem que fosse só um pouquinho! Mas essa foi uma tarefa e tanto quando os braços que nos mantinham unidos se afrouxaram devagar à minha volta e logo as pontas de seus dedos tocaram meu pescoço suavemente, afastando algumas mechas de cabelo antes de deslizarem até meu ombro desnudo e subirem mais uma vez.

- E o que vai acontecer quando eu a deixar em casa? – quis saber em um tom baixo, tocando meus lábios com o polegar. – Teremos que fingir que esse momento nunca existiu?

Abaixei um pouco a cabeça e permaneci em silêncio por incontáveis segundos. Não me atrevi nem a respondê-lo, não tive coragem, pois não queria ser dura.

Sabia que seria muita covardia da minha parte lhe pedir para que fizesse isso mesmo sabendo que, de qualquer forma, eu teria que agir como se nada tivesse acontecido entre nós, como se não tivéssemos passado tanto tempo sozinhos, como se não tivéssemos ido à casa da senhora Thompson, como se ele não tivesse aparecido em minha casa de surpresa... Para continuar com o meu noivado, eu teria que agir como se ontem à tarde até hoje de manhã nunca houvesse existido.

- Eu realmente não sei por que ainda tento – ele disse em frustração e me soltou para sentarmos lado a lado no banco. – Vai ser sempre assim?

Abraçada ao meu próprio corpo, eu podia sentir seu olhar sobre mim e a extrema vergonha formigar sob minha pele, mas ao invés de queimar e me ruborizar, dessa vez ela me diminuía. Eu sentia frio, muito frio.

Passei a recolher minhas roupas ainda molhadas que estavam pelo chão, peça por peça, mas Harry segurou meu antebraço para chamar minha atenção e eu, por puro reflexo, puxei o braço e fiz com que ele me soltasse o mais rápido possível. Vindo dele, eu deveria saber que não era nada demais, ele nem havia usado tanta força e eu pude me desvencilhar com facilidade, mas foi inevitável. Precisava me afastar, caso contrário seria muito mais difícil manter a concentração sobre tudo o que estava acontecendo. Eu não podia me deixar levar pela emoção agora, fosse qual fosse.

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