5. Seu nome

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- Veio cedo hoje – ela disse de repente, assustando-me um pouco.

Pensei que estivesse absorta demais consigo mesma para se dar conta de minha presença ali, a poucos metros dela. E eu não a culparia se realmente estivesse.

Então, esperando por uma reação minha, ela me encarou com seus lindos olhos castanhos e sorriu docemente, convidando-me para entrar. E eu assim o fiz. Entrei no quarto e me sentei ao seu lado, logo unindo sua mão livre à minha.

- Cabulei a aula de química. Estava muito chato sem você – expliquei e ela deu uma risada contida antes de selar nossos lábios rapidamente. – Como está se sentindo? Está melhor?

- Não sei... Acho que sim. Estou conseguindo até ver as fitas antigas sem chorar... – deu de ombros voltando o olhar para a televisão.

O vídeo mostrava um dia ensolarado, no que parecia ser um parque. Dava para ouvir com certa clareza as vozes e risadas de fundo. A câmera enquadrava uma única árvore de tronco majestoso, que projetava com facilidade uma sombra agradável sobre a toalha vermelha, tipicamente quadriculada que estava estendida sobre o gramado verde.

Ajoelhada sobre a toalha de piquenique, estava uma mulher cujo rosto jovial eu não demorei a reconhecer. Sue sorria alegremente e segurava as pequenas mãos de uma menininha de vestido azul e enfeite de cabelo combinando.

Sempre o azul. Talvez tenha sido assim que essa se tornou sua cor favorita. Talvez tenha partido de sua mãe.

Nessa filmagem, em sua versão bem mais nova, a incrível garota ao meu lado tinha as bochechas rosadas e sorria com seus olhos fixos na mãe, embora essa virasse o rosto vez ou outra para falar, naquele idioma complicado, com quem segurava a câmera.

Ela não devia ter completado nem um ano de idade ainda.

- Meu pai quem estava filmando. Acho que naquela época eles ainda se davam bem... – contou entre suspiro e eu a olhei. – Ela estava tão bonita.

E retornou ao seu silêncio inexpressivo. Apesar de conseguir ver e entender tudo o que se passava em sua cabeça, eu passei a gostar ainda menos daquele silêncio em que ela se afundava frequentemente nos últimos tempos. Ainda mais quando estávamos naquela casa, em que a ausência de sons se amplificava.

Ensurdecia.

Angustiava.

Abaixei meu olhar e fiz com que sua mão ficasse entre as minhas, acariciando-a com cuidado. Eu não gostava, mas também era incapaz de quebrar seu silêncio. Até que, depois de um tempo, de repente um tanto agitada, ela mesma o fez:

- Acho que não quero mais ver essas fitas – disse ao se levantar e desligou a televisão.

- Ei, vai ficar tudo bem – eu disse calmamente, levantando-me também, e vendo-a colocar o controle remoto perto das capinhas das fitas de vídeo. – Sabe disso, certo?

Seus olhos mantiveram-se baixos por alguns instantes e depois foram levados de encontro aos meus, em uma busca desesperada pelo conforto que eu sempre estaria disposto a lhe oferecer. Então ela suspirou mais uma vez antes de assentir lentamente e colocar os braços em volta de meu pescoço, abraçando-me sem quebrar o nosso contato visual. Seus dedos logo seguiram pela minha nuca em um carinho suave enquanto eu levava minhas mãos até sua cintura para trazê-la para mais perto de mim, enfim encaixando seu corpo perfeitamente ao meu.

- Eu sei.

Ela piscou profundamente, deixando-se ser tomada pela tranquilidade aos poucos, e encostou nossas testas, fazendo com que um leve sorriso aparecesse em meus lábios.

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