16. Prometo

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Quase duas semanas depois da chegada de meu querido sogro, senhor Otavio, eu deixei minha mochila em casa e segui para o outro lado da rua, encontrando a casa de Ali completamente aberta e silenciosa. Passei os olhos de forma rápida pelos cômodos vazios e não havia ninguém, os objetos e móveis também não estavam mais lá, restavam apenas algumas caixas.

Logo me dirigi para as escadas, subindo os degraus de dois em dois e seguindo um som de risadas até parar de frente para a porta do quarto de Sue. Este, assim como os outros cômodos, tinha a porta aberta e poucas caixas de papelão espalhadas pelos cantos. Não havia mais cortinas para cobrir a janela e a luz do sol iluminava todo o cômodo de paredes brancas e piso revestido pelo carpete claro. A televisão estava no chão, ligada em um volume mediano e com três capinhas de fita VHS ao lado, explicando o som de risadas que ouvi.

Ali estava sentada de frente para a televisão, encostada contra a cama sem colchão da mãe e com as pernas em volta do próprio corpo, tinha o controle remoto em uma das mãos e expressão nenhuma no rosto.

- Veio cedo hoje – ela disse de repente, assustando-me um pouco.

Pensei que estivesse absorta demais consigo mesma para se dar conta de minha presença ali, a poucos metros dela. E eu não a culparia se realmente estivesse.

Então, esperando por uma reação minha, ela me encarou com seus lindos olhos castanhos e sorriu docemente, convidando-me para entrar. E eu assim o fiz. Entrei no quarto e me sentei ao seu lado, logo unindo sua mão livre à minha.

- Cabulei a aula de química. Estava muito chato sem você – expliquei e ela deu uma risada contida antes de selar nossos lábios rapidamente. – Como está se sentindo? Está melhor?

- Não sei... Acho que sim. Estou conseguindo até ver as fitas antigas sem chorar... – deu de ombros voltando o olhar para a televisão.

O vídeo mostrava um dia ensolarado, no que parecia ser um parque. Dava para ouvir com certa clareza as vozes e risadas de fundo. A câmera enquadrava uma única árvore de tronco majestoso, que projetava com facilidade uma sombra agradável sobre a toalha vermelha, tipicamente quadriculada que estava estendida sobre o gramado verde.

Ajoelhada sobre a toalha de piquenique, estava uma mulher cujo rosto jovial eu não demorei a reconhecer. Sue sorria alegremente e segurava as pequenas mãos de uma menininha de vestido azul e enfeite de cabelo combinando.

Sempre o azul. Talvez tenha sido assim que essa se tornou sua cor favorita. Talvez tenha partido de sua mãe.

Nessa filmagem, em sua versão bem mais nova, a incrível garota ao meu lado tinha as bochechas rosadas e sorria com seus olhos fixos na mãe, embora essa virasse o rosto vez ou outra para falar, naquele idioma complicado, com quem segurava a câmera.

Ela não devia ter completado nem um ano de idade ainda.

- Meu pai quem estava filmando. Acho que naquela época eles ainda se davam bem... – contou entre suspiro e eu a olhei. – Ela estava tão bonita.

E retornou ao seu silêncio inexpressivo. Apesar de conseguir ver e entender tudo o que se passava em sua cabeça, eu passei a gostar ainda menos daquele silêncio em que ela se afundava frequentemente nos últimos tempos. Ainda mais quando estávamos naquela casa, em que a ausência de sons se amplificava.

Ensurdecia.

Angustiava.

Abaixei meu olhar e fiz com que sua mão ficasse entre as minhas, acariciando-a com cuidado. Eu não gostava, mas também era incapaz de quebrar seu silêncio. Até que, depois de um tempo, de repente um tanto agitada, ela mesma o fez:

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