Capítulo 6 - O Justiceiro

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A resposta da pergunta de Amélia era bem simples, com o celular desligado em cima da mesinha de centro da mãe, longe da concentração quase mediúnica dos dois jogando banco imobiliário estava a notícia e a fama de Justiceiro do mocinho da nossa história. A tarde vinha já alta e a noite chegaria com direito a céu muito estrelado, essa era a previsão do tempo, a de humor, deixo para mais tarde quando obtiver fatos concretos.

— Você não quer passar outra noite aqui?

— A senhora espera que a resposta seja sim?

— Sim, ainda mais agora que eu te venci no jogo. — a mãe comemorou a vitória decretando a falência do filho na rodada.

Jogando as cartas na mesa Joaquim sorriu a mãe.

— Acho que não puxei bem para o papai no tino dos negócios.

— Aqui é só um jogo, eu não sei lidar com a pressão lá de fora, investidores, acionistas, essas coisas. É muita pressão.

— Isso é, ainda mais com o irmão do meu pai enchendo meu saco.

— Ele ainda te aporrinha?

— Todo dia.

— Ele sempre foi uma mala. Seu pai e ele nunca se entenderam bem, mas Antônio tinha que suportá-lo.

Juntando as peças do jogo e colocando-as de volta na caixa Joaquim acabou por deixar passar em sua mente a sua conversa sobre como tinha sido "aquela noite", a mesma que seu pai tinha montado com todo gosto para desgosto dele. Com um muxoxo deixou a caixa em cima da mesa e ligou a TV enquanto sua mãe ia até a cozinha e buscava a lasanha no forno.

Zapeando pelos canais parou em um que apresentava notícias dos famosos, esperando que algum aparecesse em seu hotel ficou olhando as novidades passando nos letreiros e aumentando o volume. A moça ainda falava do caso dos gêmeos de uma famosa cantora quando a imagem de dois jovens a porta da delegacia chamou a atenção de Joaquim, num gesto rápido reconheceu-se a si mesmo na foto acompanhado de Amélia, quando sua mãe entrou na sala com os pratos na mão olhou assustada diretamente para o filho.

— É você na foto? E num programa de fofoca? — seus olhos arregalados pediam explicação.

— É, muita coisa aconteceu na madrugada de ontem.

— Mereço uma explicação?

— É, merece. Senta aí. — puxou o prato e fez a mãe se sentar ao seu lado.

A moça falava a respeito de Joaquim ter agredido um frequentador da sua casa noturna com um soco no nariz depois dele ter agredido uma moça e tentar agredir outra. A mãe ainda olhava com a expressão assombrada para o filho.

Quando a notícia acabou ela pode soltar o ar dos pulmões.

— Caramba, você fez um estrago no nariz do cara!?

— Isso é uma pergunta?

— Não, uma confirmação, imagino você distribuindo um soco bem dado na cara daquele babaca. Meu filho, o Justiceiro da Noite Caribenha?! Posso dizer que fiz algo de bom nesse mundo.

Rindo tímido Joaquim alisou a almofada que estava do seu lado no sofá.

— Eu dei mesmo, e daria de novo.

— Pela moça ou pela da porta da delegacia?

Sua mãe tinha flagrado a primeira foto? A sim, com toda certeza. Viu mesmo, e muito bem visto.

— Também... Acho que um cara que bata em uma mulher mereça apanhar.

— Precisamos falar disso. — ela interrompeu-o batendo em seu joelho com tapinhas amorosos.

— Precisamos. De que?

— Então? Quem começa? Da sua noite, ou melhor, da moça da sandália.

— Ela apareceu no meio da noite, num canto sentada numa mesa sozinha, trocamos olhares e ela sumiu depois disso. E quando a achei, bem, ela me achou, batemos de frente num bolo na pista, eu a vi assustada e senti necessidade de ajudá-la então a tirei rapidamente dali assim que ela começou a passar mal. Depois eu soube que ela estava sendo perseguida por um cara, e era esse que agrediu a Melissa, ele confundiu as duas, e eu nem pensei, estava indo para fora quando vi o alvoroço e a Amélia já atacando ele, seria engraçado se não fosse tudo aquilo, e aí, fomos para a delegacia.

— E você gostou dela, antes disso acontecer não foi? E agora por causa disso estão na mídia.

— Gostei, e por isso estamos, e eu não sei como lidar, e nem sei como me aproximar dela.

— Talvez isso ajude.

— Ou atrapalhe, ela é uma moça comum e eu já tenho carga emocional para estar na mídia, só me pergunto se...

— Se...? — ela o encorajou.

— Se eu fiz bem em ir atrás dela, talvez o cara não teria feito aquilo, não me dói ter batido nele, mas o rosto da Melissa... Que mulher merece isso? Você sempre me disse sobre isso, mas nunca tinha feito tanto sentido quanto agora.

— Nenhuma mulher merece isso, meu filho, mas ainda vivemos em tempos difíceis, os direitos femininos são vistos como "imorais", nós nunca estivemos tão sozinhas quanto agora, a divisão causada pela separação de ideias é o principal arsenal usado, mulheres que brigam entre si não terão tempo para discutir com os homens, enquanto isso eles seguem livre para pisotear tudo o que diz respeito a nós.

— Eu não quero pisotear, eu sei o que meu pai fez, e eu não quero repetir. E por onde eu começo? Eu nem sei como é que eu ainda não sei depois de já calejado nisso.

— Acredito que fazer o que se deve é um começo. — segurando bem suas mãos Tereza olhou nos olhos do filho. — Começo, recomeço, como quiser chamar, é um passo antes do outro, é você ser sincero com você mesmo e isso irá transparecer nos outros. É causa e efeito, meu amor, você vai ver. — Joaquim sorriu feliz enquanto a mãe apertava as mãos dele nas suas, Tereza brilhava como o sol diante dele, isso era efeito de um entendimento mágico entre mãe e filho, entre dois seres que além da genética compartilhavam as mesmas ideias e opiniões.

Nesse momento Tereza entendeu que havia alguma coisa nova chegando para os dois, bons ventos trazem bons tempos, e feliz em ser útil as mazelas do filho se deixou ficar no peito dele enquanto ganhava um carinho gratuito, afinal mãe tem solução para quase tudo, até para os filhos grandes.


AMÉLIA (A garota e a flor)Onde histórias criam vida. Descubra agora