Capítulo 8 - Flores de plástico

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A segunda começou com uma reunião logo pela manhã na Sociedade da Preservação da Vida no Trânsito, o que impossibilitou que Joaquim fosse à empresa para terminar sua conversa com Da Silva a respeito do Resort. Como tinha passado a noite na casa de sua mãe e suas roupas nada mais eram do que jeans e camiseta, o que significava nada muito solene nem muito desleixado para se apresentar na sua reabilitação porém despojado demais para seu ambiente de escritório, o que justificaria ter que passar em seu apartamento depois da reunião e atrasar um pouco o horário de volta pós almoço.

Partiu deixando o café pronto para sua mãe em cima da mesa e esperou o ônibus no ponto. A dura realidade da vida não-luxuosa se fez presente quando pisou dentro do transporte, haviam mães com filhos indo trabalhar, pessoas idosas, adolescentes, jovens empregados ocupados, outros em busca do que prometem as faculdades assim que você termina, gente que nem em seus sonhos imaginou topar algum dia, gente que ele não tinha muito acompanhamento e que agora se embrenhavam na sua vida e na sua frente mesmo que inconscientemente. O máximo que um dia acreditou sentir disso era atrás de uma mesa como patrão escolhendo currículos. Imaginava-os bem longe dele quando ligava a TV no calor de um apartamento caro, em situações que não eram próximas a sua e com a qual ele não tinha que lidar, o luxo deixava as pessoas num patamar que o impossibilitava de perceber a realidade a sua volta, e se por acaso percebe não a sente como deveria.

Procurando um lugar no fundo da lotação se aconchegou ao lado de uma senhora, o único banco vazio que sobrava.

— A senhora me deixa sentar aqui?

— Tudo bem. Não tem ninguém aí, quem ocupava esse lugar sempre nesse mesmo horário comigo era meu filho, sabe? — os olhos dela ficaram cheios de lágrimas, Joaquim ficou com pena, mas não queria entrar nesse assunto de perdas.

— Ah, e ele está doente? — arriscou não querendo parecer indelicado ficando calado.

— Morreu. — ela disse num fungo.

— Eu sinto muito. — realmente ele sentia, compartilhava dessa mesma dor, afinal seu pai tinha falecido também.

— Ele morreu jovem demais, vinte e quatro, num acidente de carro. — a senhora olhou a janela, as árvores e as casas passando diante dos olhos não fazendo sentido algum.

Joaquim sentiu vontade de apertar a mão enrugada dela, ampará-la, mas não tinha forças para ousar.

— Meu pai também. — ele desabafou, tinha se esquecido de pôr os fones de ouvido e chegou a achar até melhor assim. — Eu tinha me formado, ele saiu comemorar com seus amigos, num cruzamento um carro sem freio deu direto nele que vinha em alta velocidade para passar. A mulher tentou acudir, mas meu pai estava sem cinto... Morrendo na hora.

As lembranças que chegaram não foram nada boas e seus olhos desviaram do da velha para a janela, entendia o significado das árvores e das casas estarem passando sem sentido agora, a dor de uma perda sempre estará lá no que antes era uma existência e hoje é recordação. Ao desviar a atenção da velha e descer os olhos para a sacola dela viu ramos de flores brancas de plástico bem enroladas em um papel colorido.

— A senhora vai levá-las ao cemitério?

— Vou, é o que o dinheiro deu para comprar. — ela parecia sentida.

Joaquim se lembrou que ainda tinha uns trocados na carteira, tirou-os e deu a velha senhora que não acreditava.

— É uma forma de solidariedade, pegue. — continuou a estender a nota e a senhora sorriu delicadamente antes de aceitar, com o olhar pensando em recusar.

AMÉLIA (A garota e a flor)Onde histórias criam vida. Descubra agora