Capítulo 58 - Entrada Gloriosa

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                   Um tempo depois...

Depois de um resguardo doloroso e de silêncios constrangedores Elizabeth enfim havia saído de seu período encubado enquanto Jane carregava o bebê para onde ia numa licença especial, Joaquim havia voltado ao trabalho por meio período enquanto Simone e Vitória o ajudavam no restante.
Amélia havia dado uma pausa em seu ataque repentino de mudança e ouvindo a voz da razão, que no caso era Jane, voltou para o Resort, porém, apenas para auxiliar Simone.
O festival de cinema havia sido um sucesso e as entradas no resort haviam aumentado em muito sua procura, Deise e as meninas andavam muito ocupadas para qualquer papo aleatório e Amélia mal as via o dia inteiro, raramente conseguia espaço na agenda e quando conseguia estava respondendo sua mãe e algumas vezes Ângelo. O que uniu as garotas foi o badalado comunicado de Olívia e seguidamente, Candy, de que batizariam seus filhos em breve, numa cerimônia bastante contrastante ali no recém arrumado clube de eventos.
Já era acertado que Angélica e Rafael batizariam as gêmeas e Joaquim e Amélia o pequeno Bernardo que já estava bem grandinho e cabeludo, Candy deixava claro que estava tentando encontrar um rumo a sua vida e havia se encantado com o padre da paróquia de seu bairro e como ele conseguia lhe sorrir mesmo sabendo em confissão o que já foi, era a deixa para que ela cumprisse a risca o que prometeu.
Já Olívia recebia uma forte influência de seus avós para que Antonella fosse instruída pela lei de Deus e que não era bom uma criança permanecer pagã por muito tempo, devido ao respeito que sentia por eles ela agilizou o processo e comunicou a todos, não antes de Joaquim e ela se debaterem a respeito dos padrinhos...
- Rafa e a Angel vão batizar as gêmeas, então poderia ser Edu e Eleonora.
- Nem vem, nem conheço eles, os padrinhos têm que ser de conhecimento dos pais, e aqui só você conhece. – Olívia insistia.
- Então quem?
- Horace e Constança.
- Ah não, aqueles seus primos malucos? Que tipo de influência daremos?
- Eles são ótimos.
- Ótimos numa escala de catástrofe. – Joaquim resmungava.
- Então quem você sugere?
- Eu já disse os nomes.
- Não acho que seja válido. Podemos então ao menos, consultar?
- Consultar?
- Meus pais estão chegando e com eles meus primos, vamos ver com quem Antonella melhor se dá e aí decidimos.
- Fechado. Se não gostar deles, iremos direto para Edu e Leô.
Após essa assertiva, por algum capricho do destino, Antonella se apegou a Constança e Horace, que com suas risadas altas e debochadas a faziam rir as pencas e amar colares de pérolas e seu barulho caindo do berço no chão. Os padrinhos de Antonella seriam os dois por escolha da própria.
O bufê do grande dia foi acertado com Fred, que aliás, muito se prestou a conversar e convencer Olívia de seus dotes. Joaquim jurou que toda aquela empolgação havia uma segunda intenção e ele amplamente aprovava mesmo antes de acontecer.
- Percebi umas trocas de olhares constantes. – comentou Joaquim por alto para Jane enquanto ela trocava o seu ‘bebê’.
- E ela? Respondeu?
- Que mulher não responderia? Era óbvio que ela amava aquela atenção toda dele, me deixou com Antonella e o seguiu pela mesa fascinada ouvindo cada detalhe dos pratos.
- Sentiu alguma coisa?
- Senti, senti sim, e foi alívio.
- Ela diminuiu depois que a Elizabeth teve o bebê, não foi?
- Muito, e isso me deixa meio apreensivo.
- A mim também, Elizabeth tem estado em silêncio e quase nunca reclama.
- E você com o pior lado da história.
- Bom, agora vamos batizar os pequenos e então, tudo se acerta. Acho que podemos nos ocupar com as mães depois.
- Quando vamos apresentar o pequeno?
- Elizabeth não tem religião e dada nossa condição duvido muito. Por mim eu apenas pediria uma benção, mas como eu não sou da igreja também não arriscaria pedir.
- Tudo bem, fazemos uma introdução na festa, pode ser?
- Claro. Acho ótimo.
Joaquim correu com os preparativos enquanto aguardava a chegada tempestuosa dos Ducci, Horace era um bon vivant que lhe dava nos nervos enquanto Constança era risos e champanhe o dia inteiro. Sobreviver a maré revolta deles era ficha perto do tsunami em larga escala que eram Penélope e Nero, seus ex sogros.
Penélope Verona Ducci e Olivieri era de uma família rica do norte da Itália que se mudou para o Brasil, desde muito nova era ambiciosa e sabia onde queria chegar, se casar com Nero Alexandre Stefano Olivieri, herdeiro absoluto do império das ferrovias Stefano e das vinícolas Cavali. & Olivi. que produziam o vinho Lattravia, um dos mais apreciados e caros da Europa e que por coincidência havia namorado sua amiga de infância.
- Se eu acho que esses dois cansam, imagine quando você conhecer o casal master. – dizia ele a Antonella. – E pensar que você carrega os genes deles, mas e aí? O que me diz? Também tem uma parcela de maluquice dentro de você?
Conforme Antonella ia se mostrando cada vez mais parecida com ele no gênio; na aparência ela se parecia muito com a mãe. Vozes na cabeça de Joaquim diziam que aquela garotinha ainda lhe tiraria o sono num futuro nem tão distante assim.
Com o decorrer dos preparativos e a chegada dos Ducci no Resort o choque não pode ser controlado de imediato, ver os ex sogros em sua casa opulenta uma vez ou outra na capital era uma coisa mas agora tê-los debaixo de seu teto com aquele ar de desdém e enredo de algum filme do Coppola era quase pedir, ou melhor, suplicar, que lhe testassem a paciência em todos os ângulos. Transpareceu logo na chegada que nenhum deles tinha entendido que se tratava de um retiro vegano e os hospedes ficaram chocados com o tanto de tralhas reluzentes e caríssimas que viam saindo do carro de luxo estacionado a entrada, tudo obviamente fora dos padrões veganos.
Simone gastou todo o seu francês, italiano, alemão e português para não surtar antes do fim do dia.
- Onde eu encontro uma toalha para café da manhã feita com fios de lã de alpaca do Marrocos? – entrou ela pela sala de Joaquim um pouco esbaforida.
- Eu não faço ideia, sequer sabia que existiam alpacas no Marrocos.
- Sua gentil sogra exigiu, está até agora sem tomar café da manhã porque não tínhamos nada além de toalhas de algodão para oferecer.
- Ela se recusou?
- Aos gritos de ‘espelunca’, tive trabalho para conter os hospedes de começarem a expulsá-la.
- E de se irritarem, presumo?
- E de agredi-la, também. –  disse Simone a ele, Joaquim que sempre se mantinha sério não se conteve e caiu no riso.
– Acho que vou pedir que a tranquem na dispensa ou em seu quarto para seu próprio bem, antes que algum de nós a jogue na piscina ou no lago. E pensar que Olívia comentou sobre o tema vegano umas cinco vezes.
- Digo que você já desce falar com ela. Ok? Estou sem chance alguma de sucesso ou de saco.
- Aproveito e já ofereço um chá e que ela o tome de pé porque não temos cadeiras de palha dos montes da Grécia.
Simone fechou a porta atrás de si rindo e rumou até o caos Ducci. Penélope pajeava sua neta com o estômago roncando alto.
- Isso foi ela? – Olívia ergueu os olhos do copo de yogurte que comia com tanta parcimônia.
- Não, isso foi eu, não comi desde que acordei.
- Por quê? Alguma dieta maluca do mediterrâneo na moda?
- Não, as toalhas daqui são de algodão e isso me deixa com calafrios. Aquela Simone veio me avisar que eles não tinham toalhas de alpaca do Marrocos e muito menos nada do tipo. Pode acreditar?
- Você quer o que? Este é um resort vegano, mãe.
- Como assim? – Penélope se deu conta do local e passou a olhá-lo com espanto.
- Oh, te falei cinco vezes pelo telefone e não foi capaz de me ouvir.
- Achei que isso fosse mentira, alguma piada sua, pois bem vejo agora, o clima de praia era fresco demais e tudo muito simples demais até mesmo pra esse clima tropical, onde eu deixo minhas coisas? Adivinhe? Tem um guarda roupa de madeira crua! Por que não me impediu de vir pra cá? Nero? Onde está você?
- Botando fogo em Roma. – disse uma voz calma e soberba logo atrás dela.
Um homem grisalho saiu de sua concentração em ler uma revista e olhou para a esposa vestida de alfaiataria e seda com os olhos apáticos.
- O que foi?
- Isso é vegan, esse resort é vegan! E nossa filha nos trouxe para cá.
- É uma moda, lembre-se que suas amigas deram uma festa vegan esses tempos.
- Mas isso é um vegano de praia, tem coisa mais pavorosa?
- Hippies são meio veganos, não é? – ele continuou.
- E?
- Ora... francamente. – ele revirou os olhos.
- Você realmente quer falar disso para nossa filha? E nossa neta? Num local público?
- Eu sempre falei, meus pais amavam a natureza, incluindo o nudismo. Não vejo problema na natureza nem nesse negócio de vegano, nosso ex genro fez disso um negócio como boa parte do mundo está fazendo. Temos que ver que é isso que importa, o dinheiro, no fim das contas e o alto padrão de vida que nossa neta terá. Mesmo que custe, temos que entender, isso é um negócio, se meus pais estivessem aqui estariam se esbaldando nessas praias e nessa história, livre e leves e soltos como vieram ao mundo correndo pelas areias.
- Seus pais eram completamente malucos.
- Não me admira que gostassem de você. – Nero abriu um sorriso debochado enquanto Antonella abriu uma enorme gargalhada. Olívia a olhou com os olhos em faísca.  Aprendendo a ser inconveniente desde cedo e dando pistas com os genes errados desde muito cedo.
- Isso é um horror, um horror, terei que tomar chá vegan e essas coisas todas. Onde estão meus leites de cabra? Eu não quero andar pelada nessas praias, ninguém irá me obrigar.
- Isso é vegano sim, Penélope, sem leite e sem crueldade animal. Se quiser tomar algo que seja assim será longe daqui e de preferência em pé. Não cause mais tumulto do que já fez as portas da cozinha gritando impropérios. – Joaquim desceu as escadas e topou a cena. Antonella aos gritos e batendo palma, Olívia sem cor, Penélope pasma de fome e Nero abstendo opinião, como sempre. – E nunca obrigarei você a nada, além do respeito para com meus funcionários e meus amigos.
- Isso é uma ameaça? A mim que te recebi como um filho em minha casa quando namorou minha filha?
- Não, eu nunca a ameaçaria, mas tenho aqui algumas dezenas de hóspedes irritados com você e seu comportamento anti-vegano.
- É preciso que eu a tranque no quarto? – Nero soltou a revista e encarou o ex genro.
- Não, isso não é necessário, nunca foi, somente peço que enquanto se encontrem aqui, se mantenham na linha, ou podem voltar para o Caravella e só pisarem aqui no dia do batizado.
Com a ofensiva Penélope levou a mão ao peito e olhou o marido.
- Prefiro ir, não posso conviver com essa audaciosa modesca de veganismo.
- Modesca, mamãe? – Olívia perguntou com uma expressão engraçada.
- Moda grotesca, querida. – ela respondeu friamente.
Sendo assim, Nero e Penélope juntaram suas tralhas e rumaram para o Caravella logo depois que uma dose de chá foi servida, como cortesia da casa. Ninguém esperava que fossem ficar mais do que isso mesmo, nem mesmo Olívia. Mas o espanto pelo chá recebido a deixou impressionada.
- Eles costumam ser tão dramáticos, e agora depois de Antonella pioraram.
- Sua mãe estava com muita fome e perdeu o menu maravilhoso do Fred, pena deles. Acho que só aceitou o chá por isso.
- É, pena mesmo, mas quanto ao Fred, é efetivo?
- Sim, até quando ele quiser ficar. E ele parecia curioso sobre o que eles falariam de sua comida.
- Não ligue, eu expliquei a cena toda o tempo todo, minha mãe me ignorou porque havia se empanturrado de calmante no voo, não é culpa nossa.
- Não, mas, nós temos um batizado para fazer e com receitas do Fred, então, eles vão experimentar a comida dele por tabela.
Olívia estendeu Antonella ao pai e após a saída deles soltou o ar dos pulmões. Estava cansada de cuidar de Antonella e de como parecia muito maior visualmente do que queria e gostaria apesar de não estar totalmente irritada com isso, o que era contraditório. Ao dar seus passos a esmo pelo corredor do hotel topou com Fred e não escondeu seu singular sorriso receptivo.
- Olá Olivia, como está?
- Bem, um pouco cansada, mas bem, e você?
- Preparando umas receitas novas para o batizados dos bebês, quer experimentar um deles?
- Adoraria.
- Estava mesmo buscando alguém, só que Jane está ocupada e não encontrei nem Simone e nem Amélia.
- O Joaquim acabou de pegar a Antonella.
- Então você está livre?
- Sim, como um pássaro. – Olívia ajeitou os cabelos atrás das orelhas e olhou Fred nos olhos.
- Então vamos voar até o encontro do manjar dos deuses.
Fred e Olívia começaram não tem muito tempo a despertar o cochicho interno da cozinha, Deise que sempre estava por lá ouviu e repassou para a irmandade, em questão de dias não se falava sobre outra coisa a não ser o “jeito” com que os dois se olhavam pelos cantos.
- Realmente, Fred tem as mãos mais incríveis que eu já vi. – Olívia desabafou enquanto Joaquim, Candy, Jane e Elizabeth estavam na sala vendo os cardápios para o grande dia. Os olhares se cruzaram em uma mistura de malicia e comemoração.
- Sim, e como ele é maravilhoso. – Jane encorajou. – Tão atencioso, simpático e cavalheiro, não é Olívia?
- É, é sim, ele sabe contar as histórias dos pratos, dos ingredientes e de como a vida pode ser bonita com as cores e os sabores. – viajando internamente, ela estendeu a Candy a pasta com fotos dos bolos, sua mente havia se lembrado de como foi ter encontrado com ele a primeira vez e relembrar aquela cena ainda a deixava enfeitiçada.
... Joaquim estava com Antonella enquanto ela preparava a sua bolsa para uma possível saída com Jane, sua ida para a cidade era para buscar alguns detalhes do preparativo do batizado e encomendar seu vestido; que tinha sido adiada por conta da nova ‘mudança’ das duas para o Resort, afinal havia chegado ao fim sua dieta pós-parto e havia acabado a licença especial de Joaquim, os dois ainda discutiam possibilidades de efetivação quando a porta foi batida.
- Olá, eu busquei você por todo lugar, acabei de terminar umas novas receitas e queria opiniões. Está ocupado? – dizia ele a Joaquim que ninava Antonella enquanto seus olhos percorreram o quarto até chegar em Olívia recolhendo bolsas num jeans claro e blazer florido que iluminava seu rosto. Ela o olhou logo que ele entrou e foi encanto à primeira vista.
- Não, Olívia está de saída e eu vou ficar com Antonella.
- Essa então é Olívia. Prazer, eu sou Fred. – ele estendeu a mão afetuosamente a ela que o recebeu sorridente.
- O famoso Fred Carvalho, um prazer te conhecer.
- O prazer é meu. Sendo assim, os dois podem ir até a cozinha?
- Claro, sem problemas.
Joaquim percebendo sagazmente que Olívia o ouvia com muita atenção se distanciou um pouco deles, Fred estava eufórico com a nova receita e ela parecia muito encantada com ele. Como negar que a pinta de galã não o ajudava?
- Maravilha esse bolinho, Joaquim, você tem que experimentar. – dizia ela com a mão cheia de bolinhos de primavera com a ‘receita’ secreta do Fred. – É muito bom isso. Você pode separar umas dúzias pra mim?
- Claro que posso, mas tenho receitas mais finas também para serem testadas, o que acha?
- Incrível. Topo todas.
A sincronia dos dois foi sentida na cozinha também, a equipe olhava para Joaquim com o mesmo olhar que Jane usou quando ele lhe contou sobre o ocorrido, sendo deixado afastado, ele esperou que os dois terminassem para voltar a sentirem sua presença. O que demorou mais de meia hora.
- Precisamos trazer uma remessa de Lattravia para o Fred.
- Lattravia? O vinho dos deuses do norte da Itália?
- Sim, eles são da minha família.
- Não acredito. Você é herdeira deles? Que pura sorte, sempre achei aquele lugar incrível.
- A propriedade é muito antiga, inclusive já foi abençoada por um papa em pessoa.
- Preciso marcar uma viagem pra lá urgente, quero provar de novo daquele sabor inigualável do vinho.
- É só me dizer que marco, temos uma pousada especial e um tour incrível.
- Mal posso esperar, acho até que minha próxima viagem será para lá. – dizia Fred enquanto entregava com carinho a Olívia os bolinhos preparados.
- Fechado, assim que puder ir e tiver um espaço na agenda marco pessoalmente a sua estadia.
- Que sorte tremenda a minha! E obrigado por virem.
- Imagina, a gente sempre ta disponível pra suas degustações, Fred. – Joaquim animou. – Olívia adora isso, pode chamá-la sempre que quiser, não é Olívia?
- Pode sim, claro. Irei amar.
- E eu irei amar a companhia de vocês. – Fred respondeu olhando diretamente para Olívia.
...
Voltando a realidade Olívia deixou a reunião de mães e pais a respeito do batizado e foi para seu quarto tomar um banho para descer para o café da tarde, ao se vestir olhou o número da sua nova calça enquanto suspirava... Olívia não tinha uma mania absurda de dieta, porém, sua mãe havia dito como ela parecia ‘maior’ e como isso estava sendo um pouco desagradável de ver.
- Meu deus, Olivia, como você está grande.
- Acabei de ter um bebê, você queria mais o que? – respondeu ela a mãe recém-saída do avião particular.
- Que não parecesse uma mulher comum.
- Eu sou uma mulher comum, e a senhora também é.
- Não querida, não me venha com esses papos de diversidade de corpos, isso é desculpa de gente preguiçosa e comilona que só consegue pensar em si mesmo e em sua fome. E isso não é preconceito, os gregos desde muito tempo já cultuavam o corpo magro.
- Nem mesmo os gregos estavam certos em tudo.
- Veja aquela sua amiga, a modelo, teve gêmeos e está com manequim 36. Não acha que consegue chegar lá? Se acomodou com essa... cara de classe c?
- Mãe, assim você me ofende.
- Amamentar ou parir não é desculpa, feche sua boca e colha os resultados, duvido que Joaquim não te note.
- Não quero que ele me note. Quero que ele cuide de Antonella.
- Ora e não foi por isso que voltou? Para recuperar seu lugar e dar aquela família feliz que ele tanto queria? Ou a Elizabeth te passou a perna? Eu consigo ver daqui a dobra da sua barriga quando você se senta. Que horror, Olívia, que horror!
Não havia mal algum em usar jeans 40, afinal, seu corpo havia mudado e ela era adulta, sua mãe havia estado em uma paranoia delirante de manequim infantil desde que atingiu a puberdade. Olivia era alta e possuía uma figura atlética, mesmo estando bem abaixo de seu peso ideal, conforme abandonou o balé e os esportes para fazer figura com sua mãe seu corpo ainda se mantinha quase idêntico, somente depois que descobriu a gravidez que começou a se sentir diferente, e não que não gostasse disso, até se sentia muito confortável com sua nova imagem.
- Não é errado, nem feio, é meu corpo e eu estou contente com o que eu vejo. – dizia ela para si mesma. – Contente. Contente é a palavra certa.
Após a prova de vestidos e ao dizer em alto e bom som que ela queria uma modelagem 40 em uma loja obviamente com 36 gritantes Olivia pode sentir o poder da ousadia de sua fala, todas as vendedoras e as clientes a olharam e ela havia cumprido o desafio que havia imposto a si mesma, se olhar como uma nova mulher e deixar claro para quem a visse que estava feliz com o que refletia, se ela não se mantivesse de pé sua mãe seria a primeira a enterra-la sem pena e sua vó sempre a alertou sobre isso, e tudo se fazia muito real a partir do momento em que pariu e estava sozinha com seus devaneios.
A constatação de que por anos fora iludida pela imagem de uma ‘mãe’ começava a cair na sua frente conforme percebia as mulheres mães ao seu redor, Tereza e Eleonora a faziam parecer uma madrasta.
- Estou muito contente, obviamente, tenho um quadril um pouco grande, mas em compensação me senti muito mais incrível ao olhar minhas costas no espelho. É uma sensação nova poder olhar e pensar “olha, eu tenho uma bundinha sexy, onde esteve escondida esse tempo todo sua danada?” – ela dizia em risos as vendedoras chocadas.
- E não tem medo de parecer gorda? E com celulites?
- Se eu me importo? Um pouco, claro que me importo, afinal todos ligamos pro que acham da gente, mas aprendi que eu cresci, sou uma mulher, tive uma gravidez e meu corpo se mostrou como é de verdade, simples, meu corpo sou eu, eu sou meu corpo e se ele se revelou assim, voíla, eu sou assim.
- Mas eu tive um filho e meu corpo ainda é magro, outro dia ouvi o quanto eu pareço uma adolescente de quinze anos e que nunca entrou na puberdade. Tenho notado que me bombardeiam o tempo todo para engordar, que homem detesta magrelinha. – uma cliente atrás de Olívia se manifestou diante do assunto.
- Sabe, está na hora de aprender a ouvir seu corpo e não a voz dos outros. Sobre esse papo de homem, toda vez que alguém começar com isso já ligue o alarme na cabeça, mude de assunto... – uma vendedora do fundo, obviamente fora do padrão que estava escondida, apareceu, as outras a olharam feio, porém Olivia e a outra desconhecida a aplaudiram para que viesse a conversa. – Imagine essa pessoa em algum episódio ridículo, se puder ria, ou então a deixe desconfortável.
- Que tal perguntar quanto ela ganha? – a moça desconhecida começou.
- Ou então, você conhece Paris? Se ela disser sim, continue... – Olívia disse. Ao fim da conversa as três se divertiam enquanto a loja permanecia em silêncio.
A confraria das mulheres fora do padrão se despediu e Olívia voltou ao Caravella para ver Jane, sua mãe ainda a criticou pelo seu corpo pela milionésima vez mas ignorando-a com todo charme possível Olívia seguiu seu caminho, havia dias que estava acompanhando pelo youtube vídeos sobre “body positive” principalmente após a gravidez quando se deu conta de que estava bem consigo mesma e era isso que valia, mesmo que as vezes titubeasse um pouco. E quem começou esse sentimento em Olívia? Adivinhem, Tereza.
O dia do batizados das crianças enfim chegou com um estrondoso calor de início de verão, as tendas brancas com as mesas estavam prontas no fim da tarde anterior enquanto Joaquim e Amélia checavam os últimos preparos, Olívia e Fred estavam na cozinha, como sempre.
- A gente tem se esbarrado tão pouco por aqui. – disse Joaquim depois de abrir um botão da camisa de linho e ajeitar os pulsos.
- Simone e eu ficamos tempo demais organizando tudo então eu nem te procurei, isso da família da Olívia estar aqui também foi um agravante.
- Desde que eles deixaram o resort as coisas melhoraram, mesmo que a presença tenha durado algumas horas, consegue ver?
- Consigo.
Joaquim percebeu a constante hesitação de Amélia e a encorajou a falar sobre.
- Aconteceu alguma coisa?
- Edu e minha mãe, eu não sei se cheguei a contar sobre o jantar dela com o Inácio e todo o processo depois.
- Me contou por cima, por mensagem umas duas vezes, mas a julgar pela forma como vi Edu da última vez imaginei que algo estivesse acontecendo.
- E aconteceu, Inácio fez um comentário que Leonardo rebateu e Edu ficou emburrado por ficar sabendo disso pelo próprio Léo.
- Minha nossa.
- Como deve saber o Inácio esteve num restaurante aqui em SV e convidou minha mãe, Edu obviamente também foi chamado, porém Léo, como um ‘empresário’ tendo suas ligações conseguir ir e aconteceu, Inácio disse o quanto minha mãe merecia um cara legal, Léo se doeu e Edu que não estava presente no momento, soube depois, no fim, Leonardo conseguiu com que Edu tivesse raiva dele e de Inácio numa só tacada.
- Qual foi o comentário?
- “Realmente, uma mulher esplendorosa como Eleonora só poderia ter um homem a altura”, e segundo ela Léo rebateu com “É por isso que ela teve um filho comigo” e rindo viu o rosto de Inácio ficar vermelho, a galera em volta que sabia da situação ficou em silêncio e pronto, guerra armada.
- Léo tem o dom de causar, já reparou?
- E como tem. Às vezes me pergunto se realmente ele ter sumido da vida da minha mãe não foi a melhor coisa. Isso pode parecer cruel, mas, olhe em volte, tudo que ele toca de alguma forma acaba mal.
- Não queria que isso fosse mesmo real, ele é seu pai.
- Nem meu pai escapa das estatísticas, ele é um homem comum.
O beijo de despedida aconteceu as portas do escritório de Jane onde Joaquim iria ter uma reunião, Amélia seguiu seu curso até a sala de Simone e ao fechar de porta se deixou cair na cadeira e não passou batida pelos olhos da colega.
- Acho que alguém aqui teve uma notícia ruim.
- Bem, meu pai aprontou uma, na verdade ele só mordeu a isca e a coisa ferveu.
- Pode parecer um pouco que eu sou a advogada do diabo, mas, você cogitou saber o que aconteceu na vida de seu pai?
- Depois que ele sumiu?
- Sim, acho que encontrar algum motivo aí que pode justificar essa situação te ajudaria a entender. Não me parece que ele faça isso porque é alguém ruim, me lembra uma criança desorientada.
- Eu tenho dois lados ecoando na minha cabeça, um deles prefere acreditar que ele só está machucado e arrependido, já o outro não quer ver isso porque sabe que pode se machucar e se arrepender. Eu tento olhar meu pai como um cara bom, sei que ele é, mas, ele não consegue me dar brechas pra isso acontecer.
- Acho que cabe aí o entender o porquê.
- Você já teve algo parecido na família?
- Ah sim, minha mãe me deixou com minha avó e quando finalmente ela voltou, já tinha um câncer instalado e apenas três meses de vida, ela viveu três meses e meio e nós nunca falamos realmente o porquê.
- Isso te deixou com remorso?
- Deixou, eu convivo com a versão da minha vó de que ela não me queria e por isso se foi, e minha mãe não se manifestou contra isso e nem eu, vivíamos em silêncios, e nem sempre o silêncio é a solução para aquietar o coração.
Chegada à noite, o jantar dos funcionários foi muito mais agitado do que de costume, Fred organizava o seu menu e com o chefe da casa repassava as orientações, as meninas comiam em uma mesa separada quando Amélia chegou e ficou no balcão sozinha, e o seu isolamento foi assunto entre elas.
- Mais um dia que ela se isola, será que tá tudo bem? – Deise argumentou.
- Nunca está, aquele pai dela a faz ficar maluca. – Sarah continuou.
- E tem a história de que ela ia sair daqui né, mas com o nascimento do bebê da Elizabeth e a chegada dos pais da Olívia era meio obvio que não iam deixar. – Nanda terminou.
- Eu tinha ouvido um cochicho na cozinha de que ela e o Igarra tinham se tornado ‘amigos’ pelos corredores. – Melissa soltou a bomba novamente e as meninas ficaram em silêncio. O assunto já havia sido acirrado em semanas atrás quando saiu, principalmente por que Joaquim parecia não saber totalmente disso.
- Será que ela e o Joaquim estão ruins de novo? Porque eles parecem sempre frios, tão formais e isolados. – Sarah disse olhando para Nanda.
- Nunca entendi o porquê de eles serem assim tão distantes, passam dias sem se ver e quando se vem não tem nada além de uns cafunes. Isso não é meio estranho pra vocês? – a voz de uma das meninas da cozinha, Solange saiu alto enquanto se sentava a mesa do lado. – Não vejo paixão nesses dois.
O silêncio a seguir foi quebrado quando o senhor da situação chegou, Joaquim apareceu de cabelos molhados e o suspiro na galeria foi em conjunto.
- Olhem para esse homem, o ideal viril que toda adolescente sonha, simpático, inteligente e bom sujeito. Como Amélia não se sente mexida e enlouquecida por ele?
- Talvez porque ela seja uma pessoa mais centrada e na dela, é uma menina que está lutando pelo seu lugar no mundo e não me parece querer viver as sombras dele. Só isso. – resmungou outra voz que se sentava a esquerda do grupo.
- Amélia sempre foi introvertida, desde o colegial, sempre com seus projetos de vida e carreira, ela nunca foi do tipo passional, sabíamos que não seria assim com ele, por mais que ele seja do tipo ‘oh meu deus’. – Nanda justificou com seu senso de justiça. – Por mais que nós sejamos do tipo ‘vai com tudo’, ela nunca foi. E isso não é errado ou ‘frio’, é o jeito dela ser.
- Ele também não é alguém super agitado, acho que os dois se entendem nessa maré suave que vivem e isso é o que vale. Ele está feliz, tem uma filha recém-nascida e seus negócios para gerir e ela está começando a sua vida e com um pai para atormentar, então, fechamos o pacote de conveniências.
As garotas terminaram seu jantar vendo Joaquim se sentar com Amélia no balcão em total silêncio.
- Amanhã é um longo dia. Tá com energia extra? – ela perguntou a ele em um tom amigável.
- Tô, roubei uns energéticos do Fred, já tomou chá preto com açaí e guaraná?
- Não.
- Devia, é como ter acabado de acordar de uma noite bem dormida.
- Tá sugerindo que eu ando sem energia, senhor eletricidade?
- Anda abatida, senhora sossêgo, e vejo pela sua carinha.
- O problema se instalou de um modo que eu não consigo não associar, então. Meu pai se resume a tudo que vivo hoje.
- Posso compreender, são tempos difíceis.
- Uma verdadeira tempestade tropical, mas já se acalma. E você, pai do ano?
- O que falar de mim? tenho uma bebê pequena e cá está um pai em bagaços apelando para chás revigorantes. E obrigado pelo título de pai do ano.
- Não pense que não soube. – ela sorriu com malicia sem esconder o sorriso.
- O que?
- O convite da ‘Wanted Men’ para que você seja uma matéria exclusiva sobre o tema vegano e sua recente paternidade.
- Ah, isso, aconteceu ontem de manhã, nem tive tempo de pesquisar sobre eles então.
- Acho que o título caiu bem, não acha?
- Olívia não tem reclamado e nem minha mãe, então está tudo certo.
- Sempre está, meu bem, agora, precisamos liberar a cozinha.
Joaquim e Amélia deixaram seus pratos e se recolheram para o jardim, num banco entre mãos dadas e sentimentos adolescentes os dois ficaram juntos até o sono chegar.
- Amanhã faremos uma entrada gloriosa, não acha?
- Com toda certeza que sim. – respondeu Amélia a ele que sorria com o brilho das estrelas presente em seus olhos.   

AMÉLIA (A garota e a flor)Onde histórias criam vida. Descubra agora