Amélia apareceu em nossas vidas como um sopro de brisa fresca em dia quente e mesmo que sua presença fosse quase neutra em algumas situações da vida; quando se esperava justamente o contrário, que era um brilho incandescente de estrela, Amélia permanecia rebelde só com a força de ser o que era, coisa que nunca deixou de acontecer nem mesmo quando se calava, suas frases ainda estavam latentes em quer que tivesse esbarrado com seu sorriso simpático e audácia de pensamentos e ela se tornou assim devagar e sempre uma personagem querida ao qual todo leitor um dia sonhou conhecer pessoalmente, além de uma estudante muito dedicada de turismo, uma filha amada pela mãe Eleonora e pela avó Consuelo que juntas a criaram com muito zelo.
Cabe aqui lembrar que mesmo entre pessoas que compartilham do mesmo laço genético existe lá suas divergências e no caso dessas duas últimas existia muito mais semelhanças do que as diferenças que imaginavam, e uma delas bastante triste que as ligava pela dor e empatia, a de terem sido abandonadas por seus respectivos parceiros pouco depois de descobrirem uma traição e uma gravidez, contudo, mesmo feridas as valentes mulheres da família Ávillez merecem toda a pompa e circunstância quando se trata delas e Amélia não é muito diferente.
Pela escala genealógica começamos pela Senhora Consuelo, religiosa e bondosa ainda distribui doces na vizinhança todos os anos sempre quando algo bom acontece na família, na sua juventude foi Consuelo Rosária de Lins e Ávillez; uma moça bonita e que se casou muito jovem, aos dezessete anos, com um amigo da família, José Antônio Lonigro, que viria a ser o marido irresponsável além de fujão, depois de se mudarem para outro estado com promessa de tentar uma vida nova, as dores de cabeça começaram a surgir ainda no primeiro ano de casados, o marido saía e permanecia por dias fora de casa e quando voltava estava sempre com aspecto sujo e embriagado gritando com Consuelo, pegando o dinheiro que iria pagar as contas da casa para satisfazer seus vícios, revirando tudo e quebrando boa parte da mudança, para logo depois voltar se arrependendo, jurando amor e chorando pitangas nunca colhidas quando o dinheiro acabava, com o passar dos meses já não tinham mais nada além de alguns pratos que Consuelo sempre escondia para ter onde comer, panelas velhas e algumas cadeiras, a cama de colchão velho e os lençóis desbotados, em sua sala o vazio de um sofá encardido e os sonhos perdidos de uma garota de dezoito anos com um marido odioso e os choramingos de um homem que nunca mais voltaria a ser o que um dia iludiu que fosse, como trabalhava em sua casa cozinhando para um bar que ficava no fim da rua, a jovem Consuelo contou por inúmeras vezes seu pequeno salário para contas como água, luz e aluguel, de jovem não possuía mais nada além da idade, seu rosto cansado e seu corpo dolorido de chorar a impediam de sequer tentar respirar profundamente, a educação exigia dela que se mantivesse firme, ele iria mudar, ou morrer.
Sempre que o marido saía novamente em sua saga mentirosa de busca de emprego levava com ele peças de valor, o último objeto foi um relógio de parede que foi da avó de Consuelo, aquilo lhe foi a última gota d'água cabível em seu oceano interno de mansidão, cansada do tratamento horrível, das cartas mandadas à família e sempre com a mesma resposta "Tenha paciência e seja resiliente", nossa brava Consuelo com seus vinte e um esperou o marido chegar, o que era sempre com o dia já amanhecendo, já arrumada com uma mala na mão. Não havia quem a retirasse da decisão, nem mesmo o papa.
Ao raiar do dia ele chegou no seu habitual barulho arrastado, porém dessa vez com uma mulher em seu braço que também havia bebido, os dois entraram pelo portão enquanto Consuelo observava da janela, chegando a sua frente depois de alguns cambaleios disseram que teriam um filho e iriam embora juntos daquele lugar, achando que a jovem iria ficar triste, José Antônio viu a expressão de alegre mudar para a de confuso assim que notou as malas no chão ao lado da agora ex mulher.
— O que são essas malas? – perguntou ele sem saber ao certo qual a direção delas e quantas eram devido ao álcool no sangue.
— Minhas. — disse Consuelo.
— Onde você acha que vai?
— Para qualquer lugar longe de você.
O marido soltou a outra e veio para cima de Consuelo para lhe acertar o rosto, porém foi bravamente impedido por um vizinho que viu todo o alvoroço daquela manhã e estava já à porta da casa dela se certificando do que acontecia. Botado para fora sob ameaças do vizinho José Antônio ainda continuou ofendendo a ex mulher, mas saiu com a nova para não olhar nem voltar mais. A ex e outrora oficial mulher não passava de uma vadia chorona, e ele o garanhão formoso que havia finalmente passado seus genes a diante, genes que deviam ter carregado penúrias e tapas ao longo da existência. Consuelo ainda manteve em orações a pobre mulher iludida mas nunca soube o que aconteceu com ela e aquele filho, muito menos o seu ex marido, mesmo que oficialmente ela ainda se mantivesse casada perante estado e igreja.
No mesmo momento Consuelo agradeceu ao vizinho, entregou as chaves ao dono e voltou para sua cidade e foi morar ao fundo da casa dos pais carregando a vergonha e a derrota de uma mulher que sentia arder na pele e no coração a dor da decepção, da raiva e da desilusão, poderia apenas ter se mudado na outra cidade mas não possuía condições alguma de continuar ali com os mesmos sentimentos naquele estado de alma e de fronteira.
Naquele mesmo dia, porém já final de noite, chegou à casa dos seus pais sob olhares recriminativos "que foi que ela fez com a vida dela, arruinar um casamento assim por capricho? ela abandonou mesmo o marido? e se quiser se casar de novo um dia? não foi ela mandada embora por ele? " e foi assim, ouvindo e não lendo que a então nossa primeira Ávillez percebeu que sua vida nunca mais seria a mesma por culpa de alguns pensamentos retrógados oprimitivos condicionados a sua natureza e pessoa, exprimindo toda uma raiva condicionada a ela, vítima de um marido odioso e inocente de qualquer acusação, de que a culpa era somente dela, aquela que recebeu e portanto a que causou a vergonha difamatória para sua família, por simplesmente ser mulher e não ter frutificado. Passando a noite no que era para ela "sua casa" abriu um jornal velho e cansou os olhos no classificados em busca de algo que a possibilitasse viver por si só e já na manhã seguinte a sua chegada saiu à procura de trabalho e casa, não queria mais olhar para os rostos contraídos de sua família durante as reuniões, não queria ouvir que jamais poderia se casar novamente por que não teve divórcio e que um filho poderia tê-la mantido a salvo da vergonha, e por possuir um gênio forte e decidido ao extremo a nova Consuelo conseguiu fincar o pé para além das garras nocivas de uma família indiferente e levando a barra por três meses se manteve distante de todos até descobrir que esperava um bebê, que viria a ser a nossa segunda grande mulher Ávillez, Eleonora.
Eleonora Antônia Consuelo Lins Ávillez, cresceu vendo a mãe ralar sozinha para criá-la, e na grande expectativa de se tornar uma famosa bailarina se formou em dança e passou a integrar a linha de frente do balé da cidade, porém, com dezenove anos e namorando um vizinho, Leonardo, o destino quis se repetir para perpetuar no laço sanguíneo as marcas de sua concepção e ela o flagrou com uma ex colega de turma aos amassos no fim do corredor, terminando prontamente com ele naquele mesmo momento Eleonora retornou para casa onde chorou e sofreu até se recompor, dias mais tarde chegou a ter um breve desmaio durante um ensaio e levada às pressas para a enfermaria foi constatada a sua gravidez, seu ex namorado foi avisado da situação e em dois tempos evaporou-se para não ser mais encontrado tratando de deixar Eleonora, conhecida como Leô, sozinha, sem balé, sem pai e agora sem o pai do seu bebê, a terceira mulher Ávillez, Amélia.
Grande fã da França e seus afins, Leô adorou o nome Amelie, quando o viu sugerido por uma revista, mas optou pela sua variante abrasileirada Amélia, deixando a filha com um nome bastante comprido. Amélia Leonora Consuelo Lins Ávillez.
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AMÉLIA (A garota e a flor)
RomansaAmélia é uma jovem comum que compartilha com sua mãe e avó um destino um pouco infeliz a cerca da presença paterna em sua vida, porém, numa noite que nada prometia; um olhar juntamente com um sorriso hipnótico, uma confusão e uma ida a delegacia pod...