II - Aqueles olhos

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Na manhã seguinte, logo cedo me preparei para ir a praia. Eu estava no Hotel Tambaú, que ficava a beira-mar, na orla da Praia se Tambaú. Estava sozinha ainda, Manoela só chegaria à tarde e eu queria aproveitar as últimas horas sozinha pra organizar algumas coisas na minha cabeça, pra então poder conversar com minha amiga e junto a ela tentar entender o que se passava comigo e se os motivos dos meus medos e inseguranças são motivos válidos ou se são só surtos que devem ser deixados de lado.

Já com os pés na areia, procurei um sombreiro e me acomodei em uma das cadeiras. Pedi uma água de coco em um dos quiosques próximos e tentei relaxar, até dormi um pouco ouvindo as ondas do mar e sentindo o vento tocar a minha pele. Acordei um pouco assustada, com crianças brincando perto de onde eu estava. Não sei por quanto tempo dormi, talvez não tenha sido por mais que cinco minutos, mas acordei com a imagem dos olhos castanhos em minha mente, eles estavam tristes, assim como os meus deveriam estar naquele momento. Aqueles olhos estavam me perseguindo há meses, tirando e devolvendo a minha paz.

Coloquei meus fones de ouvido e dei play no aleatório. O destino as vezes nos faz encontrar respostas nas menores coisas e ali, escutando Aquela paz - Charlie Brown Jr, eu encontrei uma resposta. A música dizia que só era triste quem queria e eu não queria ser triste, eu só estava confusa e precisava de tempo pra pensar. Eu estava no terceiro dia de uma introspecção forçada, a qual me obriguei estar, porque eu não aguentava mais o martírio que era estar longe. Eu queria estar perto, e eu estaria, assim que voltasse a São Paulo eu procuraria aqueles olhos sapecas que me faziam rir sem pretensão de ser engraçados.

...


Por volta das duas da tarde, eu voltei para o hotel, tomei um banho e deitei, não sei o que estava acontecendo comigo, meu corpo estava descansado, mas meu sono era eterno. Eu adormeci do jeito que sai do banho, apenas com um roupão envolto ao meu corpo, talvez tenha ficado mais tempo que o permitido no sol, que fez com que meu cansaço aumentasse, eu dormi e sonhei, sonhei de novo com os mesmos olhos, mas dessa vez não tinha tristeza neles, tinha compreensão, tinha vontade, desejo.

Alguém bateu na porta fazendo com que eu despertasse do meu sonho, dessa vez eu não queria acordar, estava entregue a sensação de estar presa ao olhar de alguém. A pessoa do outro lado da porta não desistiu, continuou batendo como se não houvesse amanhã, com uma pressa sem fim, o que me fez levantar irritada.

- Calma, eu já estou indo. - Gritei em direção a porta enquanto parava em frente ao espelho pra ver se o roupão estava no lugar certo e passar a mão pelos cabelos na tentativa falha de domar a rebeldia que havia se formado neles enquanto eu dormia. A pessoa do outro lado não parava de bater. - Meu Deus, dá pra ter um pouco de paciência, já estou indo abrir.

Eu não conseguia parar de pensar que em dá uma bela bronca na Manu por estar tão apressada, me fazendo pular da cama no susto e ainda não me dando tempo pra pelo menos vestir uma roupa antes dela quebrar a porta no murro. Como se fosse possível, era mais fácil a porta quebrar a mão dela.

Entendo a preocupação dela, mas nada justificava a falta de paciência ao ponto de esmurrar a porta dessa maneira, afinal, ela já sabia que eu estava bem. Por um breve momento me perguntei o motivo da recepção não ter avisado que ela estava subindo. Mas ao mesmo tempo entendi que não há nada que aquela baixinha não consiga, ela levar o recepcionista na conversa não seria a coisa mais difícil do mundo, se tratava de Manu Gavassi uma estrela da música brasileira. Eles não iam negar uma informação a ela.

Me aproximei da porta ainda ouvindo as batidas e antes de abrir, olhei pelo olho mágico e minhas pernas fraquejaram, não era possível, eu não estava pronta pra ter aquela conversa, Manoela não podia ter pregado essa peça em mim. Mas agora eu entendia a afobação nas batidas da porta e eu não tinha outra escolha, a não ser abrir. Já tinha respondido antes de ver quem era, eu não podia fugir e eu não queria fugir. Mesmo não me sentindo pronta, em algum momento eu teria que encarar meus problemas e tentar resolve-los.

Tentei me recompor em pouco tempo, apertei o nó do roupão, ao ponto de me deixar sem ar por alguns segundos, mas precisava me certificar que ele não ia mostrar nenhuma parte do meu corpo agora queimado do sol, devido as horas que passei na praia. As batidas na porta pararam, mas eu sabia que a pessoa continuava lá, eu sentia, não dava pra evitar. Existia uma força invisível que nos conectava, eu só sabia que continuava lá, esperando impaciente, com certeza.

Respirei fundo e com a mão na maçaneta da porta, eu a abri.

- O que está fazendo aqui? - Perguntei baixo, suave, tentando não demonstrar o quanto eu estava nervosa com a presença inesperada no meu quarto.

- Eu precisava te ver, não brigue com a Manu por isso. Eu só precisava te ver.

Estávamos na porta do quarto, uma mala pequena era sua companhia, não havia Manu e eu me senti enganada pela minha melhor amiga. Com certeza a atitude estava cheia de boas intenções, mas eu só havia pedido uma coisa: Guardar segredo a respeito da minha localização.

- Ela não podia ter falado, eu pedi pra não falar. Eu precisava de tempo, eu preciso de tempo. - Falei com a voz quase engasgando na minha garganta. Agora eu não sabia se estava magoada com Manoela ou se estava magoada com o restante dos acontecimentos anteriores. Segurei o choro que estava prestes a sair e encarei aqueles olhos, eram eles que me perseguiam, eram eles que não me deixavam dormir. Mas agora eles também mostravam o cansaço estampado nas olheiras que a maquiagem não deu conta de cobrir.

Depois de encarar e fixar os meus aos dela, eu apenas afastei o corpo dando espaço para que ela entrasse.

Gizelly estava ali, parada no meio do quarto e nós não sabíamos por onde começar, eu não sabia o que falar, como falar. Mas agora que ela estava ali, eu precisava.

Puzzle - GiRafaOnde histórias criam vida. Descubra agora