POV Rafaella
O combinado era que eu iria pra Goiânia, conversaria com o restante da minha família e voltaria pra São Paulo, e só na semana seguinte levaria Gizelly pra eles se conhecerem. Eu sabia o que aquilo significava e estava nervosa por isso. Eu estava mudando toda minha vida e não teria volta, eu não queria que tivesse volta, eu estava certa do que eu era. Mas mesmo tendo todas as certezas sobre a minha sexualidade, eu não conseguia não ficar nervosa. Minha mãe foi fácil, passar pela carcaça fechada do meu pai que vai ser complicado.
O vôo tinha sido tranquilo, deu pra descansar um pouco, mas quando cochilei sonhei com Manu falando pra voltar. Aquilo ficou na minha cabeça por bastante tempo, até que Tato, o meu irmão apareceu pra me buscar, eu não ia ficar muitos dias, então levei só uma mala de mão, que foi jogada na mala da SW4.
- Ow, cê pensa que minhas coisas foram encontradas no lixo. Cuidado aí, menino. - Eu o recriminei pela falta de jeito e meu sotaque carregou por estar em casa.
- A mala não, mas ocê, eu tenho certeza que foi. - Eu cai na risada enquanto entrava no lado do motorista, assumindo o volante.
- O feio da família é ocê, logo, sou eu que tenho que verificar com a mãe se não teve troca na maternidade. - Nossas implicâncias a respeito disso não eram de hoje, vinham da infância. Mas ele chegou na porta do carro e me mostrou o dedo.
- Sai daí, pirralha, me deixa dirigir.
- Não, tô com saudade de Goiânia, eu que vou levar. Vamos logo.
Ele não insistiu, sabia que eu não ia sair e que se iniciasse uma discussão, íamos ficar a noite toda na frente do aéreo. Então, sorri vencedora quando ele foi pro outro lado e me deixou a vontade no volante. Eu sentia mesmo falta da cidade, eu vivi muitos anos aqui e ir pra São Paulo tinha sido apenas uma decisão necessária pra alavancar minha carreira. Lá às coisas fluíam mais rápidas, eu tinha Flavina pra cuidar de mim, mas não era a mesma coisa de estar em casa. Com minha família.
- Então, uma menina? - Ele puxou a conversa sem jeito. E meu pé quase foi direto no freio quando o ouvi.
- A mãe falou? - Perguntei depois que consegui raciocinar.
- Falou sim. - Falou simples, sem me dá muita opção a não ser falar mais que ele.
- Eu nunca pensei que fosse viver algo assim. É surreal a maneira que ela me entende e me completa. É complicado, porque falar com vocês sobre é a coisa mais difícil que eu já tive que fazer na vida. A gente fala sobre tudo, mas quando se trata da sexualidade, eu nunca consegui me expressar. Sempre foi um assunto guardado a 7 chaves aqui dentro e eu nunca consegui explorar isso de verdade, com ninguém. Com ela é diferente, eu tô apaixonada. Eu mentiria se dissesse que não sinto medo, mas ela me dá coragem, então, eu vou com medo mesmo. - Eu disparei tudo de uma vez, sem tirar os olhos da rua. E quando virei pra encarar Tato ele tinha um sorriso indecifrável no rosto. - O que foi?
- Você aí, toda boba apaixonada. Precisa controlar essa intensidade pra não meter a cara numa parede, irmã. Senão, vai estragar esse nariz bonitinho aí que você tanto se orgulha. - Eu não estava entendo, eu estava sendo zoada enquanto eu abria meu coração pra ele? Era isso mesmo? Minha expressão incrédula, denunciou que eu não estava entendendo nada. - Ocê é minha irmã, Rafaella, eu não vou pegar no seu pé por que você está apaixonada. Mais fácil ser porque você é feia. - Ele se contradisse e eu sorri.
- Acabou de chamar meu nariz de bonitinho.
- Bonitinho é o amigo arrumado do feio. - Eu não consegui segurar a risada, parece que toda a tensão que se encontrava em mim tinha ido embora com o jeito leve que meu irmão estava tratando tudo. - Eu só te quero feliz, tá? Nunca vi ocê pular de cabeça assim em algo, e faz anos que não te vejo em um relacionamento. Só cuidado pra não se machucar, não desfaz a barreira assim, como se ela não tivesse um motivo pra existir.
Tato sabia de todos os meus medos, nos últimos anos nos víamos pouco, mesmo trabalhando comigo, o trabalho dele era todo voltado pro meu financeiro, então, ele podia ficar em Goiânia enquanto eu estava em São Paulo, assim como Marcella. Mas nunca deixamos de nos falar sobre tudo, ele foi um dos meus apoios depois que me separei e sabe de todas as barreiras que eu tinha construído. No fundo, ele só estava tentando me fazer ir devagar, coisa que eu não queria.
- Eu confio na Titchela, não sei explicar a conexão que tivemos, mas é forte demais. - Ele não falou nada do apelido, só sorrio. - Eu olho pra ela e consigo ver uma vida inteira pela frente com ela. Queria não ser tão intensa assim as vezes, mas eu não consigo controlar, eu só quero viver a minha vida, sem ter que explicar pra ninguém que a pessoa que tá me fazendo feliz é uma mulher. Isso não devia ser uma obrigação, sabe? Você não precisou afirmar que era hétero quando falou que ia casar com a Dani. Eu não quero ter que viver me explicando. Mas infelizmente o mundo não é justo e eu preciso.
- Peraí, casar? Você tá pensando em casar? A gente nem conheceu a menina e você quer casar? - Eu não tinha falando em casamento, ele que tinha pego só uma palavra do meu discurso e dado importância demais a ela. Revirei os olhos e o olhei emburrada.
- De tudo que eu falei, foi só nisso que prestou atenção? É claro que eu não tô pensando em casar, não agora. Quero aproveitar o que tenho com ela, a gente precisa se conhecer direito antes.
- Não, eu entendo a sua frustração em ter que sair de casa só pra contar pra gente que é uma mulher, se fosse um homem você só ia trazer e pronto. Eu só maximizei uma palavra a toa mesmo, desculpa. - Ele pareceu envergonhado. E ficamos em silêncio pro um momento.
- E o pai? - Perguntei baixo tentando demonstrar o quanto estava preocupada com isso.
- Todo mundo já sabe, a única que não sabia era você, tonta. O pai deu uma surtada quando a mãe contou, mas já passou. Ele só quer o mesmo que eu, tenha tato quando for falar com ele e vai ficar tudo bem. - Eu ri do jogo de palavras que ele usou. - Só tenha paciência com o véio.
- Ocê sabe que levaria um tapão se ele sonhar que foi chamado de véio, né? - Eu provoquei.
- Ele não precisa saber, Rafinha.
- Vou decidir se ele precisa ou não.
O resto do caminho foi tranquilo, ele me falava das peripécias da minha sobrinha e eu só queria chegar em casa pra apertar aquelas bochechas e morder aquela barriguinha. Eu sentia muita falta dela, era a pessoa que mais fazia falta. Sempre fui louca por crianças, quero ser mãe, só não tive a oportunidade ainda.
Oi, bebês. 😍😍
Obrigada pelo retorno, tá? Sou muito grata por cada pessoinha que me lê. No primeiro capítulo eu falei que se tivesse uma pessoa me lendo, eu iria continuar escrevendo. Então, essas palavrinhas aqui são só pra agradecer por está acompanhando minha história.
Uma amiga falou sobre se inserir na história, por escrever sobre nossas vivências e medos, e é isso. A gente coloca pra fora o que nos angustia e faz ter um desfecho bonito. Vira uma terapia e é muito gostoso ter algum retorno de quem lê. Então, obrigada.
Espero que estejam gostando e que continuem comigo aqui, essa história ainda tem muito pra ser contada. ♥️
Vota, comenta e me dá biscoito. 🤭
Beijo. 😘
TT: @umamabs
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Puzzle - GiRafa
FanfictionGosto de pensar que nossa vida é um grande quebra cabeça, formado por vários outros pequenos - trabalho, família, amigos, amor - e eles são cheios de pecinhas, cada uma com um formato e tamanho diferente, que com o passar do tempo vão se encaixando...