VI - Ôh, trem...

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Eu estava bem consciente, estava bebendo pouco e fiquei só na cerveja mesmo, diferente da última terça em Vitória, hoje eu estava com tudo sob controle. Eu tinha uma namorada no Espírito Santo, fui até lá no início da semana para acabar e havia o feito, mas as coisas não terminaram bem. Diferente do que eu imaginava, Marcela não estava tão disposta a colaborar com o término e fez todo um drama de mulher traída, como se eu estivesse quebrando algum acordo, infringindo uma lei que não poderia ser mudada, isso me deixou extremamente irritada. Para mim já tinha acabado há muito tempo, desde antes de eu resolver mudar pra São Paulo, e depois que eu colocava uma coisa na cabeça, essa coisa só sairia depois de feita. Não a amava mais e isso era motivo suficiente pra colocar um fim.
Eu tinha todas as motivações necessárias - Raiva por tudo que ela tinha me dito desnecessariamente, era o principal motivo. - para encher a cara ao ponto de não lembrar de muita coisa do que havia feito naquela noite. Alguns flashs de memória vinham as vezes, e eu lembrava de um cara, até porque não tinha como esquecer que acordei em um quarto ao lado de um completo desconhecido, com uma ressaca que iria me acompanhar durante o dia inteiro. Não lembrava como havia ido parar lá, nem o que tinha acontecido, muito menos o nome do dito cujo, então, só peguei minhas coisas e sai de ponta de pé, sem acordá-lo. Eu não queria mais complicações para minha vida e estava sem disposição alguma pra me reapresentar a alguém que provavelmente já tinha me apresentado na noite anterior e a bebida não me deixava lembrar.
Nota mental: NÃO MISTURAR CERVEJA COM TEQUILA, VOCÊ VAI FAZER MERDA.
Meu celular tinha tocado algumas vezes, Marcela continuava insistindo em falar comigo, achando que tinha como resolver as coisas. Eu não queria atender e eu não iria atender.
- Tem alguém querendo muito falar com você, Tichela. - Aquele apelido que Manu tinha me dado, saindo da boca de Rafaella soava de um jeito completamente sexy, mesmo que ela não quisesse. Porque agora em todas as vezes que ela falasse, eu iria lembrar dela rebolando, acompanhando o ritmo da música na minha frente.
- Eu não quero atender. É um problema que eu já resolvi, só estão querendo estender por mais tempo. - Falei um pouco mais alto e tomei um pouco mais da cerveja que eu tinha acabado de pegar na geladeira. Quando voltei Rafaella estava sentada com as pernas dobradas no sofá. Com sua taça em uma mão e o celular em outra, rolando o feed do instagram. A garrafa de Gin já estava abaixo da metade e ela estava meio tonta, acho que por isso sentou. - Cuidado pra não postar nada enquanto está bêbada e depois se arrepender. - Ela abriu um sorriso largo, daqueles que os olhos riem junto e eu fiquei hipnotizada mais uma vez.
- Melhor se arrepender de fazer do que me arrepender de não fazer, não acha? - Ela deixou o celular de lado e se virou pra mim quando eu sentei na outra ponta do sofá. - Mas enfim, do que você está fugindo? - Ela fez mais uma pergunta quando demorei a responder a primeira. Por um minuto pensei que ela estava insinuando que eu estava fugindo dela e não fazia sentido algum. E eu fiquei com uma interrogação em meu rosto. - As ligações. - Ela explicou. Estava se referindo ao meu celular que não parava de tocar desde que ela tinha chegado.
- Não estou fugindo, eu só não quero me estressar no momento. - Falei afundando um pouco no sofá. - É minha ex, eu terminei no início da semana, quando fui a Vitória. Só espero que ela desista de tentar consertar o que não tem conserto.
O telefone tocou de novo e ela sorriu.
- Ela não vai desistir.
- Ah, mas por essa noite, ela vai sim. - Peguei meu celular e desliguei, colocando ele de volta na mesa de centro. Sentando de volta no sofá, de frente pra Rafa.
Eu não queria Marcela tomando conta da minha cabeça agora, ela podia esperar pra depois, ou pra nunca mais, eu não estava ligando. Rafa estava na minha frente, com seu melhor sorriso e isso me deixava encantada. Eu queria conseguir me aproximar dela um pouco mais, mas do jeito que as coisas estavam caminhando, eu acho que não ia conseguir.
- Eu preciso de mais um pouco de Gin. - Ela falou e levantou rápido, foi em direção a cozinha, voltando pouco tempo depois com um novo drink em suas mãos. Certamente a garrafa que ela havia começado logo chegaria ao fim e eu não tinha certeza se ela estava tão sóbria o quanto tentava demonstrar.
- Vamos brincar, Gi. Eu quero te ver bêbada. - Ela deu um meio sorriso, sem mostrar os dentes, me mostrando a tela do celular, com um joguinho daqueles que a gente coloca o dedo e o jogo escolhe quem vai beber. Quem perde responde uma pergunta de quem bebeu por último, mas no caso de duas pessoas a pergunta vem de quem não vai beber.
Colocamos o dedo e ela perdeu, virou quase metade da taça de Gin e eu confesso que fiquei preocupada.
- Não era eu que devia ficar bêbada? - Perguntei sem me tocar que estava gastando a minha pergunta.
- Sim, mas o jogo é traiçoeiro. - Ela falou com um sorriso de orelha a orelha. Ela estava querendo ficar bêbada, essa era a verdade. - Mas você perdeu a sua pergunta. Vamos de novo.
E de novo colocamos os dedos lá, e o jogo me escolheu pra beber.
- Há-há. Sua vez. - Ela brincou e eu virei quase a metade da cerveja que eu tinha na mão. - Vamos lá, eu tenho uma pergunta.
- Sim, você tem. Capricha.
- Porque terminou o namoro? - Ela foi direta e eu gostava disso, mas não queria ter que entrar nesse assunto. Mas jogo é jogo.
- Tem um tempo que eu não sinto mais o mesmo por ela. Nós já estávamos distante enquanto eu ainda morava em Vitória, depois que me mudei as coisas pioraram, a gente não conseguia conversar, tudo virava motivo pra desconfiança. - Fiz um breve resumo e observei esperando pra ver o que ela falaria. Mas pelo visto se contentou com a minha resposta, só deu continuidade ao jogo.
- Coloca o dedo aí, Titchela. - Ela colocou o dedo na tela e esperou eu colocar, e de novo fui sorteada. - Bebi o resto da minha cerveja e esperei a pergunta.
- Ocê acha que tem volta? - Ela perguntou com aquele sotaque carregado, que eu achava a coisa mais linda. As vezes ela conseguia disfarçar tão bem, que quase não dava pra notar, mas as vezes, e acho que agora era devido a quantidade de bebida, ela carregava de um jeito que o mineirês vinha forte.
Eu tentei disfarçar o sorriso que estava prestes a surgir nos meus lábios e respondi rápido.
- Não. Como eu disse, não tem como consertar o que não tem conserto.
- E porque você está rindo? - Ela perguntou arqueando uma sobrancelha. Tinha prestado atenção mais do que devia.
- Nada disso, você tá roubando e fazendo outra pergunta fora do jogo. Vamos lá. - Coloquei o dedo na tela, confiante de quem ia beber dessa vez era Rafaella.
Mas o jogo não estava a meu favor e dessa vez eu tive que levantar pra pegar outra cerveja, porque a minha tinha acabado. Deixei ela no sofá e fui até a cozinha. Quando voltei, ela estava lá, sorrindo. Cheguei virando a cerveja e deixei um sorriso se formar de novo nos meus lábios.
- Eu estava rindo do seu sotaque.
Ela me olhou com a boca aberta, fingindo espanto.
- Ôh, trem, você tá de zoeira com meu sotaque? - Fingiu estar brava e eu só conseguia rir mais. Ela colocou a taça na mesa de centro e cruzou os braços sob o peito, tentando ficar emburrada.
- Não, nunca. Eu só acho muito fofo e as vezes é impossível não rir. - Falei enquanto puxava a mão dela, fazendo ela descruzar os braços. E em seguida bati com o dedo indicador em seu queixo, fazendo ela me olhar. - Eu acho seu sotaque a coisa mais linda desse mundo. Meu dedo continuou em seu queixo e quando percebi estava fazendo carinho em sua bochecha com o meu polegar.
Meus olhos iam da sua boca aos seus olhos e fizeram esse caminho algumas vezes em poucos segundos, meio que buscando uma autorização para me aproximar. Quando vi seus olhos fecharem e seu rosto inclinar, apoiando em minha mão para sentir o meu carinho, foi a resposta que eu precisava.


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