01| o plano

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Tirei o cardigã da bagagem de mão e o vesti, assistindo o taxista ultrapassar mais um sinal vermelho

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Tirei o cardigã da bagagem de mão e o vesti, assistindo o taxista ultrapassar mais um sinal vermelho. Além do pano quente, eu me sentia aquecida com o pensamento de que não precisaria mais usá-lo por um bom tempo. Sempre me senti condenada por morar na capital mais fria do Brasil enquanto minha sensação favorita era o calor do sol na pele. Eu mal conseguia me lembrar da última vez em que fui à praia e enterrei os pés na areia. Estava animada para fazer isso.

Peguei o celular esperando ter notícias de Vitória, mas não havia nenhuma notificação. Suspirei e esperei o motorista estacionar na frente do aeroporto, tentando ignorar meus maus pensamentos. Eu havia pedido para que ela me encontrasse ali, então não tinha motivos para pensar o contrário. Vics era a única pessoa que jamais me decepcionaria.

Ao descer do carro, o taxista me ajudou a retirar a bagagem e paguei pela corrida. Arrastei a mala de rodinhas pelo edifício movimentado, indo até a lanchonete mais próxima. Tentei ligar para minha amiga, porém sempre caía na caixa-postal. Comprei um salgado e resolvi comer tranquilamente. Ainda faltavam quase 30 minutos para o meu voo, daria tempo dela chegar.

Minutos depois, ouvi um grito à distância. Sorri e me virei para encontrar a loira de cabelos curtos que corria em minha direção, balançando o smartphone em mãos. Meu rosto se iluminou, eu sabia que a veria antes de ir embora.

— Minha bateria acabou! — justificou aos berros, agitando o carregador nas mãos para enfiar na primeira tomada que visse — Estou rodando esse aeroporto atrás de você há 15 minutos, garota.

— O trânsito me atrasou. — expliquei quando ela estava próxima e jogou os braços sobre mim exasperadamente.

— Sabe que não vou reclamar se perder seu voo... Achei que você fosse mudar de ideia.

— Eu te levaria comigo, se pudesse.

Vitória ainda não havia completado 18 anos e não tinha permissão da mãe para sair do país, portanto não poderia me acompanhar. Eu, por outro lado, atingi a maioridade dois dias antes.

Há tempos eu esperava por aquela oportunidade. Tentei discutir o assunto com minha mãe, entretanto ela nunca me dava ouvidos, por mais que soubesse que eu estava certa em querer sair da casa do meu pai.

Minha mãe, Adriana, era médica infectologista. Estava há quase 1 ano e meio na Bolívia estudando um novo vírus e era muito difícil nos falarmos, pois seu trabalho a mantinha muito ocupada. Meu pai,  Donald, era pecuarista e passava apenas uma semana do mês em casa, já que suas fazendas ficavam em Goiás. Dessa semana, eu o via apenas dois dias os quais ele julgava suficientes para saber que eu estava viva.

Quando completei 15 anos, meu tio me ligou. Nós não nos falávamos em nenhum outro dia do ano que não fosse o meu aniversário, mas mantínhamos uma boa relação. Ele comentou que havia se mudado para uma casa maior e separou um quarto para mim, sua única sobrinha, para quando fosse visitá-lo.

Mark era irmão do meu pai e dirigia um hospital na Califórnia. Os dois não se falavam muito. Meu tio era, na verdade, mais próximo da minha mãe. Ele foi o responsável por apresentá-los e declarou torcida para a amiga durante o divórcio. 

Naquele dia, decidi que me mudaria para São Francisco e recomeçaria minha vida. Meu tio não me via há dez anos e se importava mais comigo do que meus próprios genitores. Eu era um mero enfeite dentro de casa, minha presença ali não era realmente notada. Meus pais acreditavam que me dar dinheiro era o suficiente e eu poderia me virar com o resto. Provavelmente, a mãe da Vitória sentiria mais a minha falta do que eles quando eu sumisse.

Sabendo as reprovações que ouviria, não contei para o meu tio que meu plano era nunca mais voltar ao Brasil. No dia em que completei 18 anos, comprei uma passagem para São Francisco e liguei para Mark dizendo que passaria um mês ou dois com ele. Seria tempo suficiente para conseguir me estabelecer e traçar um novo trajeto. Eu já estava planejando aquilo há 3 anos, mas não parei para pensar no que faria depois de aterrissar. Preferia responsabilizar o destino.

— Eu fui boba por duvidar de você... — minha amiga colocou a mão na testa — Porra, tive três anos para te convencer a desistir! Como fui burra de achar que você não faria algo idiota e inconsequente? É o que você sempre faz!

— Vics, fala sério, que motivo eu tenho para não ir?

Eu, né!

— Beleza, fora isso... Nada me importa aqui. — encolhi os ombros — Nada além de você. Estou esperando por esse dia há muito tempo. É a minha chance de viver como quero. Se você não concordasse, já teria jogado minha mala fora e me arrastado pelos cabelos de volta pra casa.

A loira respirou fundo e sugou as bochechas em uma mania irritante. Seus olhos grandes e redondos olharam para minha bagagem e depois para mim. Ela sabia que eu estava certa. Não havia merda nenhuma para mim naquele lugar. Eu precisava me libertar.

— Vamos ficar perto do portão de embarque, então. Você sempre dá um jeito de se atrasar.

Sorri e acatei sua ordem. Ficamos ali até o viva-voz anunciar o embarque e as pessoas começarem a se enfileirar. Arrastei a mala até meu lugar na fila e minha amiga parou ao meu lado.

— Relembrando... — apontou os dois indicadores para mim — Me manda mensagem em cada parada e me liga quando aterrissar em São Francisco.

— Pode deixar, mãe! — brinquei revirando os olhos. Puxei Vitória para um abraço apertado e escondi o rosto em seu pescoço fino — Eu te amo.

— Ama muito?

— Amo muito.

— Então se cuida. Eu sei que é difícil e você adora se meter em confusão, mas tenta segurar a sua onda, ok? Pelo amor de Deus.

— Não prometo nada. — ri dando de ombros — Já eu, espero que você faça muita merda por aqui, você tem potencial. Não deixa a minha ausência te entediar.

A garota me deu uma última olhada e apertou meu rosto antes de depositar um beijo em minha bochecha. Eu sentiria falta dela mais do que tudo no mundo. Mas não podia parar para pensar naquilo.

Seguindo a fila de passageiros, logo entrei no avião e não demorei muito para conseguir me acomodar em meu assento. Um rapaz de capuz estava sentado na poltrona da janela, mas sequer virou para me ver sentar ao seu lado.

Antes de pedirem para desligarmos nossos celulares, tirei o aparelho do bolso sabendo o que veria.

Antes de pedirem para desligarmos nossos celulares, tirei o aparelho do bolso sabendo o que veria

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Resolvi não responder mais as mensagens de Vitória e deixar ela assimilar os fatos. Desliguei o smartphone, o guardei na bolsa e pluguei meus fones de ouvido no pequeno monitor do avião.

Suspirei aliviada. Finalmente. Minha vida decolaria junto com aquele avião.

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The Young FolksOnde histórias criam vida. Descubra agora