Hoje acordei particularmente cedo apesar de ser domingo. Acordei com um estranho peso no peito, com uma inexplicável dor dilacerante no coração, com o rosto humedecido pelas lágrimas que pareciam ter caído quando eu menos esperava. Não me apetece levantar da cama, não me apetece ver a luz do dia, nem ver ninguém; pego no relógio de pulso pousado religiosamente em cima da mesa-de-cabeceira e olho as horas: onze da manhã, não consigo evitar reparar no dia que é hoje.
Quem me dera que hoje fosse um dia como outro qualquer, quem me dera que fosse só mais um dia e só mais um domingo do mês de Maio, mas não... hoje é dia da mãe. E o silêncio impõem-se no momento em que me apercebo disso, há uma tristeza profunda que me consome e quase me tira a vida, há uma saudade que não consigo colmatar com nada, um vazio que fará parte de mim o resto dos meus dias.
Há um ano estavas comigo, mãe. Há um ano também acordei cedo, mas foi um acordar radioso, alegre, efusivo e recheado de felicidade. Havia um dia para celebrar e uma prenda para entregar, havia uma pessoa que eu podia fazer sorrir sem ter que fazer muito. É essa a verdadeira essência de uma mãe, não é? Ficar feliz mesmo com pouco.
Lembro-me que me abraçaste como há muito tempo não o fazias, lembro-me que cheiraste infinitamente o ramo de rosas e te deixaste levar, ofereceste-me o teu melhor sorriso de sempre, estou agora mesmo a vê-lo imortalizado numa fotografia que tenho desse dia aqui na mesa-de-cabeceira. Tenho saudades tuas, mãe. Fazes-me falta, como se de repente me tivessem roubado uma parte da minha existência, do meu corpo.
Recordo o beijo que me deste há um ano e o aroma a Camélias do teu perfume, recordo o momento em que fizemos o pequeno-almoço juntas e o pai embevecido a olhar-nos. Como a vida é efémera... Nunca valorizei tanto aqueles instantes contigo como agora, agora que já não te tenho aqui, agora que não passas de uma memória e aqueles pequenos momentos uma leve brisa. Cada dia é para ser vivido como se fosse o último, aprendi isso desde que fiquei sem ti, nada é mais importante que o momento, que o agora. Para quê fazer planos para o futuro se o caminho que nos espera é incerto e imprevisível?
Apetece-me ficar aqui a recordar-te e a pensar em ti e a tentar acreditar que continuas cá, mas depois caio em mim e na realidade e fico desfeita em mil pedaços, a verdade é que sou mais uma de muitas pessoas sem mãe. O pai acaba de bater à porta, chama por mim e diz-me que está na hora de eu me levantar, que o pequeno-almoço está na mesa: cheira a café e panquecas acabadas de fazer. Era um dos meus pequenos-almoços preferidos, lembras-te?
O pai sabe que hoje vai ser um dia difícil e duro para mim – e para ele também – vivemos sem ti há praticamente um ano e parece que foi ontem que te dei o último beijo antes de te perder para sempre. O tempo perde-se e passa rápido de mais quando muitas vezes aquilo que mais queremos e desejamos é que ele dê passos curtos.
Chama-me para tomar o pequeno-almoço, hoje fazemo-lo em silêncio, não há muito para dizer, não há palavras nenhumas que caibam na dor que sinto, na ausência que deixaste, no vazio que está desenhado cá em casa. Como depressa demais, já não tenho prazer em provar a comida, por isso, como o mais rápido que puder para não perder tempo.
O pai vê-me abatida e eu vejo o ar de preocupação dele esbatido no seu rosto, pergunta-me se estou bem e se preciso de alguma coisa. Digo-lhe que está tudo bem e que preciso que me dê tempo e espaço, preciso de estar sozinha neste dia e que este dia passe à velocidade da luz. Concluo com: vou ao cemitério. O pai pergunta-me se eu quero que ele me acompanhe, agradeço e digo-lhe que prefiro ir sozinha, ele compreende e começa a levantar a mesa.
Subo para o meu quarto e visto a camisa azul-bebé florida que tanto gostavas, é a tua única peça de roupa que me serve, decidi ficar com ela para poder lembrar-me sempre de ti. Pensei em vestir a cor do luto: o negro, mas depois lembrei-me que era de todas as cores a que menos apreciavas e então decidi vestir algo que à partida saberia que irias gostar. Não me maquilho, pego no ramo de rosas que comprei ontem, saio do quarto, entro no carro e faço-me à estrada, o caminho é curto, mas parece uma eternidade até lá chegar. Aproveito os parcos quilómetros para pensar na vida, para tirar conclusões, para refletir se até hoje terei sabido olhar para ela, aproveitá-la e desfrutar dela como sempre me havias ensinado. Chego à conclusão que não... Essa é a maior lição que tiro da tua perda, nunca ter sabido lidar bem com a vida.
Entro o portão assustadoramente grande, nunca gostei deste lugar, arrepia-me, incomoda-me tanto o silêncio de quem já cá não está. Hoje está particularmente florido, por ser um dia especial. Caminho em silêncio, prolongando os passos curtos, demorando o tempo necessário e que realmente preciso até chegar a ti, percorrendo atalhos. E encontro-te. Pouso o ramo junto à tua fotografia e acaricio-a como se fosse a tua pele, como se pudesse ouvir a tua voz, sentir o teu cheiro, ver o teu olhar sincero e profundo.
Pudesse eu fazer qualquer coisa para te poder ter de volta, por ti fazia mesmo qualquer coisa, daria a minha vida se fosse preciso. Demoro-me, ajoelho-me junto a ti, e choro. Lágrimas de amor quebrado, de saudade inusitada, de perda imperdoável, de ausência e vazio incompreensíveis. Lágrimas de tristeza indescritível. Dizem que chorar lava a alma, hoje choro para tentar atenuar a dor que há um ano decidiu fazer parte da nossa vida.
Despeço-me, desejando encontrar o caminho para junto de ti, mais depressa que a esperança e que a vida que tenho ainda pela frente. Ao virar as costas, dou de caras com o pai, não esperava encontrá-lo ali, mas foi bom poder ter alguém em quem me amparar, a quem abraçar. A quem pedir conforto e aconchego. Ele pousa uma Camélia na campa, dá-me a mão e caminhamos juntos até à saída, beija-me docemente na testa.
Sorrimos disfarçadamente, olho o céu e o Sol do nada brilha...
Percebi que eras tu e que estavas "feliz", amo-te, mãe.
Este dia voltou a ser especial.
Feliz Dia da mãe!
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Manuscrito - Histórias que podiam ser a tua história
Phi Hư CấuNeste livro compilo uma série de contos e histórias que fui escrevendo no meu blogue. Histórias sobre os mais diversos temas. Histórias que tocaram pessoas. Histórias que podiam ser a tua história.