"O meu nome do meio é: desempregada"

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Nunca pensei que a minha vida chegasse a este ponto e levasse este rumo tão inseguro e incerto; era uma jovem cheia de sonhos e de projetos, transbordava vida e inquietude

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Nunca pensei que a minha vida chegasse a este ponto e levasse este rumo tão inseguro e incerto; era uma jovem cheia de sonhos e de projetos, transbordava vida e inquietude. Adorava ajudar os outros e no meu dia-a-dia, o desassossego era o meu melhor aliado.

Sempre me lembro de, desde muito jovem, não gostar de estar parada, aborrecia-me a solidão e o facto de não ter nada para fazer, muita gente dizia que a hiperatividade seria o melhor apelido para mim.

Sempre sonhei com a ida para a faculdade: primeiro queria ser pintora, para poder ser como os grandes artistas plásticos como a Paula Rego, depois veterinária porque sempre adorei o contacto com a natureza e os animais, por fim surgiu a paixão pelo teatro à qual me agarrei com unhas e dentes até hoje. Os sonhos foram sempre mudando ao longo do tempo e da idade.

O teatro fez-me perceber que finalmente tinha descoberto o caminho certo para mim e aquilo que queria fazer o resto da vida: ser atriz.

Deixei o sonho de uma vida académica de lado e ingressei numa escola de teatro para tirar uma licenciatura, estava plenamente focada naquele objetivo; acabei o secundário com as melhores notas e verdade seja dita, há muito tempo que não me sentia tão realizada e tão feliz por ir seguir o meu sonho. Aspirava a fazer o que mais gostava para o resto da vida, acreditava que era possível, apesar de ter consciência que me esperava um longo e sinuoso caminho.

Os três anos do curso de teatro foram sem dúvida, os melhores anos da minha vida. Era em cima do palco que me sentia uma eterna borboleta esvoaçante e pisei tão grandes palcos durante esses três anos, foi um privilégio e uma honra tão grandes. Era uma satisfação enorme poder mostrar aos mais diversos públicos o que ia aprendendo e aquilo que já conseguia fazer e improvisar; uma sensação única ouvir os aplausos e as gargalhadas de quem nos via e ver todo o meu esforço e dedicação serem reconhecidos.

A licenciatura ficou concluída num ápice... e as saudades que isso deixou. Saudades das aprendizagens, das pessoas e das muitas experiências que tive oportunidade de viver e que me fizeram crescer, amadurecer e evoluir como pessoa, como mulher e como atriz. Não fiquei parada e comecei logo a participar em castings e a enviar currículos para tentar arranjar trabalho, os meus professores diziam que eu tinha imenso talento e que era uma atriz prodígio e promissora. Elogios que enchem as medidas de qualquer um...

Não tive que esperar muito até conseguir o meu primeiro trabalho numa pequena peça de teatro que iria estrear dali a uns meses, não era nada de relevante, mas sempre daria para ir ganhando os primeiros salários. Fui feliz durante um ano, foram mais 365 dias de cortar a respiração, a correr de um lado para o outro e a fazer aquilo que mais amava: representar.

No entanto, a profissão que eu pensava que seria para sempre, deu rapidamente lugar ao esquecimento. Após terminar a peça de teatro, continuei a concorrer a castings, querendo ir mais longe e experimentar televisão e quem sabe cinema. Mas nunca mais consegui nada, nem recebi novas propostas, tornou-se uma frustração.

Vi-me obrigada a deixar o meu sonho de lado para abraçar quiçá o pior e mais indecoroso trabalho: a singela caixa de um supermercado para ganhar um mísero ordenado mínimo depois de ter passado três longos anos a estudar para ser uma atriz de sucesso.

Nunca mais fui a mesma jovem, nunca mais partilhei da mesma alegria, do mesmo entusiasmo, da mesma vida, quem convivia todos os dias e de perto comigo dizia à boca cheia que eu estava completamente diferente, que já não era a mesma pessoa. E tinham razão.

Era um sacrifício levantar-me todos os dias, sempre que me lembrava da reviravolta que a minha vida tinha levado, apoderava-se de mim uma desmotivação e uma revolta tremendas, durante os seis meses que trabalhei naquele hipermercado, chorei todos os dias. Não queria de forma alguma aceitar que tinha estudado tanto para acabar a ter aquele trabalho, que de nada se assemelhava ao que eu tinha sonhado.

O contrato que me ligava àquela instituição terminou e a partir daí nunca mais voltei a trabalhar, e os dias tornaram-se enfadonhos e sempre iguais, pela primeira vez senti na pele o que é estar fechada dentro de quatro paredes sem ter nada – rigorosamente – que fazer. Passava os dias entre o jardim e algumas leituras, de vez em quando saía para tomar um café com uma amiga e mais nada.

Sempre me considerei uma lutadora, por isso, incentivada pela família e pelos amigos continuei a perseguir o meu sonho, continuei a insistir e a enviar currículos, a participar em castings e até cheguei a propor-me para dar aulas de teatro. Uma experiência nova que adorava viver, na esperança de um dia voltar à área que tinha sido forçada a abandonar e na qual amava trabalhar. Mas... nada.

Cada vez me sentia mais inútil e um grande estorvo no país que me viu nascer; por isso, na primeira oportunidade que tive: emigrei. Rumei a Nova Iorque para tentar a minha sorte na Broadway.

Custou-me pela vida deixar tudo para trás, nomeadamente família e amigos, abandonar o meu país e até mudar de nacionalidade, mas eu não podia continuar assim. Precisava de mudar de ares, de começar tudo do zero. E assim fiz.

Renunciei às minhas raízes, à minha nacionalidade e ao meu país e não me arrependo nada de o ter feito, se tivesse oportunidade de voltar atrás e mudar alguma coisa, faria tudo igual. Não quero ser cidadã de um país que não dá valor à geração jovem e que olha para ela como uma geração escrava e mal paga. Não quero associar-me a um país onde sou desvalorizada e considerada inútil, pelo menos aqui, apesar da saudade que me consome todos os dias por estar longe de quem amo, sinto que o meu trabalho vale a pena e que lhe dão o devido valor.

Concretizei o meu sonho, três anos depois de ter passado pelo desemprego: sou atriz como sempre desejei e sonhei. E ainda nem acredito que trabalho em plena Broadway de Nova Iorque, é muito mais do que aquilo que eu poderia imaginar ou pedir. E sim, finalmente, eu sou feliz, longe daquele que terá sido o meu país, é certo mas, era definitivamente uma escolha que tinha mesmo que fazer.

Estamos a preparar a digressão do novo musical que estamos a fazer e brevemente vamos atuar em Portugal, um país que devia ser meu e que me devia encher de orgulho, mas infelizmente isso não acontece.

Neste meu esporádico regresso só quero mostrar àquele país, para o qual eu não tinha qualquer valor, que afinal não sou nenhuma inútil como ele me julgou. Lutei e venci na vida.

Afinal como diz e bem o nosso poeta Fernando Pessoa: Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

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