Hoje é aquele dia em que não me apetecia acordar. Não queria acordar para a realidade cinzenta que me acompanha há quase um ano. A realidade de saber que te perdi para sempre, que não estás mais aqui, que partiste.
Adormeci com dificuldade, por entre insónias e suores frios, sentindo a ansiedade do amanhã. O lugar vazio ao meu lado na cama, o aconchego dos teus braços que está todos os dias em falta, a forma como envolvias o meu corpo com as tuas mãos.
Perder-te mudou a minha vida. Sinto-me como se fosse um muro em constante desabamento, todos os dias cai um fragmento de mim, todos os dias procuro esquecer-te e seguir em frente, mas todos os dias me lembro de alguma coisa que nos ligava.
Todos os dias te sinto aqui, como uma segunda pele impossível de tirar, como uma maquilhagem que se esborrata a cada segundo que passa.
A intensidade do amanhecer lembra-me a tua voz forte, doce e robusta. Os nossos acordares inusitados, enroscados nos lençóis de cetim a prolongar o amor que nos unia. Os pequenos-almoços agridoces com aroma a natureza e prolongados como a imensidão do mar e o teu sorriso luminoso e vibrante.
As manhãs intensas de abraços eternos e partilhas demoradas, no carro, a caminho do trabalho e beijos repenicados, como os batimentos inconstantes do teu coração. Os almoços apressados por entre becos e ruas perdidas, de sabores refinados e sentimentos renovados, como o mais leve toque da tua pele na minha. Lembras-te quando lenta e suavemente pousavas a tua mão sobre a minha como um leve bater de asas de um beija-flor.
Hoje sinto-me em suspenso, faltas-me. E falta quase tudo na minha vida.
O amanhecer hoje acordou murcho, talvez também ele sinta a tua ausência. Talvez ele também note que já não existe a tua presença para o fazer brilhar. A musicalidade que trazias à minha vida desvaneceu-se como a nota mais rouca de uma pauta.
Só queria ter-te agora aqui para voltarmos a ser aquilo que éramos, para celebrar contigo novos recomeços e reencontros. Sentir que ainda sou capaz de vez um futuro para a minha vida, mesmo sem ti.
Procuro recuperar aquilo que nunca conseguirei aceitar que perdi, a tua presença na minha vida. Ter-te.
Sinto este novo dia como algo distante, longínquo e desconhecido. Falta-me a parte de ti que me completava e enchia os meus dias. Falta-me esse alguém – que eras tu– que me incentivava todos os dias a um novo despertar, alguém em quem podia confiar, com quem podia contar, que fazia por me amparar as quedas nas tristezas, nos desgostos e nas desilusões. E que desenhava comigo o melhor das vitórias, conquistas e alegrias.
Eras Tudo!
Hoje faço por não repetir a mesma rotina de todos os dias, não faz sentido. Não estás aqui, não é a mesma coisa, não tem o mesmo sabor e a mesma intensidade de outros tempos. Quem sabe um dia, esses dias preenchidos de entrega e de dádivas regressem, será que és capaz de os fazer voltar? Tudo isso depende de ti.
Mas hoje, este nosso dia, vai ser diferente porque tentar fazer tudo igual lembra-me de ti, como éramos e o que deixamos de ser. O que se perdeu, o que ficou por dizer e explicar.
Procuro tentar fazer mesmo diferente, sinto que não quero fazê-lo, no entanto, é uma necessidade. Quero esquecer-te. Desligar-me de ti, das memórias e recordações que nos ligam. Que alimentam os meus dias, a minha existência, a minha alma e a minha vida.
Chegou o momento de te deixar no passado e dar-me um novo rumo, algo diferente do esperado.
Mas na verdade... Acabo por descobrir que sentir(-te) vai fazer-me sempre imensa falta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Manuscrito - Histórias que podiam ser a tua história
Non-FictionNeste livro compilo uma série de contos e histórias que fui escrevendo no meu blogue. Histórias sobre os mais diversos temas. Histórias que tocaram pessoas. Histórias que podiam ser a tua história.