"Na Porta ao Lado"

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Às vezes sem querermos e sem estarmos à espera cruzamo-nos por acaso com a realidade da vida ao virar da esquina e é a partir daí que tudo muda para sempre na maneira como pensamos, naquilo que somos e na forma como vemos as pessoas e o que nos ro...

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Às vezes sem querermos e sem estarmos à espera cruzamo-nos por acaso com a realidade da vida ao virar da esquina e é a partir daí que tudo muda para sempre na maneira como pensamos, naquilo que somos e na forma como vemos as pessoas e o que nos rodeia. Foi a partir deste pequeno encontro que a minha vida mudou para sempre.

Era uma Sexta-feira primaveril de muito trabalho, como tantas outras, acabava de sair para ir almoçar com a Inês, como estava uma temperatura agradável combinamos ir comer uma apetitosa salada numa esplanada junto à marginal, se há coisa que me descontrai é o som das ondas e a brisa marítima. Estava entusiasmada, pois a Inês ia apresentar-me o Miguel, o seu namorado novo, deve ser o vigésimo numa longa lista de namorados que ela já me apresentou. Sempre quero ver quanto tempo vai durar este suposto namoro com o Miguel.

Enquanto não chegava a hora marcada para o almoço, decidi encurtar o caminho e ir dar um passeio a pé para descontrair e desentorpecer os músculos, numa rua estreitinha onde acabei inevitavelmente por passar, cruzei-me com a vida.

A Inês acabou por desmarcar o nosso almoço porque o Miguel não podia vir e ela preferiu ir almoçar com ele, por isso, passei numa pastelaria e comprei uma sandes de frango que fui a comer pelo caminho.

– Dê-me uma moedinha! – pediu-me um rapaz que me abordou, de olhos azuis-esverdeados fixos em mim, de mão estendida, pele escura e suja, unhas pretas, que não deviam ver a água há um bom par de dias, quando eu passei. Fiquei impressionada com aquilo, um rapaz tão jovem já na rua a pedir. Respondi-lhe que não tinha nada para lhe dar, até tinha moedas no bolso, mas segui o meu caminho.

– Então dê-me qualquer coisa para eu comer! – insistiu ele. 

Eu já ia longe e não voltei para trás. Passei o resto do dia a pensar naquilo. Pesou-me na consciência não lhe ter dado nada, se calhar ele até tinha mesmo fome. No dia seguinte, voltei à mesma rua, lá estava ele, de mão estendida a quem passava, o chapéu que tinha no chão continha apenas meia dúzia de tostões não davam nem para uma garrafa de água quanto mais para matar a fome.

– Dê-me uma moedinha para comprar um pão, por favor. Já não como nada desde ontem...

Voltou a pedir-me. Fiquei alguns minutos parada a olhar para ele e a pensar, até que decidi ir a pastelaria do dia anterior comprar a minha sandes de frango e trouxe outra para ele.

– Obrigada pela sua gentileza. Tenha um bom dia!

Aquele olhar que me consumiu por inteiro em escassos segundos, partiu-me o coração, era um olhar triste, perdido, angustiado, sofredor e de desespero, que apenas pedia uma pequena ajuda. Nos dias seguintes, sempre que passava por ele naquela mesma rua lhe oferecia a sandes de frango, até ao dia em que decidi ir mais longe e convidei-o para ir comigo até uma esplanada para conversarmos. Fui atravessada por centenas de olhares de poucos amigos, de pessoas que não viram com bons olhos um pedinte sentado à mesa naqueles preparos, todo sujo e vestido de trapos. Não quis saber...

Filipe, como me disse que era o seu nome, contou-me a sua história. Uma história de vida complicada, abandonado em pequeno pelos pais que fugiram para outro país, até hoje continuava sem saber do seu paradeiro, ficou entregue aos cuidados de uma instituição, até decidir fugir. Havia jovens que o tratavam mal constantemente, desde o dia da fuga que vivia nas ruas a tentar sobreviver da ajuda que lhe davam, não tinha mais ninguém a quem recorrer. Fiquei tão comovida... Prometi ajudá-lo, não sabia como, mas prometi.

Alguns dias mais tarde, a agência de publicidade onde trabalho procurava recrutar jovens para trabalhar como modelos e eu lembrei-me do Filipe, apesar do aspeto que aparentava era um jovem elegante e bonito, com certeza daria um belo manequim e com uns retoques iria ficar completamente diferente. E ficou...

Hoje, quase um ano depois desta história, o Filipe parte para Paris, requisitado por uma agência de modelos internacional, e já me esquecia do mais importante começamos a namorar há seis meses e somos muito felizes. O Filipe tem agora objetivos de vida para atingir e concretizar, o maior deles todos encontrar os pais. Espero que consiga reconstruir a sua história.

– Mudaste a minha vida. Nunca me vou esquecer do que fizeste por mim... – disse-me ele antes de embarcar, beijando-me na testa e abraçando-me como um filho a um pai.

Ele também mudou a minha.

Manuscrito - Histórias que podiam ser a tua históriaOnde histórias criam vida. Descubra agora