Faz hoje um ano que partiste. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde tu irias partir, os médicos tinham-me dito. O tempo passou rápido, rápido demais, ainda acho que não tive tempo para aceitar a ideia de ter que viver a partir de agora sem ti para sempre, mas a dor que sinto continua cá. Sinto um vazio, o vazio da saudade, da perda, da ausência, da falta que me fazes. Nada passou a ser igual, meu amor.
Faz hoje um ano que os médicos me disseram que ia perder a pessoa com quem convivi desde que existo, a pessoa que mais amei na vida, o meu cúmplice e companheiro, a pessoa que esteve sempre ao meu lado, que me ias deixar, que não havia nada a fazer por ti. Não queria acreditar, não queria aceitar. Não queria continuar a ouvi-los dizer que a partir de agora tudo ia ser só metade.
Faz hoje um ano, que me chamaram àquela sala fria, gelada como a neve, triste e aborrecida do hospital. Ainda era de madrugada quando o telefone tocou, uma forma de acordar de que nunca gostei, do outro lado, uma voz masculina e forte, que me foi logo familiar, ainda me recordo das palavras que me disse, ainda as consigo soletrar: Bom dia, Drª F, lamento acordá-la tão cedo, mas precisamos que venha cá com alguma urgência. Já nem precisava de saber mais nada, percebi logo que tinha a ver contigo, desliguei o telefone, vesti-me quase sem tempo e saí a correr. E tinha mesmo, foi um choque saber que já nada valia a pena. Chorei, chorei, chorei, gritei, supliquei. Mas, infelizmente, já não era possível mudar o final. Iam tirar-te de mim. E assim foi...
Nunca mais me vou esquecer deste dia, amor, no dia em que completávamos uma década juntos, perdi-te para sempre. Roubaram-te de mim. Quem me dera poder voltar atrás no tempo e ter-te de volta, poder apagar esta dor que sinto dentro de mim desde que te foste embora. Continua a magoar-me como se fosse ontem, continua a consumir-me aos bocados, dói tanto inexplicavelmente.
Continuo a deixar estar tudo como está, as tuas coisas tal como as deixaste no dia em que saíste desta casa para nunca mais voltares. Ainda não tenho forças suficientes para olhar e mexer nelas, lembram-me demasiado de ti. Por isso evito. Também troquei de carro, ainda não sou capaz de conduzir o teu, era o teu carro, o teu espaço, ainda lá está a tua pasta do trabalho, não a consegui guardar no escritório como seria teu desejo, desculpa, perdoa-me por não cumprir a tua vontade. Queria respeitar os teus espaços, as tuas coisas, a tua memória. Não tem sido nada fácil, meu amor, lidar com a tua eterna ausência, estás em toda a parte da casa, sinto-te aqui todos os dias. Sinto o teu cheiro, o toque da tua pele, a tua presença apenas e só. Desde que... tu sabes o que eu quero dizer que tenho dormido com o teu pijama, talvez assim te consiga sentir mais perto.
Hoje, semanas depois do que aconteceu, cozinhei para primeira vez, mas já não é a mesma coisa, tenho tantas saudades do aroma a panquecas, bacon e ovos que sentia todas as manhãs. Perdi a fome, a vontade de viver, de estar cá. A tua irmã tem sido maravilhosa, tem-me apoiado imenso, é ela que tem tomado conta de mim este tempo todo, para me ajudar a levantar. Dava tudo para que voltasses.
Acabei de me sentar no nosso sofá, junto à janela da sala grande, onde passávamos horas abraçados, vou pegar num livro teu, talvez assim sinta o teu abraço...
A vida é um sopro dizia o pedaço de papel que encontrei no interior do teu livro.
Como me arrepiei... Afinal sempre existes.
Não partiste!
Senti-te aqui!
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Manuscrito - Histórias que podiam ser a tua história
Non-FictionNeste livro compilo uma série de contos e histórias que fui escrevendo no meu blogue. Histórias sobre os mais diversos temas. Histórias que tocaram pessoas. Histórias que podiam ser a tua história.