Manuscrito - Histórias que podiam ser a tua história

"Permanência Contraditória"

Eram os seus dezoito anos, a tão desejada entrada na maioridade para poder voar para longe do controlo dos pais. Finalmente ia ter idade para fazer o tão desejado interrail com os amigos e para tirar a carta de condução. Já podia sair até mais tarde e pensar em assumir um namoro sério. Há meses que a Inês não falava noutra coisa, ia ser a festa do ano com todas as amigas juntas, jantar na esplanada de sempre e noitada de discoteca. Isso não poderia faltar, afinal de contas dezoito anos só se fazem uma vez na vida. No entanto, apesar de toda a euforia que sentia, a sua data de aniversário também lhe trazia alguma nostalgia, fazia-a pensar no Tiago, tinham sido os melhores amigos, tinham andado juntos na escola desde o infantário e ela achava que a amizade dele seria daquelas amizades que iria durar toda uma vida, mas enganou-se.

Ela fazia quinze anos, a idade de adaptação a todas as mudanças da adolescência, quando percebeu que muitas vezes há amizades e pessoas que não permanecem na nossa vida para sempre. O Tiago estava mudado. Já não queria fazer planos a sós com ela, nem lanches a dois ao fim da tarde, já não era tão cúmplice e tão chegado. Andava distante. Mais importante que a amizade que o unia a Inês, eram as partidas de futebol com os amigos e as investidas de Carlota. Para Inês, o afastamento inesperado de Tiago marcou-a profundamente, aquela tinha sido uma amizade que lhe tinha oferecido uma tremenda desilusão, ainda se falaram durante uns tempos, mas, já não era a mesma coisa. Faltava a magia de outros tempos, aquele elo, a união coesa que existia no início, por isso, Inês tomou a difícil decisão de se afastar, já não fazia sentido tentar manter-se em sintonia com Tiago. Já não fazia sentido remar contra a maré.

Desde esse desfecho, no dia do seu aniversário, passaram-se três anos. Nada mais soube sobre Tiago. Cruzavam-se ocasionalmente no Facebook, no Instagram e até mesmo na escola, mas o ambiente tornara-se comprometedor, vazio, eco. Eram agora dois desconhecidos que tentavam a todo o custo evitar-se. Tiago namorava com Carlota e parecia feliz. Inês ainda procurava a sua alma gémea.

Curiosamente, sentia-se sempre ansiosa no dia dos anos. Se por um lado, esperava com ansiedade por um contacto de Tiago, algo que a fizesse entender que afinal ele ainda não a tinha esquecido. Por outro lado, ela tinha medo do momento em que esse contacto fosse uma realidade palpável. Era fazer renascer a mágoa do passado que havia adormecido em si. Tentava acreditar que Tiago já não se lembrava daquela data tão sua.

O grande dia chegou cheio de telefonemas, de mensagens escritas no telemóvel e no Facebook. Era difícil dar conta de tudo, mas ela estava feliz por facilmente perceber que estava rodeada de grandes pessoas que naquele dia tão especial faziam por não se esquecer dela. Sempre ajudava a não manter Tiago na memória, isso parecia ser o mais importante. Aquele dia estava a ser uma grande azáfama entre os muitos detalhes para a grande noite que se avizinhava, Inês já estava há uma boa meia hora trancada no quarto a tentar escolher o melhor vestido, no entanto, não havia forma de se decidir.

Em cima da secretária o portátil estava ligado, aberto no Facebook, para ir vendo as mensagens de aniversário que ia recebendo e assim poder agradecer uma a uma. Tinha medo de se esquecer de alguém mais tarde. De repente, recebeu uma nova notificação que a fez estremecer, era do Tiago, afinal ele tinha-se lembrado daquele dia. A mensagem era simples, cordial e direta, umas meras felicitações, porém, não deixou de mexer com ela. Tinha-a deixado confusa. Há três anos que não queria saber dela, nunca tinha tido um telefonema ou uma mensagem para lhe enviar, tinha simplesmente seguido com a sua vida para a frente e agora tinha decidido lembrar-se que ela existia. Qual seria o motivo?

Na verdade, ela continuava a gostar dele, mas sentia-se magoada e triste pelo facto de só agora ele se lembrar dela. Nos últimos três anos tinha-se esquecido por completo. Quando ela menos esperava o chat do Facebook começou a piscar, era ele. Aquela ousadia fez com que ela quase paralisasse. Sentou-se à secretária enviou um Olá tímido. Tiago demorou a responder. Perguntou como estava e felicitou-a novamente.

Depois de um silêncio curto, surgiu o convite para um café. Inês ficou reticente em aceitar. Será que faria sentido. Não queria misturar sentimentos, não queria alimentar mais o alvoroço em que o seu coração se encontrava, mas, decidiu aceitar. Havia curiosidade e expetativa, mas também receio de nova mágoa e desilusão. Precisava de compreender os motivos daquela permanência contraditória e súbita dele na sua vida.