Cobras d'água

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Rio Tocantins, Cametá, Pará

Na manhã seguinte, após seu café da manhã, Sukuyu'wera e Norato levaram Bóris e Sara ao Rio Tocantins.

— Observem, meus jovens — começou a senhora, apontando com seu cajado — esse rio é curso de água que nasce na Serra Dourada, em Goiás, passando por Tocantins, Maranhão e Pará. É o segundo maior rio brasileiro. Quando puder se tornar Boitatá, a enorme serpente de fogo, vocês usarão esse rio para voltar para Goiás.

— Entendido. — disse Bóris

— Tudo bem uma cobra de fogo nadar? — perguntou Sara

— Uma das habilidades do Boitatá e virar um tronco na água. Salvava pescadores de se afogarem. 

— Isso é incrível! — Sara estava animada — E o que eu faço até ele virar uma cobra?

— Treine mais suas capacidades com o vento. — respondeu Sukuyu'wera — Percebo que ainda usa muito o gorro vermelho. 

— Ah, sim... — Sara o tirou da cabeça.

Pôlo havia advertido que o gorro era uma ajuda, mas havia acostumado tanto com a facilidade que ele trazia que até esquecia de tirar. O pôs no bolso da calça, faria um esforço para não usá-lo. Tentou invocar os ventos, haviam se tornado mais pesados do que o normal, mesmo já sabendo a técnica.

Enquanto isso, Bóris Tadeu foi levado as margens do rio:

— Foi por aqui que eu vim pra cá. — disse Norato — Nadei até chegar nessa cidade, onde pude deixar minha pele de cobra e ser um homem normal.

— E o que eu devo fazer? — perguntou Bóris

— Pode sentar e relaxar. — instruiu Sukuyu'wera — feche os olhos.

Bóris obedeceu, se concentrava conforme ela dizia. Começou a sentir, mesmo com os olhos fechados, que podia enxergar.

— Muito bem. — começou a senhora — Vejo que pode abrir os olhos de fogo. Continue assim e escute o que vou lhe dizer: visualize o animal que vai se tornar, esses répteis de corpo longo e esguio, coluna flexível, cobertas por fileiras de escamas. Pense em como elas trocam de pele! Sim! Você trocará de pele, se tornará uma enorme serpente! 

Bóris se lembrava do enorme Boitatá, seu guardião, como se encaixava na descrição. Era o que devia se tornar, deu uma boa olhada nele em sua mente, pode enxergar de verdade, sem os óculos escuros para escurecer sua visão, foi uma das poucas coisas na vida que pôde olhar de frente sem temer consequências. Norato e Sukuyu'wera olhavam atentos, a transformação ocorria devagar, as escamas surgiam aos poucos.

Enquanto isso, Sara meditava sentindo os ventos. De repente, sentiu algo estranho. Apressou-se em pôr o gorro na cabeça, precisava ter certeza e não estava pronta para usar o vento sem ajuda. Os olhos fechados, aquele vento todo indicava a presença de alguém ali, mas agia de forma estranha, como se desaparecesse do nada e reaparecesse em outro lugar:

— Revele-se! — Sara abriu os olhos

Um portal se abriu, de lá saiu uma bela mulher indígena que possuía algumas "manchas" claras em sua pele, semelhante ao vitiligo. Nas costas e nos braços carregava cascos de tartaruga, como escudos. Sorriu de forma clínica:

— Estou impressionada que realmente conseguiu me encontrar, Saci. 

— Você... Você deve ser Jururá-Açu! 

— Já sabe sobre mim? Ótimo. — levantou os punhos, se pôs em posição de ataque — Isso me poupa o trabalho.

Ela avançou para cima de Sara,  mas a garota era treinada na capoeira, usou a negativa, movimento de esquiva em que se abaixa até ficar rente ao solo, com uma perna estendida e a outra flexionada para desviar do oponente, então fez o Martelo, golpe com o peito do pé. Jururá-Açu levantou o escudo de casco de tartaruga, bloqueando o ataque. Sara se levantou, deu um giro com o corpo e chutou com o lado externo do pé, o golpe chamado "Armada", acertando-a e empurrando para trás. Jururá-Açu criava portais, entrava e saía do submundo, assim aparecendo onde quisesse. Sara dependia do vento para encontrá-la, criava seu furacão para ir atrás dela. Sua estratégia parecia funcionar bem, até a inimiga jogar um casco como se fosse um disco na direção de Sara. A garota se esquivou, mas o objetivo real foi alcançado: o gorro havia caído no chão. Antes que pudesse pegá-lo de volta, a mulher se transportou mais pra perto e o pegou primeiro. O exibia como um prêmio:

Os Guardiões de TupãOnde histórias criam vida. Descubra agora