Mau presságio

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Salão dos Deuses, Vale da Lua, GO

Beto ainda estava no quarto, sabia que precisava se levantar, ficar ali não resolveria nada. Dobrou seu cobertor, esticou o lençol, olhava em volta, todas as camas vazias, umas mais arrumadas do que as outras. Acabou esboçando um sorriso ao se lembrar de casa, mesmo que dormissem em redes. Respirou fundo, precisava pensar no que faria. Sempre soube que enfrentaria o Pirarucu, nunca foi novidade, já que o deus Xandoré o cobrava para ser forte, mas agora que sabia a verdade, se questionava se aquilo era o que os deuses queriam. Seu maior objetivo de vida era salvar pessoas de se afogarem, e agora ele mesmo estava se afundando sem saber como pedir socorro. Saiu do quarto de cabeça baixa, uma voz feminina o chamou:

— O que o aflige, meu jovem?

Ele levantou a cabeça, se tratava de Catxuréu, a deusa da morte. Sua reação natural foi colocar a mão sobre o pescoço, mas não sentiu seu colar. Mesmo não tirando o que houve de sua mente, ainda era como se "esquecesse" que já não o tinha mais. A deusa se aproximou, tinha uma aura assustadora, mas ao mesmo tempo, cheia de paz:

— Quer falar sobre sua mãe? — ela perguntou

— Eu... Eu não sei...

— Muitas pessoas evitam falar sobre a morte, a temem. Eu entendo que minha presença o assuste.

Beto baixou a cabeça:

— Eu sei que minha mãe se foi há muito tempo... Mas mesmo assim me dava forças pra continuar em frente...

— O que mudou agora? O espírito dela ainda habita seu coração e o de seus irmãos.

— O que mudou... — ele coçava a cabeça — é uma boa pergunta... Acho que estou com medo de perdê-la de vez...

— E como isso seria possível? — Catxuréu tinha um tom calmo em sua voz, quase como uma melodia melancólica

— Eu sempre achei que... Que por mais que tivesse sido uma tragédia... Achei que ela tinha partido de forma natural, levada pelas águas do rio... — levou as mãos ao rosto — Mas há um culpado, alguém a levou e eu estive frente a frente com ele... Eu não pude fazer nada...

— Estava cansado, meu jovem boto. Ninguém o culpa por não poder lutar naquela ocasião.

— Mas e depois? — perguntou Beto — eu vou conseguir lutar? Como vou vencer um cara de dois metros conhecido por matar gente por diversão? E o que devo fazer quando estivermos frente a frente? — ele balançava a cabeça, andava de um lado para o outro, mexia os braços — Se eu matá-lo, não serei igual a ele? Mas se deixá-lo vivo, então sou fraco? Eu não sei o que devia fazer... Nunca quis tirar a vida de ninguém, e agora nem sei dizer se isso é o certo ou não... Minha mãe vai ficar decepcionada se eu matar ou se eu hesitar? Como meu pai vai reagir? E se meus irmãos me odiarem por matar? E se me odiarem por não ter me vingado quando podia? O que eu faço?

Catxuréu entendia seu desespero, suas dúvidas.

— Independentemente do que escolher, com certeza não será como Pirarucu. Ele matava por prazer, tive de guiar muitos inocentes que pereceram em suas mãos. Você, meu jovem, sente a culpa pelo peso da morte, isso já é uma grande diferença.

— Mesmo que me diga isso, ainda não sei se é certo... Digo... Malu também quer matar o próprio pai, quem sou eu pra falar que não deve?

— O caso dela também é complexo, não sei se cabe compará-los. Rudá, deus do amor, vem tentando fazê-la repensar. Nós repudiamos totalmente o comportamento do genitor dela, mas não podemos deixar que a garota manche suas mãos de sangue, pois nada no mundo as lavará.

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