Povo Kaingang

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União da Serra, Rio Grande do Sul

Malu agora se sentia mais leve. Após tantos anos, finalmente seu pai pagaria por seu crime. Sua mãe ainda precisava ficar na clínica mais um tempo, reviver o passado foi muito duro pra ela, embora se sentisse melhor graças a prisão do sacristão.

A gaúcha convidou Bóris para entrar em sua casa, sabia que ele não se recusaria a almoçar.

O lugar não era muito grande, já que somente pertencia a ela e sua mãe. Foi para a cozinha, depois de tantos meses fora, era de se esperar que precisava ir ao mercado primeiro. Respirou fundo.

— Eu preciso sair, já volto.

— Se for por minha causa, não precisa se preocupar. — batia nos bolsos — Os deuses me deixaram trazer umas coisas. Posso dividir contigo se quiser.

— Eu vou ter que ir no mercado de qualquer jeito. Os deuses me deixaram mal acostumada.

— E se eu convidar você pra almoçar lá em casa ao invés disso?

Ela ficou pensativa. Mesmo depois de todo esse tempo, havia muita coisa sobre ele que ainda não sabia. Não que fizesse diferença, não tinha como ter um segredo mais pesado do que as mortes por trás de seus olhos.

— Vem comigo. — ela falou, o guiando para fora, de volta ao estábulo. — Gosta de algum deles? — perguntou apontando para os cavalos.

Ele não sabia o porquê de uma pergunta tão repentina, mas ajeitou seus óculos para observá-los:

— Todos são muito bonitos. — respondeu

— Isso eu concordo. — ela os olhava com muita ternura, sentia falta disso — Mas quero que escolha um.

Ele estava atento ao comportamento deles, achou um realmente encantador, com a pelagem marrom e a crina preta.

— Aquele ali.

— Ótimo. — ela assobiou para chamá-lo, ele veio alegremente. Gentilmente ela o tirou do estábulo, em seguida, chamou um segundo cavalo para montar. — Quero que tu monte no que escolheu. Sabe guiar?

— Não tenho certeza...

— Eu te ajudo. Ele não vai te derrubar.

Bóris ainda não estava entendendo bem aquele comportamento repentino dela, mas obedeceu. Já havia montado com ela algumas vezes, acreditava dar conta.

— Quando tu começar a andar, vai se sentir estranho e desequilibrado, — ela falava com uma calma que ele nunca viu antes — pode se sentir incapaz de fazer com que todas as partes do seu corpo façam todas as coisas que devem fazer ao mesmo tempo, mas com prática vai conseguir. Eu vou ficar aqui do lado pra te ajudar.

Ele olhava pra ela, um tanto surpreso.

— Que foi, tchê? — ela perguntou, agora com seu tom zangado normal — Por que tá quieto?

— Nada, eu só estou... Impressionado.

— Todos os cavalos desse estábulo são meus, mas eu também cuido dos cavalos de outras pessoas, até ensino a montar também. É com isso que tenho condições de pagar a clínica da minha mãe.

— Dá aulas de equitação?

— Eu só sei lidar com cavalos. Tu me ajudou a controlar meu fogo, te devo essa.

— Você não me deve...

— E quero que aceite o cavalo que escolheu como um presente, já que fiz tu vender a bicicleta.

— Você não precisa...

— E eu agradeço não ter entrado na Igreja. — ela continuou — tenho certeza que sentiu o fogo lá dentro, sabe que eu perdi a cabeça.

Os Guardiões de TupãOnde histórias criam vida. Descubra agora