Iago

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São Paulo de Olivença, Amazonas

A casa era próxima ao Rio Negro e ao Solimões, o pajé tinha três filhos: Igor, Iago e Ivo.

Igor era o mais velho, se achava demais, por vezes saia a noite sem avisar nada e só voltava várias luas depois. Ivo, o caçula, achava que todos deviam fazer as coisas por ele, por ser o mais novo. Iago, o filho do meio, era o mais responsável dos três. Várias vezes seu pai elogiava suas ações, deixando os outros dois com inveja.

Iago começou cedo seu processo de hormonização, o pajé deu ordens ao resto do povoado para que Iago sempre fosse tratado no masculino, como desejava. 

Iago era adorado pela aldeia, seus passatempos preferidos eram nadar e cantar. Quando se sentava em uma pedra no campo onde os trabalhadores rurais estavam, todos o escutavam cantar, sua bela voz entrava no coração de homens e mulheres, arrancando sorrisos e suspiros.

Conforme crescia, sua beleza se destacava: sua pele vermelha característica do povo Ticuna, seus longos cabelos esverdeados, os olhos castanhos. Seus seios eram pequenos, mas usava um binder para escondê-los e roupas largas para não marcar seu corpo.

Uma noite, enquanto dormia, Ivo e Igor começaram a tramar uma forma de se livrar dele: o plano foi espalhar várias folhas secas em seu quarto e em seguida fazer uma fogueira, fazendo parecer um acidente. Iago acordou com os barulhos dos passos, os viu com tochas:

— Irmãos? O que estão fazendo?

— Você logo vai descobrir!

Igor pôs fogo, Ivo barrava a porta:

— O que é isso? Por que estão fazendo isso?

— Papai logo terá que escolher outro favorito!

As chamas se alastravam, Iago desesperadamente batia na porta, tentando sair. Tomou impulso e se jogou com tudo na porta, a abrindo de supetão e derrubando os dois que a seguravam. As chamas começaram a se espalhar por todo o lugar, a fumaça chamou a atenção do povo, muitos indígenas correram carregando a água dos rios. Iago saiu vivo, mas seus irmãos não tiveram a mesma sorte. 

O pai deles ficou sabendo do ocorrido, como a casa incendiada desabou em seus filhos. O pobre coração do pajé não suportou a notícia, Iago acabou ficando sem família.

Desesperado e desamparado, ele se atirou no rio, mas os peixes não deixaram ele se afogar, uma voz lhe dizia que ainda não era a hora. 

Sobreviveu, fugiu de seu povoado, não aguentaria ter que ficar explicando o que houve, a lembrança de como era odiado pelos irmãos, a casa em chamas. Seguiu a correnteza, guiado pelos peixes. Viveu nas ruas até que alguém chamou o serviço social e foi abrigado em um orfanato. Ainda não tinha 18, então lhe permitiram ficar. 

Era um dia de visita, dois homens queriam conhecer as crianças, um era alto, negro, com dreads no cabelo, camisa social. O outro era amarelo, olhos puxados, um pouco mais baixo. Usava camisa pólo e jeans. Iago os observou de longe, não demorou para entender que eram casados atrás de uma criança para adotar. 

O casal já havia passado por todo o processo burocrático de apresentação de documentos, feito a petição para inscrição de adoção, feito os dois meses de curso de preparação psicossocial e jurídica, foram submetidos à avaliação psicossocial com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica interprofissional, formada por psicólogos e assistentes sociais, foi encaminhado o laudo da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, enfim o juiz deu sua sentença para que o nome deles fosse ao CNA e entrassem na fila de adoção, onde seriam selecionadas as crianças com o perfil desejado para se entrevistar. Iago se encaixava no perfil desejado por eles, então o histórico de vida dele foi apresentado aos casal, para decidirem se seguiriam ou não com o processo.

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