Presente dos deuses

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Tudo parecia ter sumido ao seu redor. Não sentiu seu corpo, nem suas pernas quando começaram se movimentar indo em direção a sua mãe. Todas as memórias vieram como um flash em sua mente, sua mente estava trabalhando sem parar. Sua alma saíra para fora de seu corpo, escutava as batidas de seu coração na sua cabeça.

Tum, tum, tum, tum, tum.

E quando ele disse aquela única palavra, quando a sua mãe o chamou, seu mundo desabou.

De repente estava naquela cela escura novamente, a porta destrancou, ouviu a voz de seu pai.

-Seja rápido! -o macho grunhiu.

Azriel subiu correndo as escadas, as mãos latejando na carne viva, não tinham cicatrizado ainda.

-Mãe! -ele choramingou quando chegou na porta da frene de sua casa, a fêmea se controlava muito para não deixar as lágrimas rolarem por seu rosto, não deixar transparecer o desespero dela para o filho.

-Vocês têm uma hora. -seu pai cuspiu novamente e entrou na casa.

Azriel se agarrou a mãe enquanto iam para o casebre que ela vivia no acampamento. Chorando baixinho conforme a fêmea passava um óleo para dor em suas mãos.

-Você é forte meu filho, não deixe eles te intimidarem. -Ela disse num sorriso fraco.

-Eu queria ficar com você... -Azriel estava de pé, sua mãe ajoelhada diante do pequeno.

-Eu também querido, mas não podemos. Você sabe que se vier comigo, se pai vai ficar muito bravo. -Ela enrolava um pano manchado com unguento nas mãos pequenas do filho.

Toda semana, durante uma hora Azriel podia ver sua mãe. No entanto, aos seus irmãos por parte de pai, os via todos os dias, mesmo contra sua vontade. Sempre arranjavam algum motivo para descerem até o quarto escuro que ele passava todos os dias. Já tinha se acostumado a olhar para o vazio da escuridão, era a mesma sensação de estar dormindo, com os olhos fechados na escuridão completa. Mas as sombras do quarto ficavam cada vez mais densas, como se tivessem criado corpos ou formas e fazia companhia a ele todos os dias.

Aquela hora já tinha se passado quase por completo, sua mãe teria que ir embora e ele voltar para a cela. Deu um abraço forte em sua mãe, se recusando a soltá-la.

-Az, quero que me prometa uma coisa... -Ela disse segurando o rostinho pequeno do filho. -Quero que me prometa que você vai lutar. Lutar até não aguentar mais, até suas forças acabarem. Faça das sombras suas armas, não deixe eles te afetarem está bem?

-Eu prometo. -Azriel disse e ouviu a voz desgostosa de do homem que chamava de pai.

-Pare de mimá-lo Quyara, o moleque nunca vai se tornar um macho se você o tratar como uma criança.

-Talvez seja porque ele é uma criança. -Quyara respondeu com o queixo erguido.

-Cale a boca sua vagabunda, lembre-se com quem está falando.

-Como se eu pudesse esquecer...

-O que disse?

-Estou indo embora, meu bem. Sempre vou votar para você. -Quyara ignorou o macho e deu um último beijo em Azriel que seguiu para dentro da casa com cabeça baixa.

Azriel voltou para o presente, para o que estava à sua frente. Não poderia ser verdade, depois de tantos anos, dizia para si mesmo que sua mãe estava viva, mas no fundo sabia que dizia isso a si mesmo para continuar lutando e lutando, cumprindo a promessa feita à sua mãe, a fêmea à sua frente.

-Como... como isso é... você está viva. -Azriel nunca fora de falar muito, mas sempre sabia o que dizer, por mais que guardasse para si. Mas naquele momento, não tinha palavras, a língua estava inchada, a garganta apertada e seca.

-Claro que estou. Eu disse que sempre voltaria para você. -Quyara passou a mão pelo rosto do filho, da última vez que o vira, ele era um menino com onze anos, antes de ser levado para acampamento e ela se ver presa sobre uma maldição do feiticeiro. Agora ele era um homem feito, um macho forte e com quase o dobro de seu tamanho. Quyara não poderia descrever a alegria que estava a invadindo naquele momento, Azriel lutara, e usara das sombras suas armas.

Finalmente ele abraçou sua mãe, deixando toda aquela máscara fria para trás, todo aquele ressentimento, aquela culpa por não ter conseguido salvar sua mãe. Tudo estava para trás, nada mais importava, agora que tinha uma parceira que o amava e que sua mãe estava de volta.

~

Gwyn observou com os olhos ardendo, Azriel e sua mãe se abraçarem. Nunca achou que viveria um momento tão intenso como aquele.

Depois do reencontro de mãe e filho, Az apresentou sua parceira para sua mãe.

-Mãe, essa é Gwyn... -Orgulho brilhou nos olhos do mestre-espião ao dizer. -Minha parceira.

-Sabia que o cheiro que estava nela era familiar. -Quyara brincou e aliviou a tensão nos ombros de Gwyn. -Muito obrigada minha querida, por ter cuidado do meu filho. -Estendeu a mão para pegar a da sacerdotisa.

-Eu faria de tudo por ele senhora. -Gwyn aceitou a mão e apertou forte.

-Quyara. Quero que me chame de Quyara, afinal... somos família agora, não é? -Azriel bufou uma risada, sentiu tanta falta daquela personalidade de sua mãe, quando se encontravam, ela tentava ao máximo faze-lo rir e esquecer por pelo menos uma hora dos problemas que tinham.

-Não sabe o tamanho da felicidade que estou sentindo agora. -Gwyn disse sorrindo afavelmente.

-Posso imaginar. -Quyara disse lançando um olhar para o filho, que sorria feito bobo para as duas fêmeas da sua vida. -Só basta estar perto de vocês dois para sentir a felicidade e o amor exalando dos dois.

Azriel riu de novo, e pela primeira vez, estava agradecido aos deuses por lhe proporcionarem um momento de paz e felicidade, depois de tudo o que passara.

-Vamos. Tenho certeza de que você está faminta e cansada. -Gwyn disse enganchando o braço em Quyara.

-Você não faz ideia... -Quyara sorriu para Az quando ele segurou as duas e voou para a Casa do Vento.

Corte dos Sonhos e PesadelosOnde histórias criam vida. Descubra agora