Monstros antigos

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-Ele escreveu o diário inteiro na língua antiga dos feéricos. -Az observou se sentando mais próximo de Gwyn para poder folhear o diário.

A cama se mexeu em resposta.

-Pode ser que do existia essa língua quando ele escreveu. -Gwyn respondeu não tirando os olhos do caderno em suas mãos.

-Ou ele se preveniu para que ninguém conseguisse entender o que está aqui. -Az apontou para as frases escritas. As folhas estavam amareladas, e a tinta um pouco clara, mas ainda sim dava para ler.

Gwyn deu um sorriso travesso e dirigiu o olhar para seu parceiro.

"Gwyn sabe ler essa língua" as sombras a pegaram de surpresa, as vozes sussurrando no quarto.

-Como sabiam? -Gwyn olhou encantada para os arabescos escuros das sombras, saltitando ao seu redor.

-Você está ouvindo-as? -Azriel perguntou chocado.

-Claro que estou, por que não deveria? -Gwyn estendeu a mão e as sombras a contornaram.

Azriel olhava encantado para a cena ao seu lado, em seus quinhentos anos, ninguém jamais fora capaz de escutar suas sombras, não sabia se eram elas que não queriam ser escutadas ou se os outros não eram capazes do feito.

-Ninguém nunca ouviu antes, era só eu. -ele confessou.

"Nós sempre estivemos aqui, mas só os merecedores nos escutam."

As sombras responderam.

-Eu queria poder ser uma encantadora de sombras também, sempre ter a companhia delas. -Gwyn se sentia uma criança quando ganhava algo novo, não conseguia deixar de tocar de sentir, e inerte no encanto do objeto.

"Somos suas também. "

Azriel podia jurar que viu os olhos cheios de lágrima de sua parceira. A felicidade o invadiu de um jeito diferente, Gwyn era sua igual, sua parceira e tudo que era dele era dela também, até mesmo suas sombras.

-Onde você aprendeu a ler a antiga língua? -Az perguntou, encostando na cabeceira da cama e puxando Gwyn consigo. -A única que sabia falar essa língua era Amren, mas...ela não está aqui.

Gwyn engoliu seco.

-Em Sangravah, tinham alguns livros mais velhos e valiosos que ficavam numa sala trancada dentro da biblioteca. -A sacerdotisa pegou uma mecha ruiva e enrolou nos dedos. -Quando me pediam para ir até lá, sempre pegava algum escondido para ler, mas todos eram nessa língua...então eu não entendia nada.

-Você aprendeu sozinha? -Azriel perguntou surpreso.

Gwyn acenou com a cabeça.

-Comecei a anotar as palavras num caderno e pesquisar nos livros as traduções. Comecei com palavras simples, orações e feitiços de cura. -Sua boca despejou palavras facilmente, se fosse com outra pessoa em outra ocasião não conseguiria falar sobre Sangravah com aquela normalidade. -Minha irmã me viu um dia sentada num canto da biblioteca com pilhas de livros espalhados, e começou a me ajudar. Quando não estávamos no templo, fazendo orações e oferenda para os deuses, estávamos na biblioteca.

Eles se encararam por alguns segundos, por aquela confissão.

-Você tem que mostrar a Rhysand, contar a ele o que achamos. -Gwyn piscou afastando as lembranças daquele tempo, de sua irmã e de como as coisas eram fáceis para ela.

Azriel concordou com a cabeça.

-Já conseguiu traduzir alguma coisa?

-Sim. -Gwyn olhou para o encantador de sombras com um olhar receoso. -Koschei escreveu sobre como o mundo se desenvolveu, o mundo dos feéricos.

Ela apontou para o primeiro parágrafo na primeira na primeira folha. Muito antes da formação de Prythian, e muito antes do Caldeirão e da Mãe, Koschei viveu em uma dimensão diferente com seus irmãos Stryga e o Entalhador de Ossos. Ele, ao lado de seus irmãos, caiu no mundo e devido ao seu imenso poder, foram adorados por feéricos ancestrais. Koschei e Stryga adoraram a atenção, embora o Escultor de Ossos não tenha gostado tanto. Uma guerreira feérica enganou Koschei e conseguiu diminuir seu poder. Ela o confinou em um lago no continente, onde ele fica preso. A mesma guerreira confinou Stryga ao Meio e o Escultor de Ossos foi enviado para a Prisão. Mas o que era mais estranho para Gwyn, era a como o feiticeiro descreveu aquela época. Ele mencionava os monstros existentes, que não haviam muitos feéricos para habitarem Prythian, somente as bestas vindas do inferno junto com eles. Um deles, eram os anjos da morte, criaturas imortais e letais, completamente sedentas por sangue, matavam e matavam somente pelo prazer. Koschei, sozinho no mundo, adotou uma daquelas criaturas para ser seu aprendiz, para usá-lo a fins próprios. Amren não tinha humanidade, não tinha sentimentos, e com o passar dos anos vivendo com Koschei, foi aprendendo e adquirindo conhecimento sobre o mundo, quando um dia, atacou seu criador. Sendo enviada para a Prisão, ficara milhares de anos, presa e durante esses anos, Koschei fez pesquisas e experiencias para poder separar a alma do corpo bestial dela. Apesar de não ter acesso a grande parte de seu poder, o feiticeiro deu a opção de escolha para a feérica.

-Ela nos tinha dito que escolheu... tinha escolhido um corpo para habitar, mas que a fera dentro de si ainda estava lá dormindo. E depois de Hybern, ela ficou presa naquele corpo, sem poder. -Azriel respondeu.

-Mas não tem como ela deixar de ser um Anjo da Morte. Isso faz parte dos planos de Koschei, ele perdeu o controle sobre Amren e a mandou para a Prisão, para tentar reparar seu erro. -Gwyn disse baixo, as coisas ligando aos poucos em sua mente.

-Eu acho que... não sei, acho que Amren é alguma peça final para Koschei se libertar.

Ele estava certo, o guerreiro que prendera Koschei no lago, dissera que somente quando Amren morresse, quando a ultima peça de seu feitiço se encaixasse ele estaria livre.

-É por que ela é. Com a morte de Amren, o poder angelical mortal, passará para Koschei, e o feitiço será quebrado. -Gwyn declarou. O tempo parou, o ar se foi de seus pulmões, silencio se instalou por toda Prythian.

Azriel praguejou baixinho, se Koschei quebrasse a maldição, libertaria todos os monstros antigos, que uma vez foram enviados para inferno e não voltaram. Ele queria ressuscitar um exército inteiro, uma legião de bestas. Somente se Amren morresse.

-Acho melhor eu ir falar com Rhys mesmo. -Azriel sentiu a mudança no ar, aquele medo de uma próxima possível guerra, uma possível matança.

-Acho melhor mesmo. -Gwyn sussurrou, e naquela noite ela não conseguiu dormir. Passou todo o tempo lendo e lendo aquele diário, tentando descobrir uma forma daquilo não acontecer. 

Corte dos Sonhos e PesadelosOnde histórias criam vida. Descubra agora