ღ CAPÍTULO 40 ღ

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Beatriz


      AS PALAVRAS TRANSBORDAM. Sinto a força de cada uma inundar os meus pensamentos em uma avalanche de significados e definições, me encharcando de novas possibilidades e me afogando com a verdade que eu mesma me forcei tanto para apagar de minha mente. Fui ingênua ao não pensar que não era da mente que eu devia apagá-lo e sim, do coração. E foi Dante, com os seus malditos olhos azuis que trouxeram esse oceano que me fascina e me apavora de volta a minha vida.

      AMOR...

      Esse sentimento, essa incógnita, essa palavra na qual todos muitas vezes usam de forma tão desnecessária e banal, não pode ser simplesmente apagado. Não se pode sequer ser encobrido e olha que eu juro que tentei. Tentei de múltiplas formas me fazer acreditar em sua inexistência.

      Mas...

      Às vezes o que nos esforçamos a acreditar é apenas um disfarce para aquilo em que realmente acreditamos.

      E eu acredito. Sempre acreditei. Sempre o idolatrei quando o via presente na literatura que tanto se faz presente em minha história, assim como sempre o julguei necessário para nos manter vivos. Nos manter humanos. A verdade é que eu não acreditava nas pessoas. Na capacidade delas em amar alguém de forma tão verdadeira, profunda e avassaladora sem se deixar cair no personagem. O amor não se pode ser encenado. O amor tem que ser vivido.

      E agora, eu estou usando as palavras para transpor isso e tudo mais que essa simples palavra de quatro letras e demasiados significados adquiridos através do tempo em um trabalho de filosofia que teve seu prazo encerrado a um dia atrás.

      Se este é um trabalho perdido?

      Com toda certeza!

      Eu poderia simplesmente voltar para a festa e tentar curtir a mesma com as minhas amigas, poderia estar neste momento fazendo uma breve caminhada ao redor do pequeno lago do parque que parece bem mais calmo durante a noite ou apenas continuar sentada neste mesmo lugar sem fazer nada além de fechar meus olhos, expulsar as batidas que me alcançam e relembrar dos momentos que se desenvolveram a tão pouco tempo atrás. A imagem de Dante me encontrando, o gosto de seus lábios nos meus, a eletricidade que atingiu meu corpo naquele instante e as maravilhas que a falta de palavras me trouxera ali.

      Mas cá estou!

      Apta em não só despejar todas essas palavras que agora saltam de meus dedos para o celular, como também desejando ardentemente que o mudo as veja. Que todos entendam o real significado dessa palavra que nos torna humano. Claramente sei que não será isto que irá acontecer, mas o que sempre vale é a intenção e a minha não é somente entregar este trabalho ao Sr. Sccuder por uma nota em meu boletim, mas também para de alguma forma agradecer ao trabalho proposto.

      Quando finalmente encaminho o trabalho ao meu professor e a Dante, sinto algo dentro de mim evaporar por completo, me sinto leve e extasiada por este simples ato. Para qualquer outra pessoa isto poderia não significar nada, mas para mim, é como se um padre estivesse agora em minha frente, com um crucifixo de madeira pendurado em suas mãos e de sua boca, palavras em latim saíssem sem parar. Eu sinto como se estivessem exorcizado o demônio presente em meu corpo. Eu me sinto novamente livre das amarras em meu coração.

      Um piar agudo e longamente melancólico rasga a noite me sobressaltando. Apago a tela de meu celular e me atento a minha volta. Poucos minutos se passam com apenas a brisa da noite como minha companheira quando novamente o som terrivelmente assombroso se faz presente em meus ouvidos. Olho para cima a tempo de ver a sombra de uma pequenina coruja no alto de um galho da magnífica árvore acima de mim.

      Sorrio.

      Superstições...

      O piar de uma coruja nunca soa como um bom presságio para aqueles que acreditam nessa teia célebre que percorre muitas vidas através dos anos que se passam, apenas para se engrandecer cada vez mais pela boca das pessoas e nunca ter a sua veracidade comprovada.

      Apesar de carregarem as mais diferentes e ousadas histórias intrincadas em seus cernes, elas nunca deixaram de ser apenas isto, histórias. Mas, poxa! São as histórias contadas não só por uma, mas muitas pessoas através de gerações e mais gerações que não perdem o seu brilho e jamais são depreciadas pelo tempo. E é nestes momentos que me pego vendo o quanto essa cultura humana, talvez não seja demasiadamente ruim para todos nós e para o mundo que um dia viremos a deixar.

      Eu sei o quanto tudo isso soa contraditório.

      Mas...

      É apenas a vida e as suas diversas facetas.

      Me levanto pronta para voltar a festa enquanto Dante não volta. Ouço o barulho de asas batendo quando a ave se assusta com o meu gesto e se perde na escuridão repleta de pontinhos de esperança e luz. Essa noite realmente foi um marco em minha vida. O "plot twist" de todo livro de romance.

      Percorro o caminho a passos lentos, seguindo apenas o som impossível de ser encoberto que salta da festa para perfurar os ouvidos dos que ousam tentar se afastar da mesma. Não entendo como até este momento algum morador desta cidade não tenha recorrido as autoridades. Logo paro me deparando com o ninho de alunos e possivelmente não alunos bêbados que se encontram espalhados pelo gramado ao redor da casa do outro lado da rua. As conversas, o cheiro e toda a correria de pessoas que andam para lá e para cá num ritmo freneticamente alucinante se tornou bem bizarro conforme a madrugada avança para o seu âmago.

      A visão não é nada agradável como mostram nos muitos filmes adolescentes...

      Por um instante penso em recorrer ao meu celular para ligar para Sam. Encontrá-la neste palheiro será praticamente uma missão impossível, senão já fadada ao fracasso. No entanto, meus olhos são impulsionados para uma outra direção. Um pouco mais a distante, do outro lado da rua, andando a passos rápidos e até um pouco saltitantes se estivéssemos dentro de uma comédia romântica, está ele.

      Seus olhos, os malditos olhos cor do oceano que tanto quis me afastar ainda não foram capazes de captar a presença castanha dos meus. Sorrio ao observar Dante em sua nova jaqueta de couro preta, com a bolsa de seu violão nas costas e o semblante feliz ao caminhar pela calçada completamente alheio a mim. Até que o destino resolve se encarregar para consertar isto e tornar este o momento perfeito.

      Seus olhos finalmente me enxergam.

      Em um ímpeto violento meu coração já toma conta de todas as minhas ações. Quero correr para os seus braços. Preciso desesperadamente disso! E é isto que faço sem sequer pensar duas vezes. A cena de um encontro entre duas pessoas amadas se desenrola em minha mente. O órgão em meu peito sendo o único responsável por todo esse ato de amor, o sentimento que até pouco tempo atrás eu lutava para dizer a todos que não existia.

      No instante que se segue vejo um lampejo de algo passar pelos olhos de Dante e a cena em minha mente se desfigura por completo ao ter o meu rosto iluminado por uma luz branca azulada e cegante. As mesmas que também iluminaram Sam por um mísero segundo mais cedo antes que Jordam a tirasse da frente de um carro. De um dos vários carros que se encontravam por aqui e que neste momento, já devem possuir os seus motoristas com o álcool em doses altas correndo por suas veias.

      E assim como é rápido se apaixonar por alguém, sinto o quanto tudo o que acontece a seguir se passa em uma velocidade absurdamente rápida por mim e tudo o que sobra...

      É a visão de olhos azuis em desespero.

      E a dor. 

AMORES ETERNOS - A História de Dante e BeatrizOnde histórias criam vida. Descubra agora