Dante
ESPERO CHAMAREM O SEU NOME. Leawood é uma cidade pequena, não é como se houvessem um grande número de alunos se formando neste ano. No pátio da escola construíram um pequeno palco onde cada um aqui terá de subir os poucos degraus para buscar o tão aguardado canudo. Ao longo do espaço restante, diversas cadeiras foram dispostas em dois grupos, formando um corredor livre que servirá de passarela para a maioria dos presentes. Os pais e familiares desta vez poderiam optar em assistir à cerimônia ou apenas comparecer na festa que haverá logo depois. Não deve ter sido uma escolha muito difícil, visto que são poucos os adultos a aguardarem o momento de triunfo dos seus filhos. Decidiram seguir a ordem alfabética como sempre fora, porém, não foram os nomes os escolhidos e sim, os sobrenomes de cada um dos alunos. E eu realmente, não tinha a pretensão de ficar tempo o suficiente para ouvir eles chamarem o seu nome por engano.
Ele ecoa pelas caixas de som, cessando o murmurinho baixo e quase inexistente dos alunos. Sinto uma mão quente repousar firme sob a minha quando os olhares se viram em nossa direção, meu peito se aperta e sei que ela também desejaria que tudo fosse diferente. Não preciso olhar para saber que os seus olhos deixaram escapar algumas lágrimas, borrando a maquiagem que certamente levara tempo para ser feita. Samantha fora a sua melhor amiga desde que eram pequenas e a dor que sinto em meu peito, se multiplica dentro do dela.
Uma semana se passou desde que o dia que seria o melhor da minha vida se tornara o pior deles em questão de poucos instantes. Instantes estes, que se tornaram horas de aflição e medo enquanto faziam o possível para reacender a chama em seu corpo, para somente depois, saírem pelas portas duplas da sala cirúrgica daquele hospital e nos derem a notícia de que você não havia suportado. Os poucos dias que seguiram até hoje não passam de borrões negros em minha cabeça.
Todos a amavam.
Sua mãe, seus irmãos, suas amigas e muitos dos professores e moradores desta pequena cidade. Não sou o único que está a sofrer neste momento e tampouco fizemos algo por merecer esse sofrimento. E para ajudar com essa dor que sinto, a raiva de não terem encontrado o responsável que dirigia aquele maldito carro se multiplica enquanto o tempo passa e a verdade de que ele sairá impune disso tudo aumenta cada vez mais.
Um longo momento de constrangimento se segue para o homem em cima do palco, a diretora em sua saia justa parece travar uma luta com a roupa que a impede de correr até ele e dizer brevemente o motivo de uma das suas alunas não estar presente em sua própria formatura.
Procuro manter a minha atenção lá em cima, alheio a todos que me observam. Saber que fiz isso durante a minha vida inteira de maneira tão natural e hoje tudo o que eu gostaria era não precisar sob a mira desses olhares me deixa exausto. Percebo quando Sam respira fundo tentando segurar o choro que deseja ser liberto.
Não está fácil para ninguém se conformar com a ausência de sua presença entre nós.
E nem nunca será.
Quando tudo finalmente termina, após horas que pareceram levar séculos da minha vida embora, encontro um pequeno grupo me esperando ao lado de fora da escola. Sam e Cathy trocam um longo abraço entre ela, Peter e Jordan se mantêm a uma curta distância, sem saberem o que fazer. Eu não os culpo, pois eu mesmo já nem sei mais o que ainda faço aqui.
Viro e começo a seguir o meu caminho, após poucos passos uma mão recai sobre os meus ombros me fazendo virar e sou recebido por um par de olhos grandes e marrons, um misto de tristeza e preocupação os preenchem por completo. Samantha me encara profundamente com uma enxurrada de perguntas que não precisam ser ditas em voz alta. Engulo em seco antes de assentir, garantindo-lhe que está tudo sob controle mesmo estando claramente que não está.
E então ela me abraça.
E eu sinto que já perdi a conta de quantos abraços eu recebi durante esses dias que se passaram, sejam eles carregados de dor ou de força para aguentar tudo o que vem pela frente após a garota que você ama ter o fim de sua vida bem sua frente. Uma lágrima escapa de meus olhos e eu a seco impedindo que mais alguém a veja.
Antes de irem Peter se oferece para me deixar em casa, nego educadamente dizendo que preciso andar um pouco. No entanto, não digo que na verdade não irei para casa, e sim, rumo a um outro lugar para finalmente fazer o que já adiei tempo o suficiente.
E tudo o que preciso já possuo dentro dos bolsos da minha jaqueta.
(...)
A noite cai rapidamente e somente me dou conta disso quando ocupo o assento próximo ao longo do pequeno lago do parque. Olho para a pequena elevação um pouco mais longe e vislumbro as sombras do meu passado cravado na casca do tronco daquela grande árvore.
Em todos os dias que se passaram, estar debaixo dela foi como encontrar a sua essência ali, me proporcionando pequenas doses de conforto e realidade.
Foi somente ali, que me vi sendo obrigado a aceitar a sua morte, Cline.
Tudo o que eu mais gostaria, era tê-la viva aqui, nem que isso significasse deixar de te amar. Sorrio. Esta provavelmente seria a hora em que você me pediria para não ser tão clichê, apesar de certamente os amar e estar sempre os escrevendo.
Retiro o isqueiro prateado do bolso, ele cintila com a luz das estrelas como se fosse um objeto mágico e poderoso, o que neste momento, para mim ele é.
Naquela nossa última noite juntos, pude perceber o quanto as palavras eram importantes para si, do mesmo modo que a música é necessária para mim. Era através de um papel e uma mera caneta que você criava muitos, com finais tristes ou com finais felizes e é exatamente por isso que estou aqui. Não só por você, não só pela nossa história, mas sim, por acreditar que este não é o final certo para nós.
Com dificuldade por conta da falta de iluminação e a inexistência de um apoio, escrevo as palavras no pedaço de papel. Por um instante, observo a minha própria caligrafia ali e imagino o que gostaria de ter escrito naquela noite e por uma última vez leio as palavras que escrevi.
"A amei desde o momento em que meus olhos te avistaram e amei-a ainda mais conforme o tempo passava. A verdade é que o destino já nos uniu uma vez e mesmo que agora não nos encontremos juntos, estou disposto a enfrentar o que for preciso para nos unirmos novamente.
Paraíso... Purgatório... Inferno.
Não importa.
Shakespeare escreveu as seguintes palavras para a sua amada:
"A vida é muito curta para te amar só em uma, prometo te procurar na próxima vida."
Então é isso.
Prometo te procurar na próxima vida, Cline.
D.H."
Ouço o clique da tampa do isqueiro e a chama se acende instantaneamente, ganhando cor, forma e poder.
A melodia se inicia de forma tímida e ganha força conforme consome o fino pedaço de papel, uma música assombrosa para muitos, mas que neste momento, é um sinal de esperança para mim.
Assim como você se foi tão rapidamente, as chamas consomem em igual velocidade o pedaço de papel. Observo enquanto as palavras se iluminam, tornando-se amareladas para só depois se tornarem negras. Uma brisa fresca e inesperada sopra fazendo com que os fios de meu cabelo voem para frente do meu rosto, fazendo com que eu solte o que restara da folha para colocá-los novamente de volta ao lugar.
Quando olho novamente, é como se os seus lindos olhos castanhos estivessem presos em mim, e por mais estranho que isto soe, é exatamente nisto que acredito.
Acredito que esteja no céu, Cline.
E a prova disto são as fagulhas alaranjadas estarem levando o meu desejo diretamente para você.
Diretamente para as estrelas.
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AMORES ETERNOS - A História de Dante e Beatriz
Romans"Nota mental: O amor nos faz sofrer. O amor nos faz cair. O amor não existe para mim." Beatriz Cline não acredita no amor. Mas, e você? Você acredita no amor? Beatriz Cline não acredita no amor. Os motivos que a levaram banir esse sentimento de sua...