CAPÍTULO VINTE E CINCO

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   Sua bolsa já estava pronta, na verdade ela nunca havia sido desfeita completamente, algumas roupas eram tiradas e outras colocadas de volta, mas não desfeita. 

   Desde que chegara no orfanato, cinco anos antes, Akemi se recusava a aceitar aquele lugar como sua casa. Se recusava a chamá-lo de lar. Todos ali eram assustadoramente cruéis com ela.

   Jamais chamaria aquele lugar de "meu lar".

   Akemi já não tinha nenhum lugar para chamar de casa. Já não tinha mais nada além das roupas surradas que recebia ㅡ as sobras dos outros órfãos mais velhos ㅡ, ou a coleção de tinturas de cabelo que ficavam guardadas na sala de diretora, que eram as únicas coisas novas que recebia, além dos óculos escuros, claro. Até mesmo suas refeições eram sobras.

   Havia cerca de seis minutos que Akemi voltara de sua sessão de tintura, ou tortura. A diretora tinha cismado, dias antes, ao examinar o couro cabeludo de Akemi, que os fios dela estavam começando a ficar acinzentados, o sinal de que a tintura estava desbotando. Então, assim que teve tempo livre em sua agenda, subiu até o sótão, pegou Akemi pelas tranças e a levou para sua sala.

   Cada segundo na sala da mulher fora um sacrilégio, durante a uma hora que Akemi ficara enfurnada naquela sala pareceu muito mais do que uma eternidade, sem contar que tivera que se controlar para não revirar os olhos em cada palavra do discurso da mulher, o discurso que Akemi já havia decorado do início ao fim. Sem contar que tinha absoluta certeza que perdera metade dos seus fios de cabelo somente enquanto a mulher os penteava.

   Akemi andou até a pequena janela arredondada do sótão. Do lado de fora, no horizonte, o anoitecer já estava chegando, logo a família Davis estaria ali para conhecer as crianças e escolher um filho adotivo. Akemi não estava incluída na confraternização, claro, ela havia sido excluída daquele tipo de ocasião três anos antes, quando por acidente ela quase fora adotada.

   Com tintura preta cobrindo seu cabelo natural, óculos escuros para esconder seus olhos lilás peculiares e uma bengala fina de madeira, Akemi atuava como uma criança inteiramente humana e cega, tão desinteressante como uma xícara lascada. Ainda sim, um casal se interessou por ela, pois era uma criança meiga e adorável. Houve tanto rebuliço naquela tarde que Akemi nunca mais pode sair do seu sótão mofado em dias de visita.

   Ela não se importava, na verdade preferia não sair do seu poço de imundice quando havia tantas miniaturas endiabradas correndo pelo casarão. Cada criança naquele lugar lhe dava ânsia. De qualquer forma ela não era saudável, estava sempre doente e fraca demais para descer e subir tantas escadas, seu mau estar era só mais um dos motivos que a fazia odiar a si própria. 

   Foi preciso muita coragem e desespero para decidir fazer o que estava a ponto de fazer. Mesmo estando com febre alta, fraqueza e fosse pequena e magra como uma criança de nove anos, mesmo tendo quatorze, podendo morrer assim que alcançasse poucos metros de distância daquele lugar, Akemi ainda sim daria o fora dali. Não importava o que acontecesse.

   Do outro lado do vidro, foi possível ver o chevrolett vermelho sendo estacionado na estrada de entrada do orfanato. Akemi viu um casal saindo dos bancos da frente, enquanto uma garota, provavelmente da idade de Akemi, descia do banco traseiro. A garota de cabelos ruivos olhou para cima, exatamente onde se localizava a janela do sótão, imediatamente Akemi se abaixou para evitar ser vista.

   "Foi por pouco".

   Ela se arrastou até sua cama, onde a bolsa com seus pertences estavam. Aquela ocasião era perfeita para sua fuga, enquanto estavam todos focados na família. 

IY- Ao Cair Da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora