CAPÍTULO VINTE E OITO

51 7 8
                                    


   Foi incontrolável para Akemi não saltar os olhos em surpresa e completa descrença. Ren estava vivo, ela tinha certeza, o garoto treinava com ela todas as noites. Akemi claramente já havia feito muitos hematomas nele, assim como recebera do garoto poderosos socos no estômago. Tinha certeza de que ele estava vivo.

   ㅡ O que? ㅡ indagou. ㅡ Deixe de bobeira, Ren está vivo!

   Inesperadamente Hikari arqueou uma de suas sobrancelhas negras, o canto da boca arqueando. 

   ㅡ Nunca disse o contrário.

   A indignação evaporou. 

   Akemi bufou.

   ㅡ Não estou entendendo nada.

   ㅡ Ren morreu por dois minutos. Quando ele se foi, eu herdei o gene youkai do meu pai, me tornando meio bakeneko. ㅡ Quase imediatamente, Akemi sentiu a inquietude ser substituída por tristeza. Hikari não desviou o olhar. ㅡ Gêmeos meio-youkais tendem a possuir ligações um com o outro e quando um morre o outro sente. Eu senti Ren partir, mesmo não sabendo o que estava acontecendo. Senti o espaço desolador que ele deixou, e tê-lo perdido foi horrível. Inconscientemente eu o trouxe de volta, não permitir, não aceitar, me fez revivê-lo. Mas não se pode trazer alguém da morte sem pagar um preço por isso, e meu preço foi ter dado a ele uma parte da minha alma.

    Akemi estava tão desnorteada que não conseguia processar todas as informações que lhe eram dada em tão pouco tempo. 

   ㅡ Agora somos como um, em dois corpos. Ele sabe o que penso e eu sei o que ele pensa ㅡ Hikari fechou os olhos por um tempo. ㅡ E ele se alimenta de mim.

   Akemi sentia o desespero de Hikari mesmo que a garota aparentasse estar tranquila. Mas ela não sabia o motivo do desespero da outra. 

   ㅡ Ele é como um espírito guia

   Hikari confirmou. 

   ㅡ Só que um pouco mais invasivo. 

   Ela se lembrou de quando Endo as encontrou no jardim pessoal, se lembrou de como Hikari se comportou quando a Mestra anunciara que elas teriam que trabalhar juntas como penalidade por terem infringido as regras do horário e de entrar na área proibida. Naquele dia Hikari tinha ficado pálida de horror, tanto que não se importou em interromper a mulher pela segunda vez quando esta já havia a avisado para não fazê-lo.

   Akemi franziu a testa.

   ㅡ Naquele dia, quando Endo nos encontrou aqui, você já sabia o que iria acontecer ㅡ não foi uma pergunta, mas sua voz foi suave para que também não fosse uma acusação. ㅡ Sabia que essa ligação entre nós se formaria, então temeu por seu irmão. 

   Hikari não desviou o olhar.

   ㅡ Sim. Por dividirmos a mesma alma, ligações de cruzamento podem ser perigosas, por isso nos foi permitido ter uma cabana particular. Mesmo os dormitórios da Academia tendo em média quinhentos quartos e os aprendizes tendo direito de ocupar um deles estando sozinhos para evitar ter ligações acidentais, era muito perigoso para nós dois ficarmos com os demais.  

   ㅡ E o Kurama? ㅡ Retrucou Akemi, curiosa. ㅡ Aparentemente ele e o colega se sentem bem à vontade com vocês. 

   Akemi recebeu um dar de ombro enquanto Hikari cruzava as pernas.

   ㅡ É muito difícil que um novo laço aconteça quando já se tem um. E Kurama e Shin já possuem um. A ligação deles se formou quando ainda estavam no primário.

   Muito cedo.

   Isso explicaria o porquê dos dois rapazes parecerem ser unha e carne. E porque a hogosha Sasaki Mari parecia tão deslocada quando se comparado a eles.

   ㅡ Mas ainda há alguma chance?

   ㅡ Sim. 

   ㅡ E isso não te assusta?

   ㅡ Muito ㅡ os lábios de Hikari comprimiram-se em um linha quando ela os pressionou. ㅡ Mas é um risco que estou disposta a correr se isso significa que conseguirei que Ren e eu nós tornemos Escórias.  

   ㅡ O que é isso? ㅡ Indagou Akemi franzindo o cenho.

   ㅡ Hogosha que transcenderam o Instituto. 

   Akemi não sabia o que aquilo realmente significava, mas parecia ser algo muito maior do que sua ignorante visão sobre a hierarquia do Instituto podia lhe mostrar. Havia tanta coisa que  ainda não sabia, tanta coisa que precisava saber para chegar onde ela mesma queria e havia tanto sobre aqueles aprendizes que ela julgara mal. 

   ㅡ Por que está me contando todas essas coisas? ㅡ indagou incerta para Hikari, que permaneceu tão passível exteriormente quanto antes, mas que novamente Akemi conseguiu sentir a ansiedade inquietante dela.

   ㅡ Porque isso ㅡ Hikari sinalizou entre as duas. ㅡ Não pode mais ser desfeito. Estive adiando contar a verdade para você desde o dia que se mostrou disposta a se queimar por mim. Tive medo de como você reagiria. Exatamente como reagiu. Mas agora que sabe, não há nada que eu possa fazer sobre isso se não… ㅡ Hikari estendeu a mão direita entre as duas, a palma voltada para cima. ㅡ Aceitar.

   O ar dos pulmões de Akemi desapareceu por um segundo, como se tivesse desaprendido a como respirar. Sua cabeça girava, mas seu olhar na mão estendida não mudou de direção. Oldaria surgiu a sua mente; Nara sorriu para ela em suas memórias; a dependência emocional que poderia destruir o resto do que sobrava do seu alto controle, acenou; e o grito desconhecido repleto de dor, sofrimento, luto e ódio maciço, ressoou em sua mente. Todos os sinais gritavam para que ela desse um tapa naquela mão pálida e fina estendida. Mas a solidão e o frio que havia no seu interior lhe dizia o contrário. 

   Akemi sentiu seus olhos lacrimejarem, sua visão ficou turva, mas ela não se importou.

   Eu quero.

   "Tudo vai ruir assim que você tocar", pensou em contrapartida. "Vai querer mesmo assim?"

   Eu… Quero.

   "Quando tudo acabar você vai sofrer como nunca sofreu".

   Uma lágrima quente e solitária deslizou pela sua bochecha. Quente. 

    Mesmo que ela fosse destruída de dentro para fora quando aquilo acabasse, ela o queria. A garotinha de sete anos queimando em brasa pela mãe queria a garotinha de seis anos que chorava pelo irmão. Akemi não queria mais estar sozinha, não queria mais aquela solidão sombria que a refletia. 

    Sua mão direita se fechou em torno da mão da outra garota. Ela queria estar com a única pessoa que podia estar com ela.

     Ergueu o olhar para o rosto de Hikari, sentindo-se de alguma forma, leve.

    Akemi queria o laço de cruzamento. 




______________________________________
SIGNIFICADO DAS PALAVRAS

》Bakeneko: um gato com habilidades sobrenaturais parecidas com as de uma kitsune ou de um tanuki. E sendo um youkai ele demonstra vários poderes mágicos criando bolas de fogo fantasmagóricas, causando pesadelos, assumindo outras formas, podem reanimar cadáveres e são capazes de conjurar tempestades.

______________________________________
[1113 PALAVRAS]

IY- Ao Cair Da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora