Desde que acordara na cabana, Akemi não conseguiu dormir novamente. Ela passou o dia fazendo nada e a noite, menos ainda. Não importava de qualquer forma, ela só não queria pegar no sono, não queria ter novos pesadelos.Quando o dia amanheceu, Akemi não sentia nenhum pingo de sono ou exaustão, pelo contrário, estava submersa em um tipo de sentimento agridoce, energizada da raiz do cabelo à ponta dos dedos, envolta em um misto de inércia com euforia delirante, como se não quisesse fazer nada e ao mesmo tempo fazer tudo.
Antes que seus companheiros do Vale estivessem de pé, Akemi já estava preparando o café da manhã. Ou tentando. O suco de morango era água com corante e semente. As torradas se transformaram em verdadeiras torradas de tão torradas que ficaram. Os ovos mexidos estavam crocantes pois tinham pedacinhos de casca. E o bacon, queimava na frigideira.
Os gêmeos não demoraram a acordar por causa do cheiro de queimado que impregnou toda a cabana. Ambos chegaram à cozinha alarmados.
— Cruzes, Akemi! — Exasperou Ren, correndo de encontro a ela para ajudar.
— O que você tá fazendo?! — Hikari enfiou o rosto entre as mãos, respirando fundo.
Ren assumiu o bacon queimado.
Embaraçada com a situação, Akemi coçou uma de suas sobrancelhas brancas com a unha e deu um sorriso amarelo.
— O café da manhã?
— Isso é uma "intoxicação matinal" — corrigiu Ren, o master chef da casa.
Aquela era a brilhante ideia que ela teve para gastar energia quando os exercícios de ioga já tinham lhe causado tédio, parecia uma excelente ideia. Parecia mesmo. Mas agora, olhando para a bagunça que fez e para a comida que provavelmente seria jogada no lixo, já não tinha tanta certeza. Ela deveria ter imaginado que seria um caos. Uma coisa era auxiliar na cozinha, outra era cozinhar.
Com um suspiro pesado, Hikari ergueu seu olhar para o rosto de Akemi, os olhos ainda mais cinzentos.
— Vai se trocar — disse simplesmente, sem dar nenhuma explicação. Akemi franzisse a testa em confusão, fazendo com que Hikari esboçasse uma expressão que dizia: "Quer que eu desenhe?". — Já que está melhor, vamos correr — adicionou, por fim.
Com o esclarecimento, o rosto de Akemi se iluminou. Correr até sentir os músculos da perna doerem, respirar ar puro e soar como um porco era tudo o que ela precisava naquele momento. Sem precisar de nada mais, correu até sua bolsa e selecionou um conjunto de roupas confortáveis — uma legging e uma regata, ambos pretos —, e foi se trocar no banheiro. No caminho, escutou Hikari dizer: "Parece até um cachorro".
Akemi concordava com isso. Naquele momento ela se parecia com um cachorro quando seu dono dizia que iriam passear. Mas ela não se importou, ao invés disso, ao fechar a porta do banheiro, começou a se trocar com toda a agilidade que seu corpo podia lhe proporcionar. Algumas gotículas de suor apareceram no seu rosto.
Quando terminou, olhou para seu reflexo no espelho da pia de madeira. A garota refletida na superfície espelhada, de olhos dourados, misturados com um tom vinho, envoltos por grossos cílios preto, a olhou de volta com intensidade. A olhou de verdade. Espantada, Akemi desviou a atenção para duas pintas gêmeas abaixo do olho esquerdo, depois para o cabelo escuro como um véu negro.
Piscou, coçando os olhos com força. Assim que baixou as mãos e voltou a abrir os olhos, sua aparência havia voltado ao normal. O cabelo preto, estava branco; os olhos dourados com vinho intensos, lilases; os cílios, brancos; e as pintas abaixo do olho, não estavam mais lá.
VOCÊ ESTÁ LENDO
IY- Ao Cair Da Noite
Random[EM PAUSA] Deixada num orfanato moribundo em Nova York aos 7 anos de idade, Akemi Watanabe foge do casarão mofado para viver como batedora de carteira nas ruas. Agora, 10 anos após a morte da mãe e o abandono da tia, ela continua sobrevivendo co...