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Ivan já estava posicionado próximo à pista de pouso. Foi tudo tão corrido que a passagem pela cantina pareceu não ser registrada pelo seu cérebro, mas o gosto de mortadela em sua boca ainda era recente.

Ivan repassava mentalmente as rotinas do dia, e outras informações, quando viu no horizonte azul do céu dois pequenos e distantes pontos se aproximando lentamente. Chamou a atenção de toda base quando o barulho dos motores mostrou a imponência dos dois aviões cargueiros Hércules C130 que aterrissavam. Era uma manobra rotineira, mas não deixava de ser prazerosa de se presenciar.

Após o pouso veio o desembarque. O primeiro avião viera com grande quantidade de equipamentos: armas, coletes, munições. Coisa que a base não via há bastante tempo. O segundo avião estava carregado de soldados, todos novatos. Carne nova, no jargão do militarismo. Tudo normal, não fosse a presença feminina dentre os novos combatentes.

Parados próximos à pista de pouso, os novatos ouviam as primeiras instruções e informações. Daqueles noventa recém-chegados, sessenta eram mulheres. Dentre elas, uma chamava mais a atenção pelo porte físico: era alta, com mais de 1,90 m; robusta, tendo entre 75 e 80 quilos; com severidade e altivez no olhar. E, excluindo ela, todos tinham o brilho da curiosidade nos olhos.

Por um tempo a garota olhou para Ivan e depois voltou a sua atenção ao oficial palestrante: Charles. Ele ministrava o mesmo discurso padrão usado em todas as recepções de novatos e, após rápidas instruções, foram dispensados. Isso porque os soldados veteranos tinham uma missão programada, e precisavam voltar para seus alojamentos. Mas, bem antes do término desse protocolo, Ivan só pensava em um lugar e, quando pode, correu para lá:

— Martina, por favor! Tive que recepcionar os novatos.

Martina era a sargento responsável pelo refeitório, trabalhando nessa função há anos. Na sua cozinha imperava disciplina e ordem.

— Não posso, já passou do horário — disse apontando o relógio na parede.

— Eu estava preso aos afazeres, mas não o esqueci nenhum minuto — Ivan salivava.

— Se deseja tanto, terá que: preencher os requerimentos em três vias, pegar a assinatura do comandante e autenticar todas em cartório.

Ivan olhava para cima e contava nos dedos enquanto pensava a sequência do que deveria fazer.

— Eu faço como me pediu se me disser onde vou encontrar um cartório no meio da floresta turca.

Ela tapou a boca com as mãos para segurar a gaitada. Ele também.

— Ok rapaz. Você venceu — disse com um sorriso largo nos lábios.

Martina foi à cozinha e voltou, trazendo um prato com dois pães com grossas fatias de mortadela ao meio, um deles estava mordido pela metade. Na outra mão, uma caneca com café quente:

— Da próxima vez, te deixo com fome.

E colocou tudo sobre a mesa. Ali Ivan se sentou para continuar a refeição:

— Deus a abençoe por ter piedade de um simples cabo — falou em tom gaiato.

— Deixando as brincadeiras de lado, precisa ficar mais atento à sua alimentação.

— O intervalo entre as missões tem diminuído, Martina. Acaba sendo fácil esquecer uma refeição ou outra — e deu um gole no café.

— Entendo. Se quiser, depois vai lá dentro. Tem uma goiabada que pode te dar mais energia.

— Obrigado, Martina.

Feliz, ela abriu seu largo sorriso e regressou para a cozinha, seu território. Ninguém na base ousava questionar sua autoridade naquele recinto, nem mesmo o general. Rezava a lenda que certa vez ele reclamou que a comida estaria sem gosto. Inconformada com o comentário, Martina solicitou as férias que se acumulavam há cinco anos e, três dias depois, embarcou no avião rumo à América. Porém não havia, nem houve, substituto à altura, então o que se seguiu na cozinha, e na base inteira, foi tenebroso: refeições salgadas, insossas e por vezes estragadas. A gota d'água foi um cabelo na sopa do general. Com a enxurrada de reclamações o próprio exigiu que Martina fosse trazida perante ele e assim aconteceu, mas ela veio com papéis que solicitavam sua imediata transferência. Diante da situação, o general simplesmente implorou para que ela permanecesse. Claro que essa parte da conversa nunca chegou aos ouvidos de mais ninguém mas, a verdade é que 6 meses depois dessa "reunião" Martina foi promovida.

Guynive - O Começo do FimOnde histórias criam vida. Descubra agora