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Quanto mais se aproximava daquela área, mais nuvens carregadas preenchiam o céu. A umidade no ar estava altíssima. O vento balançava com força as grandes árvores arrancando folhas e rangendo seus troncos, mostrando que poderiam romper a qualquer momento.

Quando a ventania diminuiu e a temperatura baixou de vez, uma fria neblina desceu do cume da montanhas, envolvendo a floresta e a casa. A habitação de alvenaria tinha três grandes cômodos: a cozinha, com fogão de lenha, pia, mesa, armário e uma geladeira. A sala, com três cadeiras. E o quarto, com o guarda-roupas, a penteadeira, e uma cama de casal. Não importava chuva, sol ou ventania, as grandes janelas permaneciam sempre abertas, inclusive as duas portas da sala e a da cozinha.

O barulho de uma rajada de vento foi ouvido do lado de fora da morada e Guynive entrou pela porta. Na sala pegou uma cadeira e a levou para o quarto. A colocou ao lado da cama de casal, sentou e chorou copiosamente. Lá fora a chuva forte começou enquanto, do lado de dentro, a garota enxugava as lágrimas:

"Como gostaria que as coisas tivessem sido diferentes."

E, daquele quarto, seus pensamentos a transportaram para situações anteriores:

Ao ver o reforço de guerrilheiros se aproximando pelo oeste, Guynive não pensou duas vezes, e se lançou do campanário do hotel abandonado, estilhaçando pedaços de vidros, e arrancando partes da alvenaria. Enquanto caía, ela alterou sua forma física e bateu asas, voando em direção ao prédio no centro da cidadela. O pouso no telhado foi firme, e este estremeceu com o seu peso. Parada momentaneamente, ela viu as aglomerações nas dimensões física e espiritual. Pronta para o combate, se precipitou pelo telhado translúcido, quebrando tudo, disposta a acabar com aquilo o mais rápido possível e retirar Ivan dali. Fora bem sucedida na maioria de seus intentos, mas um erro, apenas um erro, e quase pôs tudo a perder. Sendo o que era, Guynive não tinha, nem nunca teve, preocupação em deixar-se atingir: os disparos das armas pouco lhe surtiam efeito, contudo àquele a quem protegia era vulnerável. Assim, naquele instante, um dos foguetes sem rumo passou por ela e atingiu a estrutura de concreto que desabou sobre os soldados, entre eles Ivan. Em milésimos de segundos ela pronunciou:

— Vehdeesa Nêrjgi!

E a proteção de energia cercou o soldado, mas não rápido o suficiente, e um pedaço do concreto atingiu sua cabeça, abrindo profundo ferimento. Ver pele rasgada, nervos expostos e sangue jorrando fez Guynive perder mais ainda de seu já minguado controle:

"É suficiente!"

E, de imediato, saltou no meio de vários guerrilheiros e potestades, que fugiam de sua presença, e proferiu:

— Eirë-Vindû!

O ar se tornou denso e abafado e as correntes de vento convergiram ao redor de Guynive, abrindo, avançando e criando um vigoroso tornado com quilômetros de base. Tanto os combatentes quanto os demônios foram succionados pelo vento, que se movia a mais de 300 quilômetros por hora. Ela se movimentava por entre as rajadas de ventos e raios, despedaçando seus inimigos que não conseguiam ter estabilidade para revidar.

A energia liberada avançou em todas as direções por milhas e milhas, afetando equipamentos e sistemas de telecomunicações que pararam de funcionar. Ela sabia que era suficiente, porém queria mais:

— Baaz Darr!

Ela desceu ao núcleo do furacão e, com um pisão no solo, fez o terreno à sua volta sacudir em um violento terremoto. A poeira subia enquanto novas fendas se alastravam em várias direções, derrubando e engolindo construções, matas, veículos e homens.

Parou o ataque ao sentir o sofrimento de Ivan. Então, liberando mais poder, ergueu os escombros que desbaram sobre o capitão e chegou-lhe ao corpo:

"Ainda vive." — pensou enquanto ouvia o fraco batimento de seu coração.

E ele não estava bem: sem sentidos, com o crânio partido e minando sangue, além de uma perna quebrada.

Em meio à destruição e caos, ela arrancou a parte traseira de uma caminhonete que foi usada pelos guerrilheiros e trouxe para próximo ao local onde ele perecia. Usando pedaços de madeira, Guynive fez uma maca para carregá-lo. Com algumas cordas o imobilizou e, flutuando a maca improvisada, o levou para fora, colocou-o sobre a carroceria e pegou a mochila com armas e munições:

"Pode vir a ser útil."

Guynive voava à frente e a carroceria a seguia, mas ela precisou ficar lado a lado para monitorar os sinais vitais de Ivan. Voavam baixo e rápido rumo à costa, que estava à sudoeste de sua atual posição. Durante o trajeto ela mapeava a região num ângulo de 180º, e numa distância de 10 quilômetros à sua frente evitando, com isso, possíveis confrontos. Enquanto manobrava, ela entoava mantras de restauração e cura. Foi assim que estancou a hemorragia e restabeleceu ossos, tendões e músculos do militar. Contudo não conseguiu devolver-lhe a consciência e isso a preocupava. Juntos voaram e desapareceram de tudo e de todos que os perseguiam.

Guynive voltou a si, chorando. Uma brisa fria a tocou e, através da janela, seus olhos miraram as árvores e parte do céu nublado. Secou as lágrimas enquanto sentia a amargura e a decepção em seu peito. Olhou para a cama e não conteve o choro, ajoelhou-se deitando e tocando o corpo que ali estava.

— Volte para mim... — a voz saia embargada. — Quem sou eu sem o seu sentimento?

Não houve resposta ao seu apelo. Ivan permanecia imóvel, como se dormisse, mas essa condição já perdurava por meses. Nesse período não houve nada, nenhuma prova de que ele pudesse voltar, mas Guynive não perdia as esperanças e cuidava-o. Ivan estava limpo, com a barba feita e o cabelo aparado. Do ferimento na cabeça sobraram poucas cicatrizes, que só era percebida se fosse procurada por entre os cabelos. Os ossos quebrados foram sarados. Ele estava bem.

— Perdoa-me por tantas vezes falhar em te proteger.

Segurou carinhosamente a mão do rapaz e depois ajeitou-lhe o cabelo. Não apenas o olhava, ela o admirava. Uma veneração sublime e inabalável, mesmo diante de um quadro tão devastador.

Ao sentir o movimento na barriga teve que se desconectar dele:

— Eu... preciso alimentá-la, já volto.

Ela preferia falar em voz alta para ter em mente que ele a ouvia. Guynive foi para a cozinha e, de uma penca, pegou uma banana. Enquanto mastigava, tocou na panela de ferro que continha água e espigas. A sua mão fez a água ferver e cozinhar o milho.

— Assim é bem melhor.

A mesma coisa fez com o bule de ferro onde havia chá. Não era à toa que no fogão não havia resquícios de uso, nem uma cinza sequer. A lenha cortada permanecia intacta empilhada ao lado, coberta por teias de aranha.

Da geladeira ela retirou uma vasilha com cubos de queijo, se serviu de alguns pedaços, além de pegar pêras e ameixas na fruteira sobre a mesa.

— Te fará bem — disse se servindo de chá e acariciando a barriga.

Puxou uma cadeira e, com cuidado para não quebra-la com o seu peso, se sentou. Após isso cuidaria de todas as outras coisas.


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Guynive - O Começo do FimOnde histórias criam vida. Descubra agora