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O fim daquela madrugada se aproximava. Acordada à noite inteira em sua cama, Guynive teve os pensamentos interrompidos por sons quase imperceptíveis, mas que chamaram sua atenção. Levantou-se, vestiu o uniforme, no banheiro fez a higiene e se dirigiu para frente do alojamento. Tudo no mais absoluto silêncio. Dali olhou para o céu vendo as estrelas e a lua brilhante, tão belos e reluzentes que, se pudesse, ela voaria dali para tocá-los. Passado o instante de contemplação, a garota sentiu outra energia ali perto e, dando alguns passos adiante, se ocultou na lateral do prédio. Mesmo com toda aquela distância viu, na entrada do alojamento masculino, um vulto, o identificando de imediato: Ivan. Ele também olhava deslumbrado para o céu e as estrelas, mas além disso sussurrava uma oração. Mesmo com a grande distância, tão claro como o raiar daquele novo dia, Guynive ouviu o final da prece:

— ... E proteja a todos os que estão aqui. Dai-nos força para resistir e humildade para aprender. Repreenda os males que estarão diante de nós. Amém!

Ele terminou, colocou o quepe e caminhou para o refeitório. O céu ganhava tons alaranjados e os primeiros raios de sol nasceriam em minutos. A garota também seguiu pelo mesmo caminho e, quando avistou o prédio, o som da corneta ecoou marcando o início das atividades na base. Em instantes centenas de militares caminhavam em uma direção e com a mesma intenção: se alimentar.

Ela chegava junto com um grupo e entrou na fila que se formava para o café. Chamava a atenção pela altura. Guynive olhou à diante, e viu Ivan na parte interna da cozinha conversando com os militares do local. De fora o pessoal segurava as bandejas e se servia. Por algum acaso todos os que estavam ali eram da mesma patente: soldados. Com o refeitório lotado, aconteceu:

Atrás dela parou um grupo de soldados veteranos e, intentando fazer graça, um deles, chamado Fox, se aproximou sorrateiro e pousou o braço sobre os ombros de Guynive, dizendo:

— Ei gracinha, me dá a sua vez?

O grupo que o acompanhava riu da brincadeira, mas ela não. Irritada, Guynive segurou firme a mão de Fox e a girou para frente, fazendo-o se encurvar. Então desferiu o chute que o arremessou sobre seus colegas, derrubando-os. O estardalhaço chamou a atenção de todos no recinto, e antes que o grupo envolvido na confusão se levantasse, Guynive bradou para que todos a ouvissem:

— Se mais alguém me tocar, será a última coisa em que vai colocar a mão nessa vida.

Com os punhos fechados e em posição de combate, ela se preparou para lutar. Entretanto percebeu alguém se aproximando pela direita e quando olhou, Ivan a encarava pois, de dentro da copa, viu parte do incidente. Ele ainda ouviu Fox dizer:

— Isso não fica assim, vaca!

— O que está acontecendo aqui? — questionou o cabo.

Nesse momento todos prestaram continência e se colocaram em posição de sentido.

— Descansar! — liberou-os. — alguém pode explicar isso?

Guynive e Fox trocavam olhares agressivos, instigantes e, se não houvesse empecilhos, a briga continuaria.

— Senhores?! — a voz grave de Camintown preencheu o lugar. — Se eu pegar qualquer um de vocês criando problemas, desordem, baderna, terei o prazer de colocá-los em detenção por uma semana. Isso serve para todos.

Ele olhou para Fox e Guynive:

— Estamos entendidos?

Em coro uníssono responderam:

— Senhor, sim senhor!

— Voltem para seus lugares ou suspenderei o café.

A formação foi refeita em segundos, exceto por Fox e seu grupo, que se retiravam dali. Ivan permaneceu com olhar fixo neles até que saíssem. Depois encarou Guynive com o olhar repreensivo:

— Evite criar problemas, soldado. Dispensada!

Ela não gostou de ter a atenção chamada daquela maneira e, se pudesse, surraria Fox e Ivan até não aguentar mais. Contudo isso não lhe fora ordenado, nem permitido.

Após o café, a manhã transcorria bem e os novatos foram separados em dois grupamentos: 1º e 2º pelotões, cada um com 30 ou 40 soldados. O 1º pelotão treinaria conhecimentos logísticos. Guynive, estava lotada no 2º pelotão, que treinaria tiro e seria supervisionado pelo 1º sargento Barkley. Carregando uma prancheta e um binóculo ele ordenava os soldados e assim que efetuavam os disparos conferia a eficiência dos tiros.

Alguns veteranos treinavam por ali, como o soldado Honey, era esse o codinome de Montgomery P. Oswald, que manuseava uma pesada metralhadora M60, arma de grosso calibre e fortes solavancos durante a utilização, porém a mais marcante característica desse equipamento era a facilidade em atravessar espessas blindagens e ter alta eficiência contra veículos marítimos, aéreos e terrestres. Assim, quando ele iniciou os disparos, os novatos à sua volta taparam os ouvidos, enquanto o cinturão de balas era tragado pela arma que, atirando, e em segundos despedaçou o alvo, não sobrando muito o que ser avaliado:

— Ainda vou descobrir como você faz isso, Honey. — elogiou Barkley observando com o binóculo o que restara, e lhe deu um tapinha nas costas.

Ali ao lado começaram os disparos rápidos e eficientes de Hope, como era conhecido o pragmático soldado J. R. Beltran. Sua arma era mais leve, uma metralhadora M16, de bom equilíbrio e suave manuseio.

Hope desencaixou o pente de balas vazio e reencaixou um cheio. Então gastou toda sua munição alvejando o alvo em dois pontos bem distintos: foram 30 tiros na cabeça e 30 na altura do peito.

— Eficiente e mortal. Parabéns! — e também lhe deu um tapinha nas costas.

Logo ao lado um único disparo foi ouvido, era outra M16 em modo single shot, que realiza um único disparo para cada aperto no gatilho, e o 1º sargento se aproximou observando:

— Bom tiro, soldado! — Guynive entendeu que isso não era só um elogio, e ele ordenou: — Edward, dê-lhe o rifle M40. O alvo está posicionado?

Após entregar a arma, o soldado focou o binóculo na direção de um dos objetos:

— Positivo sargento.

Guynive reconheceu a arma de precisão, pois treinara com uma há algum tempo, mas na ocasião não permitiram que a portasse. Contudo a situação ali era outra, com batalhas constantes e bons atiradores escassos. Então Barkley ordenou:

— Agora tente acertar a moeda. Está na quina direita do cavalete, próximo aos pneus.

A garota sentiu-se à vontade segurando o rifle. Aquela M40 estava há muito tempo sem uso e Guynive faria a regulagem. Retirou a proteção da lente, com o olho na mira telescópica girou os anéis corrigindo o foco e as grossas linhas afinaram ganhando nitidez. Então pousou as linhas em cruz sobre a moeda reluzente, que estava a mais de meio quilômetro dali. Com o dedo empurrou o monóculo até alinhá-lo com a mira na ponta da arma. Assim que o fez, puxou o ferrolho e a bala subiu para a câmara. Aquele som metálico foi como música aos seus ouvidos. Como ventava no momento, ela fez uma leve compensação, mirando pouco à direita. De forma delicada repousou o dedo sobre o gatilho e, consciente, o apertou. A arma deu um solavanco que foi absolvido pela musculatura da moça. Simultaneamente, a 547 metros dali, a moeda voou, tocada ao centro pelo impacto do projétil.

— Parabéns, Guynive! Ótimo tiro! — a felicitou, Barkley. — A partir de hoje o seu alvo fica no alto daquela montanha, a uns 900 metros. Boa sorte!

O sargento lhe daria um tapinha no ombro, mas o gesto morreu no ar. Alguém lhe informara sobre o incidente durante o café da manhã.

O treino de tiro havia se encerrado e com ele o período matutino. Passava das 12 horas quando foram para o refeitório, foi lá que Guynive percebeu que boa parte do pessoal evitava se aproximar dela. Os homens pior ainda, pois sequer olhavam em sua direção. Sentindo-se incomodada, saiu do local deixando boa parte da comida no prato. Talvez um erro.


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Guynive - O Começo do FimOnde histórias criam vida. Descubra agora