Capítulo 82

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        Capítulo 82

Ane

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         Deixo o consultório onde frequento para minhas seções de fisioterapia e tenho que respirar fundo toda vez que minha perna ferrada encosta no chão. É sempre assim, venho aqui, a fisioterapeuta diz que tenho que força-la, eu a obedeço e no fim do dia, depois da seção; mal consigo andar direito. Às vezes ainda me pego pensando em como seríamos se Nate não tivesse me derrubado naquele dia. Ainda penso se acabaríamos nos encontrando depois de alguns anos, talvez em alguma festa na fraternidade dos caras? Talvez na aula de literatura que fazemos juntos? Talvez na lanchonete? Talvez até mesmo durante os treinos, ou em literalmente qualquer outro momento, que não envolvesse o drama todo dele me derrubando. É patético perceber o quanto tudo nos ligava antes mesmo de nos conhecermos e ainda assim só de fato nos enxergamos quando mudamos de vez o futuro um do outro... Porque por mais que eu não tenha machucado sua perna naquele dia, tenho para mim que fiz algo bem, bem, bem mais grave; eu cutuquei seu coração. Um coração patético o suficiente para não me deixar de lado e um coração forte o suficiente para me manter perto. Diminuo meus passos aos poucos conforme no meu campo de visão, uma mulher com roupas extremamente maltrapilhas e rasgadas; aparece. Nunca dei muita importância as pessoas em situação de rua, pra ser sincera elas eram meras fábulas contadas pela população, só para ter um cartão de bom cidadão por ajudá-las... Entretanto uma conversa que tive com Nate revive em minha cabeça e quanto mais observo a mulher revirar o lixo, a procura de algo; mais meu estômago se revira. A moça encontra uma embalagem de comida industrial amassada e a abre. Nem mesmo pela cor consigo identificar o que algum dia foi aquele alimento, entretanto a mulher não parece se importar. A observo aproximar a embalagem dos lábios, porém antes que de fato ela pudesse lambê-la, algo deixa os meus lábios. Não sei se de fato cheguei a pronunciar uma palavra real, ou se só emiti um som sem nexo, a única coisa que sei é que seja lá o que eu disse; chamou a sua atenção. Seu rosto sujo se vira na minha direção e pisco algumas vezes, sem saber ao certo o que fazer agora, porquê por mais que eu queira a ajudar, ainda estou com meus cartões bloqueados, ainda estou sem dinheiro.

— Não faça isso — peço enquanto ignoro a dor na minha perna e começo a me aproximar de si.

— Eu... Senhora, eu só quero comer algo, não irei bagunçar nem derramar nada no chão, prometo — o medo na sua voz e os ossos do rosto marcados pela sua magreza me fazem respirar fundo, conforme paro alguns centímetros à sua frente.

— Eu não estou impedindo você de comer, só não quero deixar que você coma isso — meus olhos despencam para a embalagem por alguns instantes e novamente sinto meu estômago se revirar — Aqui, eu não tenho dinheiro, mas... — retorno a olhá-la nos olhos e levo minhas mãos até a parte de trás do meu pescoço, retirando o colar que ganhei há um tempo atrás — Fique com isso, é um colar de rubi vermelho, ele vale... — minha garganta começa a secar conforme afasto o colar e meus olhos caem na pedra decorativa dele — Muito — quando digo "muito" não me refiro só a dinheiro, porque recebi esse colar quando completei meus 15 anos, ainda lembro do frase que o cara que esse tempo todo se passou como meu pai disse.

         "Um rubi vermelho, para combinar com o vermelho dos seus cabelos", consigo escutar perfeitamente sua voz pronunciando as palavras e isso faz com que um sorriso nostálgico e ao mesmo tempo angustiado apareça em meu rosto. Esse colar foi um dos presentes mais delicados e recheados de carinho que já ganhei... Porque naquele mesmo dia recebi outros inúmeros presentes, mas nenhum entregue pessoalmente, nenhum acompanhado de um abraço e um beijo no topo da minha cabeça como papai... Como Henry Prescott fez. Nenhum que após prender o colar no meu pescoço, tenha dito; "Ficou lindo, como pensei que ficaria, você está ficando cada dia mais linda, inteligente, eu tenho muito orgulho de você filha". Nunca pensei que ao me lembrar daquele momento fosse querer chorar e gritar ao mesmo tempo. Nunca pensei que ele mentiria para mim.

Talvez ApaixonadosOnde histórias criam vida. Descubra agora