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Gabrielle

Voltei para meu corpo físico totalmente satisfeita com o resultado da minha projeção. Fiz o que pude para confortar o coração amargurado, triste, confuso e desesperançado de Mika, e pressinto que nossa palestra, marcada pelo carinho e diálogo, surtiu o efeito desejado.

Ela me garantiu que prefere a morte a me entregar para Toyo. Devo confiar nas suas palavras, assim como ela confia em mim para resgatá-la e libertá-la definitivamente dessa situação terrível.

Admito que queria ficar mais tempo com ela, e expressar todo sentimento que dorme em minha alma através da união picante e revigorante de nossos sexos. Porém, devo levantar as mãos para os céus e curvar-me em gratidão por ter conseguido sair da mansão sem suspeitas.

O que de fato intriga-me, ao ponto de deixar-me inquieta, é a aparição misteriosa daquela criatura, e do efeito salutar que causou em mim.

Calço meus sapatos e vou embora em direção do castelo, praticamente correndo pra contar as novidades para Tomoyo e pedir sua opinião a respeito. Tudo que nos acontece procuramos discutir, afinal duas cabeças pensam melhor que uma, e sempre terminamos com uma solução favorável.

Quando chego nas proximidades da escadaria, avisto Juka descendo do furgão, e corro de instantâneo para abraçá-lo com euforia.

— Isso tudo é saudades, pirralha? — ele questiona sarcástico, dando leves tapas nas minhas costas.

— É bom te ter de volta, você faz mesmo falta! — solto-o para fixá-lo.

Juka abre um sorriso recatado típico de sua personalidade reservada, que evita demonstrar emoções, mesmo que saibamos o quanto transborda sentimentos.

— Ajude-me com essas coisas — pede apontando dois balaios na traseira do carro, e cuido de pegar um deles imediatamente, seguido do meu mestre que também não mede esforços para ajudar.

Quando chegamos na grande sala, pergunto:

— Quer que eu coloque onde?

— Deixe aqui. São para você – avisa pondo o seu no chão.

— O que são? — faço o mesmo, para depois vasculhar os vasos reforçados de palha.

— São escrituras sagradas.

– Hum, e o que tem nelas? – indago retirando um laço azul do papel velho enrolado, enquanto fito Tomoyo se aproximar de nós.

– Estive em um templo budista  para recolher alguns materiais que pudessem comprovar minhas suspeitas, depois de uma projeção intrigante.

– Então é mesmo verdade? – Tomoyo sonda com a voz bastante entusiasmada e um brilho misterioso no olhar.

– Do quê estão falando? – não estou compreendendo.

– Diga-nos você, Saturno. – Juka me fita com os braços cruzados – Não aconteceu nada que sinta a necessidade de nos contar?

Reflito por alguns instantes, acreditando não haver nada a compartilhar, até que me lembro da aparição do dragão.

– Bem, tem sim – balanço a cabeça afirmativamente – um dragão estranho se materializou num momento em que mais precisei.

– Isso é maravilhoso! – Tomoyo leva as mãos a boca e seus olhos pretos agora marejam, quase cedendo as lágrimas.

– O dragão é de fato seu totem. Seu animal de poder – Juka conclui.

– E por que de tanta empolgação? – dou com os ombros com um ar de inocência inconsciente – Claro que ele é maneiro, estranho... mas maneiro! Pensei que dragões tinham casco semelhante ao de crocodilos e asas, não que se tratassem de uma serpente. E também não quero parecer ingrata, mas...

– Cale-se! Você é uma tola irremediável! – Juka me adverte, apontando o dedo indicador na minha testa – Não sei como pode ser merecedora de uma criatura tão poderosa!

– Não se irrite, Juka. Gabrielle não tem noção da própria força interior, e talvez seja até melhor assim. – Tomoyo comenta com a voz doce, visivelmente ao meu favor – A aura do dragão é a mais poderosa – ela conta extasiada e orgulhosa – Segundo a mitologia chinesa, o dragão foi um dos quatro animais convocados por Pan Ku; o deus criador, para ajudá-lo a criar o mundo, tornando-o um ser fantasticamente poderoso. Possuindo partes de todos os outros totens, o totem do dragão consiste em: olhos de tigre, corpo de serpente, patas de águia, chifres de veado, orelhas de boi, bigodes de carpa e várias outras características, tornando-o um conjunto de todos os outros animais/totens. Por isso ele contém um abundante poder. Mas é claro que tal poder só pode ser dado a alguém de merecimento aos olhos dos deuses, por isso apenas uma pessoa a cada cem anos nasce com esse tipo de aura. Graças à enorme fonte de poder que essa aura oferece, ela pode dominar a alma de seu portador, corrompendo-a para a escuridão, fazendo-a se tornar soberba e caótica. Caso este evento infeliz ocorra, os monges são obrigados a exterminar tal pessoa, mesmo que ela seja seu mestre.

Estou descrente. Eu? Gabrielle Saturno, nascida numa favela perigosíssima do Rio de Janeiro, num país repleto de problemas sociais que é o Brasil, lésbica, que deseja duas mulheres de uma só vez, digna de um totem, cuja lenda é fadada a extremos?

– Não pode ser – balanço a cabeça negativamente – Deve haver algum engano, meu totem deve ser um grilo ou um salmão...

– Não existem enganos nas Providências superiores. Não se sinta indigna. Deve conhecer seu animal e domá-lo. Além do mais, o poder de uma criatura de poder não pode se resumir somente ao seu porte, isso é ofensivo e subestimado. – Juka interveio mais compreensivo – Por isso viajei. Era chegado a hora dele se manifestar e pelo visto teve a oportunidade propícia. Há muito o que aprender sobre o Dragão. Os escritos irão nos orientar.

– Não posso simplesmente recusar? Quero dizer...

– Não, Gaby! – Tomoyo me interrompe aos risos – O Totem te escolhe, e não ao contrário. Aceite, e será mais fácil lidar com tanto poder.

– Vocês sabiam e não me disseram nada! – julgo, sinceramente frustrada com meus amigos fiéis.

Juka e Tomoyo se entreolham.

– Queríamos ter certeza, e decidimos esperar que o próprio Totem se manifestasse. É natural que os dotados do Dragão sejam conscientizados mais tarde que os outros Totens. – justificou meu mestre.

– Anram sei – dou-lhes as costas e caminho rápido para meu quarto. Ainda consigo ouvi-los conversando.

– Deixe-a descansar, amanhã é um novo dia, e ela vai digerir... – falava Juka para Tomoyo, que certamente vinha me seguir, e graças a intervenção do chinês desistiu.

Retiro os sapatos novamente, para me deitar na cama. E uma vez devidamente acomodada, respiro fundo. Temerosa e incerta quanto ao futuro.

Procuro esvaziar a mente. Fecho os olhos e tento pensar em coisas boas e positivas. Esse poder todo encubado dentro de mim, será que saberei como controlá-lo sem deixar que me consuma, e suba pela minha cabeça?
Sinto meus músculos ficarem tensos. Ajeito o travesseiro. Fixo o teto e com o passar do tempo minhas pálpebras começam a pesar e a escuridão me domina completamente.

Sou acordada com leves batidas na porta.

– Entra! – peço, ainda sonolenta.

Tomoyo se aproxima com uma expressão esquisita estampada em sua face de traços delicados.

– Ainda está brava? – investiga com a voz falhando.

– Não. Tudo bem, sei que vocês querem o meu bem – sento com dificuldade na cama, esfregando o rosto – Onde está o Juka?

– Saiu. Foi até a cidade fazer compras. Disse que conversa com você quando voltar.

– OK...

– Gaby? — me chama com a voz meiga e sensual, roçando a perna na outra.

– Hum?

– Você tem visita.

– Visita? Aqui, como? – olho confusa para os lados.

Tomoyo olha para a porta, e acena, em um segundo Mika surge para realizar um êxtase em meu ser.

– Mas que porra é essa? Eu só posso estar sonhando!

Sexo, Ringue e Paixão em Tóquio Onde histórias criam vida. Descubra agora