DESTINO: RIO DE JANEIRO

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A vida no vinhedo começa cedo, mas eu só acordei 8h30 com o canto interminável dos pássaros na minha janela e com a minha sogra, Telma, entrando na cozinha com mais um carregamento de doce de leite e queijo produzido aqui no quintal. Confesso que gostaria de dormir mais um pouquinho.

Senti a ausência do Filipe na cama, ele com certeza levantou cedinho e foi para a cave. Escutei o Arthur, nosso filho de 6 anos, correndo pela casa. Pulou na cama, me obrigando a levantar e enchê-lo de beijos.

- Mamãe! Mamãe! A vó chegou. Vem comer doce de leite. Vem comer o doce da Vó. Vem mãe. Levanta! - Ele estava animado, com as bochechas rosadas de felicidade e puxando meus braços com as mãozinhas pequenas.

- Calma guri! Nós vamos comer o doce da nonna.

Levantei e fui na cozinha, seguindo meu pequeno. Vi o sol invadindo a janela e iluminando nossa mesa, que a Dona Telma estava preparando para o café da manhã. O cheiro de café fresquinho invadia a casa.

- Já está tarde para estar na cama, Madah. - Ela me alfinetou. 

- Bom dia pra senhora também, Dona Telma. - Eu disse com um sorriso meio torto. - Podemos atacar esse doce de leite?

- Só não come muito, tu sabes que doce de leite engorda. Serve pro meu neto também, ele tá ansioso. - Ela me provocou, rindo.

- Coloca pra mim, mamãe. Coloca aqui. - O Arthur pediu enquanto acompanhava o doce cremoso cair no prato. - Quero mais! Coloca mais um pouquinho? Por favorrr. - Ele pediu choramingando.

- Filho vai com calma. Deixa de ser guloso guri. - Felipe entrou pela cozinha. - E minha mulher, mãe, não precisa se preocupar com isso, com dieta, ela é linda!

Me levantei e cruzei a cozinha em sua direção. Ele estava suado de trabalhar nos vinhedos, mas corri e pulei em seus braços, beijando-o com paixão.

- Eu tô todo suado, Madah. - Ele disse se afastando.

- Eu te amo, de qualquer jeito. - E o beijei de novo. Ele correspondeu. O Arthur nos olhava feliz e se lambuzou todo com o doce.

- Filho senta aqui. Vem tomar café. - Minha sogra chamou, colocando mais uma xícara na mesa.

- Preciso lavar o rosto primeiro. Vou lá dentro me limpar e volto. Madah... preciso falar com você. - Ele esfregou os olhos e desviou o olhar. Ele fazia isso quando queria me contar algo que sabia que eu não ia gostar. Eu conheço o meu marido.

Meu coração gelou. De ansiedade. Medo. Angústia.

- O que houve amor? Fala logo. - Eu pedi.

- Espera. Daqui a pouco. Me deixa ir ao banheiro. Já volto, tá? - E me deu um beijo na testa.

Fiquei esperando ansiosamente aquele próximo minuto passar, olhando para o prato, sem conseguir comer. Parada ali, sem reação. Eu tive um mau pressentimento. Mas logo logo o Filipe estava de volta.

- Tô indo pro Rio amanhã. O sócio de um restaurante marcou uma reunião. Nós conhecemos ele aqui no mês passado, lembra? Augusto Maia. Ele e a filha querem negociar a venda do nosso Merlot. - Ele disse se sentando na cabeceira da mesa.

- Pro Rio de Janeiro? Amanhã? - Eu me surpreendi.

- Papai eu quero ir também. Lá tem praia? Quero ir pra praia.

- Tem sim filho, mas dessa vez não dá pra você ir, tá bem? O papai vai trabalhar. - Ele explicou para o Arthur com toda a calma, beijando-o no rosto.

- Poderíamos ir todos, o que acha meu amor? Assim levamos o Art para conhecer o Rio e tiramos alguns dias de folga. A gente nunca tira férias, nem de um fim de semana. Seria uma ótima chance.

- Amor, vai ser uma viagem rápida. A reunião já está marcada, só vou conhecer o restaurante e volto. - Ele discordou.

- Restaurante? Parece um negócio tão pequeno pra você ficar longe da sua família. - Meu coração ardeu de ciúmes. Confesso. Não queria que meu marido fosse para o Rio de Janeiro sozinho, nem por um dia.

- Bah! Não começa, Madah. É uma rede, tem cinco unidades. - Ele disse um pouco irritado e me olhou com aqueles olhos azuis escuros, da cor do mar. Eu me rendi. Não queria brigar. Eu não podia brigar. Não podia correr o risco.

- Jura? Tomara que assim o nosso Merlot comece a ser conhecido no mundo todo, né? - Falei mudando de assunto, enquanto minha sogra ouvia a conversa atentamente. - Assim vamos poder exportar nosso vinho, aumentar a produção, a cave...

- Você sabe que isso não faz parte dos meus planos. Quero manter a produção pequena e a qualidade alta.

- Eu sei amor. Só quis te animar um pouquinho. Me desculpa. - Eu disse voltando atrás. - Você vai, eu levo o Art para o colégio, abro a loja e depois eu vou buscar ele e fico te esperando. Você volta amanhã mesmo? - Ele balançou a cabeça, percebi que estava incomodado com tantas perguntas.

- Não amor. Não. Preciso ficar três dias, é longe, tenho que aproveitar o tempo para fazer contatos. - Ele explicou com toda a calma do mundo e eu fiquei com peso na consciência.

- Me perdoa? Por favor? - Levantei e sentei no seu colo, beijando-o. - Me perdoa, eu sei que to sendo egoísta, mas quero você só pra mim, não quero ficar longe. Vou sentir sua falta.

- Mas são só três dias, na quinta à noite estou de volta - Ele disse rindo e mordeu os lábios.

- Eu sei, eu sei, mas não importa. Eu sempre vou sentir saudades - Eu disse com um sorriso leve.

Ele viajou para o Rio na manhã seguinte. Depois de uma noite de amor, depois de sentir seu corpo, ele levantou bem cedinho e se foi. Eu fiquei cuidando da nossa casa, ensinando as tarefas do colégio para o nosso filho, abrindo a loja de vinhos no centro antigo da cidade, atendendo os clientes e sim, morrendo de saudades. Pode parecer bobagem, mas sim, eu sinto saudades dele o tempo todo. Uma falta! Um vazio quando ele não está perto. E às vezes até quando ele está perto.

Nosso filho sentiu toda a minha insegurança. Chorou as três noites, chamando pelo pai. Teve pesadelos, febre e dormiu todas as noites na nossa cama. Eu não conseguia acalmar o meu filho, porque eu mesma estava me sentindo da mesma forma.

TEMPO, TEMPO, TEMPOOnde histórias criam vida. Descubra agora