No abrigo insistiram para que eu descansasse por alguns dias, para viver o meu luto sem ter que ir para a escola. Acho que a Dora também estava com medo de verem as manchas pelo meu corpo. Eu não quis, insisti muito para ir, afinal eu precisava encontrar o Filipe e seria muito melhor passar o dia fora, estudando, do que naquele inferno.
Foi difícil levantar, meu corpo estava todo dolorido e roxo. Me arrastei para fora da cama, mas fui impedida de tomar banho pelas outras meninas. Desisti e acabei vestindo uma das roupas que me sobraram. Uma calça preta colada, uma blusa de manga longa e gola alta e um casaco jeans comprido por cima. Era uma manhã fria do fim de agosto.
Cheguei de cabeça baixa, com vergonha e culpada por ter sido rejeitada, como um lixo sem valor nenhum. Todos sabiam. Percebi que alguém conhecido estava recostado no muro ao lado do portão, me encarando. Levantei o olhar. Era o Hugo. Nós éramos amigos e ficamos algumas vezes, só uns beijinhos, mas o guri vivia atrás de mim. O que ele estava fazendo ali? Dei um "oi" baixinho e tentei entrar na escola. Ele me puxou pelo braço delicadamente, mas doeu muito.
- Aíiii. - Eu me manifestei e o segurança nos olhou de cara feia. - Tá tudo bem, seu Mauro. Pode deixar. Nos afastamos um pouco da entrada.
- Desculpa. - Ele ficou sem entender, afinal não tinha sido nada demais.- A gente pode conversar?
- Oi... - Eu respondi, mas continuei de cabeça baixa.
- Como tu tá? Eu estava viajando e hoje de manhã fiquei sabendo de tudo. Te mandei mensagem, não me respondeu, acabei vindo até aqui. - Ele parecia desperado para falar e eu não interrompi. Eu estava cheia de dor e sem cabeça para conversas. - Me desculpa por não estar aqui contigo, mas conta comigo. Eu queria muito ter ido no enterro. - Ele segurou minha mão e acariciou. Eu puxei de volta, com cautela.
- Obrigada Hugo. - Eu respondi baixinho.
- Tu foi mesmo pro orfanato, como estão dizendo? - A sua expressão de piedade fizeram com que meus olhos queimassem e enchessem de lágrimas.
- Hugo, sinto muito, é melhor nos afastarmos.
- Eu gosto de ti. Eu posso pedir meus pais, pra tu passar um tempo lá em casa. - Lembrei do Filipe e por um momento comparei o jeito que me sentia com ele e com o Hugo.
- As coisas não são simples assim, Hugo. Tu é um bom amigo!
- Amigo? - Ele estranhou, mesmo que já tivéssemos falado sobre isso.
- Hugo, não complica mais as coisas. Tu sempre soube que era amizade.
- E nossos beijos?
- Hugo... a gente ficou, mas isso não significa... - Ele me interrompeu.
- Não significou nada né? - Ele concluiu, triste.
- Não é isso, é que eu realmente não consigo pensar nisso agora.
- Eu falo com os meus pais. Tu prefere ficar no orfanato?
- Eu prefiro? - Eu me exaltei. - Tu acha que eu escolhi tudo isso? Acha mesmo?
- Não tô falando isso, mas eu estou te dando uma opção melhor do que ficar jogada naquele lugar, a gente pode ficar junto, tu mora lá em casa. - Eu dei uma risada irônica. Meu rosto queimou de raiva. Não queria que ninguém ficasse comigo por pena. E eu não ia me vender pra ter onde morar. - O que? - Ele perguntou sem entender minha reação.
- Hugo, me deixa em paz. Eu não quero. Nós não temos nada. - Eu comecei a andar, tentando ir em direção a entrada do colégio.
- E aquele guri que foi contigo no enterro?
- Ham? - Eu me virei.
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TEMPO, TEMPO, TEMPO
RomanceAté quando vale a pena lutar por um amor? O quanto vale a pena deixar os sonhos de lado por um casamento? Por um homem? O quanto se pode errar e voltar atrás? O quanto o amor é capaz de perdoar? O quanto os erros nos fazem perfeitos? O quanto os e...