Depois de quatro dias de viagem, o vento gélido do Sul foi, aos poucos, sendo substituído pela neblina espessa de poluição de São Paulo e chegamos à selva de pedra.
Era cansativo dirigir sozinha, grávida, com enjôo e com uma criança, então parei várias noites em hotéis no trajeto e demoramos muito mais tempo para chegar. Além disso, eu tinha que lidar com as milhões de mensagens e ligações do Filipe, da dona Telma e do Luca.
Não atendi as ligações nos primeiros dias, só respondi as mensagens, avisando que estava tudo bem e que daria notícias quando eu chegasse em São Paulo. Eu estava nervosa, sabia que com o Filipe haveria mais uma briga e também tinha medo de que ele me pedisse para voltar atrás. Depois de todo o cansaço eu já estava perdendo a coragem.
Antes de chegar na casa da Bruna ele me ligou novamente e nas mensagens tinham ameaças de me denunciar. Fiquei com medo de perder meu filho. Resolvi atender. Minha intenção não era afastar o Arthur dele, queria que ele entendesse isso. Coloquei no viva-voz enquanto eu dirigia. O Art dormia no banco traseiro do carro.
"Madalena, o que você está pensando? Fugir assim com o meu filho? VOCÊ TÁ LOUCA? Eu exijo que você volte com ele imediatamente."
"Filipe eu não fugi, você sabe disso, eu te expliquei e eu não sou mãe de abandonar filho nenhum."
"Que loucura é essa agora, Madah? Nós combinamos de conversar. Você abandonar nossa casa, levar nosso filho, não é ir atrás de sonho."
"Não quero te afastar dele, Filipe. Poderá ver o guri quando quiser, mas eu precisava agir dessa forma. Você ia deixar eu trazê-lo por bem?"
"Óbvio que não. Dá meia volta pra casa, Madalena!"
- Mamãe. É o papai? - Art perguntou da cadeirinha, acordando.
- É sim filho.
"Filipe, eu vou desligar, tô dirigindo. Mais tarde, quando eu chegar na casa da Bruna a gente se fala."
- O papai tá bravo? - Arthur perguntou, pois dava pra escutar os gritos do Filipe ao telefone. Respirei fundo. Fiquei em silêncio.
"Você tinha mesmo a intenção de fazer as pazes ontem? Claro que não. Eu sou um idiota, você já tinha tudo planejado. Vou te falar de todo coração: não quero te ver nunca mais. De você eu só quero o meu filho."
Desliguei o telefone, mas aquelas palavras ecoavam na minha mente "Não quero te ver nunca mais...". Muitas dúvidas estavam na minha cabeça. Eu sei que eu estava errada, fui impulsiva, mas como fazer o que eu precisava do jeito certo? Eu preferia aquelas consequências do que ficar longe do meu filho. Preferia que o Filipe sentisse ódio.
Tem outra: ele pode ter jurado que não traiu, mas se não traiu - o que eu não acreditava - era uma questão de tempo. Ele estava encantado com essa Clara. Parece que a guria jogou um feitiço nele.
Inesperadamente uma música começou a tocar na rádio. Essa música permaneceu nos meus pensamentos por muito tempo e me deu forças pra continuar.
"Made a wrong turn
Once or twice
Dug my way out
Blood and fireBad decisions
That's alright
Welcome to my silly lifeMistreated, misplaced, missunderstood
Miss know it, it's all good
It didn't slow me downMistaken, always second guessing
Underestimated, look I'm still around"A Bruna nos recebeu com muito carinho. Ela era a única família de sangue que eu tinha depois da morte dos meus pais e antes dela se mudar de Bento Gonçalves éramos muito próximas. Como irmãs. Eu senti em seu abraço que esse sentimento não tinha mudado.
- Ma, que saudade de você. - Ela disse emocionada, dando passagem pra eu entrar e fechando a porta atrás de nós.
- Então você é o Arthur? - Ele estava no colo e escondeu o rosto no meu pescoço, tímido. Há muitos anos não nos víamos pessoalmente. Quando ela se mudou eu ainda estava grávida do Art. - Sabia que eu te conheci na barriga da mamãe?
- Tem outro bebê na barriga da mamãe. - Ele disparou. Eu tinha explicado no caminho que eu estava me sentindo mal por causa do bebê para que ele não ficasse preocupado. Mas não era pra jogar essa notícia assim em cima da Bruna. Parece que eu esqueço como são as crianças.
- O que? - Ela respondeu assustada. - É verdade? - Eu arregalei os olhos.
- Espertinho, vamos entrar primeiro. Não pode sair contando pra todo mundo, lembra? Deixa o bebê crescer mais um pouco. - Dei um beijinho de esquimó nele. Ele sorriu sentindo cócegas.
- Então é verdade, tô chocada. - Ela se sentou no sofá.
- Bru, tem problema? Eu ainda não sabia quando pedi pra passar um tempo aqui. Depois as coisas foram se complicando e agora tô aqui e daqui uns 7 meses com duas crianças. Eu vou procurar um lugar pra ficar o mais rápido possível. Eu não quero te incomodar.
- Madah, calma. Senta aqui. - Me ofereceu o sofá. - Lindo da tia, você tá com fome? Quer beber alguma coisa? Tem suco de melância, limonada, toddynho...
- Toddynho! - Art falou.
- Tudo bem. Mas primeiro vai lavar as mãos, dar um beijo e um abraço gostoso na tia e agradecer a ela por nos deixar ficar na casa dela. - Ele se jogou nos braços da Bruna.
- Brigada tia!
- Que abraço gostoso. A tia gostou muito de te conhecer. Eu e sua mamãe éramos muito amigas quando a gente era do seu tamanho.
- Você brincava com ela? - Ele perguntou.
- Sim, a gente amava brincar juntas. - Ela sorriu olhando para mim.
- Nós somos primas. Igual você e o Matteo. - Eu expliquei.
- Vamos lá com a tia lavar as mãos? Vem Madah, vou te mostrar o quarto que vocês vão ficar. Você deve estar cansada. As malas estão no carro?
- Estão sim. - Eu respondi ainda um pouco sem graça.
- Sobre o tempo, fica o tempo que quiser. Com dois, três ou quatro filhos. Vocês são minha única família.
- Quatro? Tá doida? Dois tá de bom tamanho. - Eu ri da brincadeira dela, relaxando um pouco.
- Depois posso ir com você buscar as malas. Trouxe muita coisa?
- Até que não. Duas malas grandes. Mas pode ser amanhã, essa bolsa aqui tem as coisas básicas que usei durante a viagem.
O Arthur estava cansado, dei um banho nele e logo dormiu. Contei toda a história para a Bruna, desde as minhas desconfianças até a minha saída repentina de Bento Gonçalves. Por fim avisei ao Filipe que havíamos chegado, passei o endereço onde estávamos e fui descansar. Eu estava esgotada e dormi de imediato, mesmo com todas as preocupações.
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TEMPO, TEMPO, TEMPO
RomanceAté quando vale a pena lutar por um amor? O quanto vale a pena deixar os sonhos de lado por um casamento? Por um homem? O quanto se pode errar e voltar atrás? O quanto o amor é capaz de perdoar? O quanto os erros nos fazem perfeitos? O quanto os e...