Fiquei olhando nos olhos dela, tentando entender os sinais. Quando eu terminei de explicar os fatos daquela manhã ela não disse nada inicialmente. Continuou sentada de frente pra mim, correspondendo ao meu olhar. Ela queria que eu voltasse para Bento Gonçalves? Ou queria que eu ficasse ali? O que aquela noite significava pra nós dois? Será que era certo fazer amor com ela, enquanto ela tava grávida do meu irmão? Ela pode ter transado comigo por estar sensível, não porque queria voltar pra mim. Se o Luca chegasse aqui agora? A confusão estaria pronta. O que ela sentia por ele? E por mim? Era justo colocá-la naquela peleia entre irmãos? Foi justo deixar ela longe do filho?
De repente eu, que sou o despreocupado e seguro da relação, estava atucanado. Tantos pensamentos passaram pela minha cabeça. Dúvida e culpa, muita culpa por não ter conseguido fazê-la feliz quando ela era minha. Só minha.
Mesmo que ela estivesse ali, nos meus braços, era diferente.
Ela estava diferente.
Parecia muito mais segura e eu, pela primeira vez, não tinha ideia do que estava passando pela sua cabeça. Esse fato me deixava louco e mais louco por ela.
Ela interrompeu meus devaneios.
- Ela sabia que você estava em casa. Falou pra mim que você estava no banho.
- Ela quem? - Eu perguntei confuso e ela não respondeu. Depois me senti um pouco idiota por não saber de quem ela estava falando. - Ah tá. Pode ser... Mas respondendo sua pergunta: não, não tô namorando ela.
Mais silêncio. Eu continuei.
- Não quero omitir. Não de você. Depois que você veio pra São Paulo, teve um beijo. Mas foi isso. Nada mais. Eu acho que eu nem queria. Eu estava confuso. Não significou nada.
Um olhar triste ficou fixado em mim. Eu não entendia, já que ela tinha seguido a vida muito mais rápido que eu. Tinha uma filha que ia chegar, fruto daquele relacionamento.
- Ta bom. - Ela falou de forma suave, levantou e foi pro banheiro. - Vai buscar o café? Tô com muita fome.
E mais uma vez eu não entendi nada. Coloquei minha camisa e desci, ainda sem saber como agir, pra comprar algumas coisas na padaria. Comprei tudo que ela mais gostava: pão de queijo, requeijão, doce de leite.
Deixei a porta entreaberta e na volta a Madah estava encostada na bancada da cozinha, ainda de camisola, de costas para a porta de entrada. Cheiro de café fresquinho no ar. Ela sentou o Arthur na bancada de mármore e não percebeu que eu estava de volta. Estava conversando com ele.
- Não filho, nós não namoramos mais. A gente é amigo agora, lembra? - Ela disse e eu fiquei agitado. Parei para que eles não me vissem. Então fui enquadrado no posto de amigo? Ela não aceitou o beijo. Engoli seco. Mais culpa.
- Mas o papai dormiu na mesma cama que você.
- Espertinho! - Ela riu da travessura do Art. Eu não achei graça nenhuma da conversa. Parecia que um raio tinha me atingido.
- Não quer voltar pra nossa casinha, mãe? Prometo que se tu voltar eu durmo na minha cama. - Ele falou com a voz manhosa.
- A mamãe tá muito feliz aqui filho, só o que faz falta aqui é você grudadinho em mim pra sempre, mas a mamãe precisa trabalhar, fazer fotos... - Ela explicou.
Ela realmente tinha um ar mais leve e muito mais paciência com o Arthur. Eu queria tanto conseguir fazê-la feliz, queria ser o motivo daquela felicidade, mas ela estava assim por causa do novo trabalho e da bebê. Justamente o que o Luca apoiou e ajudou a realizar. Enquanto eu só tinha dado motivos pra ela ficar triste, separando ela do filho.
Fiz minha presença ser notada. Eu não poderia ficar ali em pé me culpando pra sempre.
- Cadê o guri do pai? - Eu fingi animação. Ele pulou de repente da bancada e veio correndo pro meu colo.
- Bah! Você vai cair Arthur. - Ela chamou atenção dele e me deu um sorriso sem graça. - O que você trouxe aí? Tô morrendo de fome.
- Ahh. Tudo o que vocês amam. - Não resisti e dei um beijo no seu rosto. Ela sorriu. Senti um arrepio.
Tomamos café, os dois estavam muito animados. O Art ficou fazendo planos para quando a irmã nascesse. Prometendo que ia ajudar a cuidar dela, que ia ensiná-la a andar de bike e a jogar Mario Kart. Mais culpa me consumiu. Como eu queria privá-los de algo que os dois sonhavam tanto? Sendo que o que eu mais queria era vê-los felizes? Eles estavam agora, os dois. Me senti deslocado. Triste por não ter o direito de me incluir.
A Madah foi tomar banho. Fiquei pensativo. O Art estava no meu colo, jogando videogame na tv da sala. Eu fazia cafuné nos seus cabelos pretos.
- Filho, o papai ama você, mas você gostou de ficar aqui com a mamãe. Você estava sentindo muitas saudades dela em Bento Gonçalves, né? O papai pensou... de você passar um tempo aqui com ela, enquanto eu trabalho. Você ia achar legal?
- Iaaaaaa. Eu vou poder ficar com a minha irmãzinha. - Ele respondeu animado, pulando no sofá. - Você deixa pai? Por favorrr.
- Mas ela ainda não nasceu. Ainda falta bastante tempo...
- Você não quer morar aqui também papai? A mamãe deixa. A mamãe deixa. Eu falo com ela.
- O papai não pode filho, eu tenho a vinícola né? O restaurante.
- É. A mamãe falou que vocês são amigos. A gente podia ser uma família de novo. - Fiquei pensativo.
- É filho, a gente podia.
Me despedi do pequeno com um beijo e ele ficou jogando, esparramado no sofá. Escrevi um bilhete. Eu não queria que ela fosse infeliz do meu lado.
Madah,
resolvi voltar para Bento Gonçalves. Não quis trazer o Art. Ele está tão feliz com você e com a irmã. Não quero tirar essa alegria dele.
Depois vamos nos falar pra decidir sobre a escola e sobre as visitas, mas acho que vai ser bom ele morar com você por uns tempos.
Qualquer coisa me liga.
Um beijo, quero que seja feliz,
Filipe.
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TEMPO, TEMPO, TEMPO
RomanceAté quando vale a pena lutar por um amor? O quanto vale a pena deixar os sonhos de lado por um casamento? Por um homem? O quanto se pode errar e voltar atrás? O quanto o amor é capaz de perdoar? O quanto os erros nos fazem perfeitos? O quanto os e...