ÉRAMOS NÓS

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Éramos três. Eu, Filipe e nosso filho, Arthur.

Por fora, uma família feliz, unida e perfeita. O casal jovem, bonito, cheio de vida e planos. Um filho que chegou de surpresa, mas muito amado. Família grande com irmãos, pais, avós e primos. Os negócios da família crescendo aos poucos. E a vinícola! A vinícola era a vida do meu marido. Terras a sumir de vista, uvas sendo cultivadas e colhidas com cuidado e carinho para produzir o nosso vinho, o melhor vinho que poderíamos, o nosso Merlot, das terras frias do sul, do Vale dos Vinhedos, de Bento Gonçalves.

Por dentro, uma mulher consumida pelo ciúmes e pela dúvida em relação ao amor do marido. Um amor doentio muitas vezes, que chega a doer, a ferir de tão forte e verdadeiro. A incerteza, a desconfiança, me consomem por dentro. Fico aqui buscando provas de que o Filipe me ama. Me dedico a minha família, com amor, e para isso deixei de lado todos os meus sonhos e vontades.

Como ficaram aqueles planos?

Só na lembrança da menina de 17 anos, que queria ser modelo, conhecer o mundo, morar em Milão, Paris, fotografar... mas eu me apaixonei, engravidei e passei a viver para as duas paixões do Filipe, do meu amor: os vinhos e o nosso filho.

Ele?

Homem perfeito, dedicado, paciente, amoroso, sempre preocupado com o filho. Na cama, nossa paixão ferve, delira, mas é o único momento que eu sinto que ele está inteiro, comigo. Fora do quarto está sempre distante, ausente. O comentário das pessoas da cidade sempre foi "ele gosta mais do vinho, de sujar as mãos de terra, do que de você, Madalena." Me corroo ao ouvir estes comentários, que geralmente vem do irmão inconsequente e faceiro do Filipe, o Luca.

Como eu reajo?

Sofro calada, tentando encontrar sinais do amor dele. Tento esquecer. Me concentrar no quão bom e correto ele é, mas ele desvia dos meus beijos, se nega a ter outro filho. Esse filho foi tão sonhado e desejado, mas saiu dos seus planos sem explicações. Quando me deparo com isso me sinto sozinha e perdida, mas vou levando a minha vida: cuido do Arthur, da nossa aconchegante casa, dos eventos sociais da vinícola e sou a esposa dedicada do Filipe Bellini.

É um teatro?

Há quem diga que sim. Os mais próximos. Pode até ser, eu não sei. O que eu não esperava é que a peça estava prestes a sair de cartaz. A fechar as cortinas por uma temporada.

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