SOMOS INESPERADAMENTE QUATRO

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Um mês se passou, assim como a empolgação inicial com a festa da colheita. As comemorações entraram na rotina. Sobre a tal da Clara? Nunca mais a vi. A minha dor? Só aumentava. Toda vez que eu via o Filipe, que tinha que falar com ele por causa do trabalho ou por causa do Arthur, meu coração doía. A Giovanna, com quem eu poderia desabafar, estava ocupada entre idas e vindas da UTI, cuidando dos seus bebês que ainda não tinham recebido alta. Eu não conseguia comer ou dormir, eu estava sobrevivendo e tentando disfarçar minha tristeza para o Art, para a família e para os funcionários.

- Mamain, cadê o papai? - Ele perguntou se espreguiçando na minha cama pela manhã. Todo dia, desde a separação ele fazia a mesma pergunta. Os pesadelos? Pioraram no último mês e todas as noites com muito esforço eu conseguia fazer o pequeno dormir na minha cama. Já eu ficava acordada por horas, rolando de um lado pro outro.

- Oi meu pequeno. Daqui a pouquinho ele vai vir te ver, tenho certeza. - Eu respondi tentando conter as lágrimas, sem sucesso.

- Se você tá triste, eu fico triste. - Ele colocou a cabeça no meu peito.

- A mamãe tá triste meu amor, mas quando eu vejo você aqui pertinho de mim eu fico feliz, sabia? - Eu beijei o topo da sua cabeça. Escutei um barulho na cozinha.

- Madah! Sou eu, Telma, vou fazer café. Você quer?

- Já tô indo! - Eu gritei. - É a vovó, filho. Vai dar um beijo bem gostoso nela que a mamãe já vai. - Ele foi correndo para a cozinha.

Fui ao banheiro, escovei os dentes, lavei o rosto. Me olhei de camisola, os seios saltando no decote, sensíveis.

- Ainn vou ficar menstruada! - Falei comigo mesma, enquanto os tocava, doloridos.

O aroma de bacon com ovos me atraiu para a cozinha, mas quando entrei na sala e o cheiro se misturou com o de café meu estômago embrulhou. Corri de volta para o banheiro, enjoada, mas eu não tinha nada pra vomitar, meu estômago estava vazio. Doía muito. Fui procurar o omeprazol na gaveta de remédios, vi o anticoncepcional, a cartela de remédio esfregava a realidade na minha cara.

- Meu Deus! Eu tô grávida.

Sentei no vaso, incrédula. O Filipe ia me matar, ainda mais agora. Ele ia achar que fiz de propósito. Comecei a chorar, lembrando dos enjoos, do desmaio sem motivo aparente, da sensibilidade nos seios. A dor fazia meu estômago latejar. Mesmo assim tomei uma ducha rápida, vesti uma roupa. Eu precisava confirmar se ia ter mais um filho do Filipe.

- Dona Telma! - Entrei na cozinha em um rompante, já pronta, com a bolsa na mão.

- Oi minha filha, que agonia é essa? Você falou que ia tomar café. - Ela me olhou assustada. O Art via um desenho tranquilo no sofá. - Está chorando de novo? - O Filipe entrou pela porta da cozinha.

- Oi mãe! - Deu um beijo no rosto dela. Eu olhei pra baixo, não queria que me visse chorando. - Oi Madah! Tá tudo bem?

- Papai, papai!! - Arthur veio correndo e se jogou nos braços dele. Eu não conseguia olhá-lo nos olhos. Como eu ia contar, se fosse verdade?

- Ela não come, Filipe. - Minha sogra interrompeu. - Olha aí, está só pele e osso!

- Não pode Madah. Tem que comer, nosso filho precisa de você bem. - Eu fugi do assunto rapidamente.

- Preciso sair. Dona Telma, arruma ele pro colégio? Eu passo pra buscar no horário. - Peguei a chave do carro. - Tchau filho, dá um beijo na mamãe? - Ele pulou do sofá em minha direção e me abraçou forte.

- Tu volta, mamãe? Não me deixa aqui sozinho? - Minha garganta apertou. Como devia estar a cabeça do meu pequeno?

- Ow meu amor! A mamãe volta, tá bom? Eu te amo. - Saí pela porta rápido, ele ficou me olhando triste.

TEMPO, TEMPO, TEMPOOnde histórias criam vida. Descubra agora