AEROPORTOS E TELHADOS

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Eu saí da casa da vila só com a roupa que eu estava na piscina. Um short que minha mãe comprou pra mim. Era azul-marinho, tinha uns desenhos de barcos. Eu não gostei muito, mas ela ficou perturbando pra eu usar, disse que estava na moda. Agora era a única coisa que eu tinha. Não dava pra voltar pra pegar nada, logo logo iam ver que eu não estava no banheiro do corredor.

Fui para trás da casa e me escondi entre a parede e umas plantas e galhos. Quando escutei todo mundo me chamando, subi no telhado e fiquei lá encolhido. Eu não queria chorar, mas comecei e não conseguia parar. Ouvir o papai e a mamãe dizerem aquilo me deixou com muita raiva. Eu sabia o que significava "tirar um bebê". A vovó sempre fingiu gostar de mim, mas ela sempre gostou mais do Matteo. Ela não queria que eu estivesse aqui.

Eu já estava com raiva dela. Eu lembro o que ela fez com a minha mãe. Ficava falando coisas horríveis dela: que a Bella não era filha do papai, que ela colocou chifre nele, que era piranha e que abandonou a família pra se mostrar na internet. No início eu não entendia o que eram essas coisas, mas sabia que não era bom, mas depois que entendi ficou bem pior.

Agora o papai pensar em pedir isso pra minha mãe? Ele não me queria! Ele não me queria! Ele não me queria! Esse pensamento não saia da minha cabeça e eu chorava igual um guri bobo. Eu pensei que fugindo ninguém ia sentir minha falta. No primeiro dia iam me procurar, mas depois iam esquecer. Eles tinham a Bella, o Toni, o Fredinho e o Matteo.

Da janelinha do telhado eu conseguia ver um pouco da casa. Meus pais saíram, depois os outros foram atrás, eu achei que estava sozinho. Mesmo assim fiquei ali, com medo e frio. Já era noite. Escutei um barulho, alguns galhos se movendo. Será que era só o vento? Meu coração disparou. Me encolhi mais ainda. Eu não tinha pra onde correr. Alguém estava subindo pelos galhos das paredes, como eu fiz algum tempo antes. O barulho foi aumentando e ao mesmo tempo eu me arrastava pra trás.

- Cugino? Está aí? - Era o Matteo, mas antes de descobrir isso eu quase morri do coração.

- Matteo! Tu me deu um susto. - Eu estava um pouco irritado com ele ainda.

- Por que se escondeu aqui? Tu papa tá desesperado. A dinda também. - Ele falou e eu coloquei a cabeça entre os joelhos. Não queria conversar e não queria que ele me visse chorando. Ele sentou do meu lado.

- Quem te disse que eu tava aqui? - Eu perguntei tentando continuar emburrado. Eu ainda não tinha perdoado o que ele tinha feito.

- A vovó, guri. Ela desconfiou e me deu a dica, de que você poderia estar onde só criança consegue subir. Aí resolvi olhar aqui. Acho que ela te viu na claraboia ainda pouco. - Ele fez uma careta feliz, mostrando que estava muito satisfeito com sua própria esperteza. Já eu fiquei com raiva por ele ter me descoberto tão rápido. - Ela pediu para eu dar um recado, dizendo que ela sente muito e que tem cuca de banana e leite quentinho.

- Vou ficar aqui! - Eu falei com raiva.

- Cugino, desculpa! Eu estava com raiva, não devia ter chamado o dindo de chato e nem brigado contigo. Tu é meu melhor amigo. Se é por isso que não quer voltar... - Ele falou e eu olhei pro outro lado, pro céu estrelado, as minhas lágrimas insistiam em cair. Eu já até tinha esquecido disso, depois de tudo que aconteceu.

- Não é isso. Eu já esqueci! Foi outra coisa que a vovó fez.

- O que? A vovó exagera as vezes, mas ela é legal. - Ele defendeu e fiquei com mais raiva.

- Legal? Ela não queria que eu nascesse. Tá bom pra ti? - Fui grosseiro com ele.

- Ei guri, não grita comigo! Não queria que tu tivesse nascido? Ela nunca disse isso. - Ele me olhou de rabo de olho, duvidando.

- Ela falou pro meu pai falar pra minha mãe pra tirar o bebê quando tava grávida. Tu sabe o que isso quer dizer? - Eu estava chorando de novo.

- Sei, mas não deve ser verdade. Tu deve ter entendido errado. - Ele falou devagar, parecia ter medo da minha reação.

- Não entendi errado, eu ouvi minha mãe e meu pai conversando. Vai embora, Matteo. Quero ficar sozinho. Por favor!

Ele não disse mais nada, desceu as escadas sem jeito e me deixou sozinho mais uma vez. Eu escutei ele entrando em casa e fiquei muito curioso para saber o que ele falaria pra vó Telma. A curiosidade foi o meu erro. Um piso em falso. Senti um frio nas costas, da queda. Por um instante eu apaguei. Escutava os gritos da minha avó.

- ... meu amor, fala com a nona. - Eu sentia leves tapas no meu rosto, mas não conseguia abrir o olho. - MATTEO. DIO MIO. LIGA PRO DINDO. LIGA PRO FILIPE. - Eu ouvia ela chorando e gritando. - ME DÁ ESSE CELULAR. FICA COM A NONA. POR FAVOR MEU LINDO NÃO DORME. NÃO DORME.

Ela segurou minha mão, ainda implorando por um sinal. Eu tentei abrir o olho devagar. Eu só via muito sangue, não conseguia ou não queria me mexer. Eu não conseguia segurar o choro.  Apertei sua mão, tentando mostrar que eu estava ali.

- Graças a dio. Tu vais ficar bem, meu lindo. - Ela pareceu aliviada. Por incrível que pareça eu não sentia dor.

Logo ouvi uma sirene alta se aproximando. Médicos de jaleco. Gritando coisas que eu não conseguia entender. Senti muito medo, muita vontade chorar. Eu só queria que a mamãe estivesse ali.

A não ser pelo fato que, eles iam me matar, o papai e a mamãe. Eu ia ficar de castigo pelo próximo século. Pode apostar!

TEMPO, TEMPO, TEMPOOnde histórias criam vida. Descubra agora