TODOS SERÃO BEM-VINDOS

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Preparamos uma festa do homem aranha, assim como nos três anos anteriores. O guri era obcecado pelo personagem.

O Filipe havia chamado poucas pessoas, praticamente só a família, alguns amigos dele que tinham filhos e umas crianças da escola do Art. Como eu só tenho a Bruna e o Luca de amigos próximos e eles estavam em São Paulo, não convidei ninguém.

Montamos uma mesa na varanda lateral da lojinha de vinhos, com bolas em vermelho, azul e prata, bonecos do homem aranha por toda parte e um painel decorativo imenso e brilhoso. Ele chegou e ficou correndo por toda parte para admirar a decoração. Logo depois foi brincar no pula pula comprado para a ocasião.

Eu e Filipe olhamos todo o ambiente, comemos a pizza que estava sendo servida no forno a lenha, cumprimentando os poucos funcionários do buffet e ele se serviu de uma taça de vinho.

Assim passaram-se 30 minutos do horário combinado, eram 11h30, o que fez o Arthur questionar porque ninguém havia chegado ainda. Eu disse que estava cedo e que muitas pessoas se atrasaram, mas também estava estranhando. Afinal a família do Filipe morava no quintal da frente.

Mais algum tempo e nada. Ninguém. Nenhum coleguinha, nenhum amigo do Filipe. Nada.

- Amor, não está achando esquisito? Não chegar ninguém? Tu convidou as pessoas no dia certo? - Eu resolvi finalmente falar o que estava na minha cabeça há pelo menos 30 minutos.

- Claro, meu amor. - Ele riu. - Como eu ia convidar as pessoas no dia errado?

- Não sei. Só tô achando que já deveriam ter chegado.

- Eu também. Eu vou lá na minha mãe ver se eles estão vindo.

Ele foi e eu fiquei no pula pula com o Art. Depois de mais alguns minutos ele enjoou e começou a chorar, porque ninguém tinha vindo. Peguei o guri no colo e fiquei tentando distraí-lo com a mesa e com os bonecos. Nada. Ele estava amuado e eu com o coração despedaçado, mas não queria chorar na frente dele. Até que o Filipe voltou. Deixei o Art sentado em uma das mesas e me adiantei para falar com ele a sós. Ele estava sem palavras.

- Amor, fala. O que houve? - Eu perguntei baixo, mas estava nervosa.

- Eles não vem. - Ele disse triste.

- Como assim? Todo mundo adora o Art. Sua mãe não falou nada ontem lá em casa.

- Eu não sei, falou que não tá bem e que a Giovanna não quis mandar o Matteo.

- Não precisa mentir amor. Eles não vão vir por minha causa. - Ele olhou pra baixo e se calou. - Mas e seus amigos? As crianças do colégio do Art?

- Não sei, posso tentar ligar para alguns deles. - Seu João, que tinha nos ajudado na montagem da festa, nos interrompeu.

- Dona Madalena, a senhora desculpa eu me meter, mas acho que ninguém vem não. Essas prendas aqui arrumaram uma fofocada no colégio, no restaurante, falando cada coisa. Ninguém acha certo o seu Filipe estar de volta com a senhora.

- Apesar de ninguém ter nada a ver com isso, ainda não contamos pras pessoas, nem para os mais próximos. Só minha mãe sabe e agora, você. - O Filipe constatou sério.

- Bah seu Filipe! Eu já sabia. Um falou para um que falou pra outro, já viu. Eu não acho certo o que estavam falando, mas acabei escutando.

- Só pode ter sido sua mãe, Filipe. Eu vou pegar meu filho e vou pra casa. Eu não devia ter vindo. - Eu constatei com a voz embargada. - Se eu não estivesse aqui o Arthur ia estar feliz, brincando com os amigos.

- Não amor, fica. Vamos esperar mais um pouco. Alguém do colégio deve vir. - Ele afirmou sem muita certeza. - Eles não tem motivo para não vir. Ou tem? - O seu João nos olhou com uma expressão estranha. Por que ele tinha tanta certeza de que ninguém viria? Ele sabia mais do que estava deixando transparecer.

- Já passou 1h30, olha a carinha do Art... Esperar só vai deixar ele mais triste.

- Desculpa de novo eu me meter, mas se forem embora o guri vai ficar mais triste. É um trauma pra vida toda. - Ele estava tentando ajudar, mas só estava fazendo eu me sentir a pior mãe do mundo. Ele ficou pensativo.

- Obrigado por tentar ajudar João, mas não temos outra opção. - O Filipe disse por fim.

- Olha eu tenho três netos assim da idade dele, mais uma gurizada filha dos vizinhos lá em Monte Belo. Aposto que todo mundo que tá trabalhando aqui tem um filho, um neto, um sobrinho. Se permitirem eu trago pra cá na caminhonete aqui da vinícola. 20 minutinhos e essa festa vai ter criança pra todo lado.

Fiquei olhando pro Filipe, tentando entender em uma troca de olhar o que ele achava, mas vi que estava perdido, talvez incrédulo, afinal era a família dele. A família sempre certa e perfeita, que me criticou tanto durante todo o tempo em que estávamos casados, mas tiveram a coragem de não vir no aniversário do guri. Fiquei imaginando que se fizeram isso com o Arthur, o que fariam com a minha Bella?

O Art veio na nossa direção com carinha de choro, pedindo o colo do Filipe e minha decisão estava tomada.

- Mamãe, meus amiguinhos não vem? Nem a vovó e o Matteo? - Acariciei seus cabelos.

- Filho, daqui a pouquinho vai chegar um monte de criança pra sua festa, a mamãe promete. - Me virei para o seu João. - Faz isso então e quer saber? Vamos transferir essa festa lá pra cima com mesa e pula pula e colocar essa criançada toda pra estrear a piscina. - Eu disse animada. O Filipe ficou me olhando surpreso. - Tá limpa, não tá, a piscina?

- Ta sim, mas tu jura amor, que quer fazer isso? Você nunca gostou de cuidar do filho dos outros e muito menos de muita criança em casa.

- Juro! Hoje eu vou cuidar, só quero ver nosso pequeno feliz.

- Então combinado, seu João. Toma aqui a chave da caminhonete. Meia hora hein? E chama a família também, sua e de todo mundo que tá aqui trabalhando. Tem comida e lugar pra todo mundo. Serão muito bem-vindos.

- Eu já deixei o senhor na mão? - O Filipe sorriu.

- Nunca.

- Filho, vamos em casa trocar de roupa pra piscina? A gente chegou cedo demais, foi isso. O papai se enganou. - Pisquei o olho pro Filipe.

Quando voltamos, graças a um verdadeiro anjo, eu nunca tinha visto tanta criança naquele quintal. O Filipe ficou com a mangueira, espirrando água em todo mundo e inventando todo o tipo de brincadeira. Já eu, fiquei cuidando para que as crianças não escorregassem, comecem direito e bebessem bastante água.

Eu nunca fui chamada de tia tantas vezes na minha vida, mas fui surpreendida por um "tia" em especial.

- Tia, eu posso brincar também? - Uma voz de menino disse choramingando.

- Matteo? Tua mãe deixou tu vir pra cá, guri? - Eu perguntei assustada.

- Não tia, eu fugi.

- Meu amor, mas não pode fazer isso. - O Arthur veio correndo em disparada na nossa direção.

- Matteo, tu veio. - Os dois se abraçaram e eu ri, vendo que o Art molhou a roupa do guri toda. Olhei pro Filipe, ele estava nos observando. Chamei ele em um gesto. Ele se aproximou.

- Tio, minha mãe não deixa, mas eu fugi. - Matteo se explicou.

- Eii guri, não pode fazer isso, criança tem que obedecer... - Ele ficou olhando pro Filipe apreensivo. - Mas vai lá brincar que eu me entendo com a sua mãe. - O Filipe piscou o olho pra mim feliz e me deu um beijo na bochecha.

- Posso entrar na piscina de cueca? Não tenho sunga, tia.

- Pode. Só hoje, ouviram? - Eu respondi, enquanto via os dois pularem, me molhando toda.

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