TÉDIO DE SEGUNDA

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À noite chegou e com ela mais programação da vindima. Segunda era o pior dia para ir até o centro durante as comemorações. Era vazio e só tinham os moradores da cidade, que aproveitavam o pouco de calor que fazia e a cidade iluminada para andarem de um lado pro outro.

A minha vontade de sair de casa era nula, mas como meu marido tinha que dar apoio aos expositores e ao prefeito, eu ficava responsável pelo restaurante na hora do jantar. A dona Telma ia pegar o pequeno no colégio e eu fui com o Filipe para o centro. Meu carro havia ficado por lá na noite anterior.

- Vai me dizer o porquê ficou tão esquisita quando eu pensei em instalar meu escritório no andar de cima? - Ele perguntou.

Estávamos no carro parados no estacionamento da trattoria e me surpreendi por ele ter retomado aquele assunto. Depois que saímos da obra, voltamos a nos falar normalmente. Achei que aquele fato estava esquecido e o mais importante, resolvido. O escritório ficaria no 1º andar.

- Nada, só não era o que tínhamos combinado. - Eu menti... Fiquei olhando para a janela, para que nossos olhos não se encontrassem.

- Por que quer tanto esse filho? A gente tem o Art. - Ele colocou de uma maneira tão simples, mas só me despertava culpa por ter o Arthur e mesmo assim querer desesperadamente outro filho.

- Você nunca me entende, Filipe! - Eu acusei, minha voz ficou estridente.

- Não precisa ficar nervosa. Me explica, eu quero ouvir. - Ele pediu com calma.

- O Bruno tem razão! - Fiquei sem graça por ter me excedido e admiti. - Eu achei que tu ia mudar de ideia. Tu sabe que eu sempre quis ter uma família grande. Meus pais morreram muito cedo e eu fiquei sozinha nesse mundo, ninguém quis me acolher e fui parar naquele lugar. - Minha voz começou a embargar.

- Eu sinto muito, amor. - Ele segurou minha mão e me abraçou. Eu chorei nos braços dele, como das muitas outras vezes que falamos sobre esse assunto.

- Desde o primeiro minuto em que te conheci... - Eu limpei minhas lágrimas, me afastando dele. - Eu te quis pra vida inteira, porque com você eu descobri o que é ter uma família, você é a única referência que eu tive e tenho. Nós éramos tão novinhos e irresponsáveis, eu então... uma menina. Eu engravidei nas primeiras vezes que a gente transou. Na época foi um susto pra mim e pra você, mas o Arthur fez a gente ser a família que eu precisava.

- Não foi só o Art. Já te falei mil vezes que não casei só por ele. Ia demorar mais um pouco, mas a gente ia acabar casando do mesmo jeito. Lembra como ficamos grudados por um ano? Tu ainda é grudada como antes. - Ele brincou comigo.

- Lembro! Para de implicar. Eu gosto de ficar perto de você. - Eu sorri em meio as lágrimas. - E o que eu quero dizer é que o Art sente a minha insegurança, esse medo de ficar sozinha no mundo. Acho que se ele tiver um irmão ou irmã ele vai se sentir mais seguro. Quem sabe não melhora dos pesadelos?

- Madah... - Ele chamou minha atenção. Ele não gostava quando eu usava o Arthur como argumento, porque pra ele eu incentivava o pequeno a pedir um irmão.

- Ele é tão apegado a você! Tenho medo...

- Medo de que? Nós dois somos a tua família. - Ele tentou me tranquilizar.

- Não sei, tenho medo de te perder, da gente se separar e ele escolher ficar contigo e nunca mais querer me ver. - Eu o abracei, tinha certo desespero na minha voz.

- Para com isso, vai... Eu tô aqui. O Art ama a mamãe também. Para de sofrer com coisas hipotéticas. - Ele falou de forma carinhosa. Ele entendia a minha necessidade quase que infantil de pertencer a alguém, de ser cuidada.

- Eu não consigo. - Eu assumi, triste.

- Não se chateia com o que eu vou dizer, tá? Mas acho que tu tem que procurar um psicólogo. Um filho não vai curar essa dependência emocional, Madah, só vai transferir. Eu entendo, mas eu sei o quanto o Art sofre com as nossas brigas, com o seu ciúme, e o quanto o que você está dizendo impacta o emocional dele. Não quero ter outro filho pra sofrer. - Ele estava calmo, mas as palavras dele foram duras demais. Meu choro se intensificou, comecei a soluçar. Eu achava que se ele me amasse, ele ia concordar. - Eu sinto muito! Se acalma. E eu quero te pedir... não deixa de tomar a pílula. Essa é uma decisão em conjunto de um casal. Não quero ser surpreendido. Quero confiar em ti, pra sempre. Não destrói algo bom que temos, que é confiar um no outro.

- Então para de desconfiar de mim. - Eu pedi chorando, fiquei irritada por ser mais uma vez lembrada de que a responsabilidade era minha. Era justo?

- Desculpa, só tô pedindo pra você se cuidar. - Ele disse sério.

- Só não joga a responsabilidade em mim. Eu vou me cuidar mais, fazer de tudo pra não esquecer, mas nós somos um casal novo, a gente não usa camisinha, nenhum método é 100%. Ao mesmo tempo que eu quero um filho, eu vivo morrendo de medo de você.

- Medo? - Ele se assustou.

- É medo, medo de engravidar e você brigar comigo.

- Não coloca a culpa em mim, Madah. Claro que eu vou brigar, já falei que não quero. A responsabilidade é sua sim. - Me deu uma falta de ar ao ouvir ele falar. Eu estava cansada, sempre acabávamos brigando.

- Eu tô cansada, Filipe, de brigar por isso. Abre aqui pra eu descer, por favor. - Eu pedi desanimada.

- Eu também tô. - Ele disse baixinho, recolhendo os seus pertences no carro e destravando a porta.

Fiquei o tempo todo angustiada no restaurante. Eu tinha pavor dessas conversas com o Filipe. Eu sempre me arrependia, me sentia culpada e sozinha. Dessa vez não foi diferente. Depois que ele me deixou, abri uma garrafa do nosso Pinot Noir, reserva 2002 um dos melhores vinhos da vinícola, para passar o tempo e curar minha dor.

Havia pouquíssimos clientes naquele dia, talvez três mesas ao todo no fim do expediente. Esperei pacientemente o tempo passar, pelo menos o restaurante fechava 22h às segundas, mas no fim da noite algo me intrigou: meu marido não veio a trattoria como de costume, não passou nem na porta e esqueceu do fechamento do caixa. Cansei de esperar e ligar para ele, fui embora sem conseguir encontrá-lo. Aonde ele estava? Tive uma noite péssima, agitada, até ele entrar no nosso quarto quase duas da manhã.

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