ARRANCADO DO LUGAR DE AMOR

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Existem dois tipos de dias memoráveis na vida: os dias muito felizes e os dias muito tristes. Quando os dois se misturam, a tristeza, pelo menos por hora, te anestesia e te arranca dos momentos de felicidade. A tristeza é egoísta, avassaladora.

Era assim que eu estava me sentindo. Depois de ajudar a trazer aquela menina que eu já amava tanto ao mundo, receber aquela notícia me arrancou do lugar de amor em que eu queria estar. A voz da Bruna ecoava na minha cabeça a todo minuto.

"Filipe, seu irmão...ele sofreu um acidente de carro. Eu sinto muito"

Ecos.

"Eu sinto muito. Eu sinto muito."

"Bruna..." - Eu não podia chorar na frente da Madah. Engoli a tristeza a seco.

"O que eu posso fazer por você, Filipe? Tô indo pro hospital onde ele deu entrada."

"A neném nasceu, no carro..."

"No carro?" - Ela estava em choque.

"Eu preciso garantir que elas estão bem. Me passa o endereço do hospital. Ele vai sobreviver?"

"Ele se foi, Filipe!" - O telefone caiu da minha mão.

Eu entrei em modo automático. Acompanhei a Madah na ambulância, conversei com o médico e fiquei atento às recomendações. Escutei uma enfermeira dizer de quantas semanas a bebê nasceu, confesso que não consegui calcular o quanto aquilo representava em meses, mas o importante é que ela estava com saúde perfeita, considerando que era prematura. Depois fomos para o quarto e tudo o que tinha acontecido nas últimas horas se tornou névoa pra mim.

Por fim, quando as duas pegaram no sono, o que não demorou nada, eu fui atrás do meu irmão. Entrei no carro sabendo que eu estava indo em direção à maior dor da minha vida.

"Meu irmão, mesmo depois de tudo o que aconteceu, tudo o que eu precisava era de você na minha vida. Me perdoa! Me perdoa!" - Eu repetia insistentemente em pensamento.

Não havia perdão, não havia tempo ou pedido que o traria de volta. Ele estava morto. Reconheci o corpo. Depois sentei na calçada do hospital, sem saber o que fazer.

Como eu daria essa notícia pra minha mãe? Para a Madah, que tinha acabado de dar a luz a filha deles? Pelo menos ele nos deixou um pedacinho, uma lembrança. Eu pensei. A Bruna me despertou dos pensamentos.

- Filipe, a Madah ligou. Você precisa ir pra lá, ela está frágil, se sentindo muito sozinha. - Ela sentou do meu lado na calçada, pra dar o recado.

- Tu não falou pra ela, né? - Eu perguntei, preocupado.

- Não, claro que não. Ela está lá sozinha com a bebê, Filipe.

- O bebê deles. - Eu completei pensativo.

- Esquece isso Filipe, vai ficar com a tua mulher. Eu vou organizar as coisas pro enterro. Você quer esperar ela sair do hospital?

- Não sei quando elas vão sair, a bebê está bem, mas é prematura. Eu preciso ir em Bento Gonçalves dar essa notícia pra minha família. Não dá pra falar por telefone. Quero levar o corpo pra lá também, você providencia? Por favor... - Eu limpei as lágrimas que já tinham tomado conta do meu rosto.

- Claro. - Ela segurou minha mão.

- Eu não queria deixar a Madah sozinha, mas vou ter que ir pra Bento Gonçalves. Você fica com ela pra mim?

- Fico, claro.

- Não fala nada. Tem que ser eu e eu quero esperar ela ir pra casa.

Ficamos ali por alguns minutos contemplando aquele céu azul com nuvens. Os dois sem coragem pra continuar. Levantar dali era ter que lidar com a vida, que se apresentava tão cruel naquele dia.

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