"Está namorando a Clara?"
Essa pergunta ecoou na minha cabeça e ela só demonstrava o quanto eu e Madah nos perdemos um do outro. Eu deixei a mulher que eu amava se apegar à ilusões, criadas pelo ciúmes e reforçadas por uma pessoa mal-intencionada.
Sob a ótica dela a pergunta era pertinente. A pergunta demonstrava o quanto ela estava se torturando com aquela possibilidade, pois acreditava que era a verdade, que eu a havia traído com a Clara e que o caminho mais lógico seria um namoro após a nossa separação. Eu não podia deixar ela acreditar nessa versão dos fatos. Eu precisava tentar reestabelecer a conexão que um dia tivemos, mesmo que depois eu descobrisse que ela amava o Luca e que ele era sua escolha. Eu precisava tentar.
- Mesmo de manhã eu ficava esgotado. Noites e noites sem dormir, trabalhando na cave. Vinhos, vinhos e mais vinhos. Quando o dia clareou só levantei do meu lugar em um gesto automático, vesti uma roupa e levei o Arthur no colégio. - Eu comecei a explicar pra ela com detalhes a minha rotina depois que nos separamos.
A parte da saudade era demais para admitir em voz alta, então o trajeto diário até a escola ficou só na minha lembrança. Era igual há 3 anos, assim como as perguntas dos últimos 2 meses.
"Pai, a gente pode buscar a mamãe pra ela voltar pra nossa casinha?" - O Arthur perguntou enquanto balançava as pernas magrinhas na cadeirinha acoplada no banco traseiro do carro. Olhar distante para a paisagem.
"Só se ela quiser filho. Ela tá trabalhando, lembra?"
"Por que ela não trabalha aqui?"
"Ela quer tirar fotos, ser modelo. Só tem trabalho lá em São Paulo mesmo."
"Humm. O papai e a mamãe não namoram mais?"
"Não filho."
"Por que, papai?"
"São problemas de adulto, filho. O importante é que você nunca vai deixar de ser nosso guri. Nós dois te amamos muito..."
"Eu não quero ir. To com saudade da mamãe." - Ele choramingou. - "Chama a mamãe?"
"Eu sei filho, eu entendo, mas ela está em outra cidade. Eu vou te levar na sala. Quer ir no colo do papai?" - Ele fez que sim, mas tinha um olhar triste que cortou meu coração. - "Vamos lá? Seus amiguinhos devem estar esperando."
Eu não tinha o que fazer. Eu também queria que ela voltasse pra nossa "casinha". Eu queria ter resposta para todos aqueles porquês. Eles também eram meus.
Próximos passos na minha rotina sem sentido: banho; dormir duas horas naquela cama irritantemente vazia; rodar pela vinícola pós-colheita, sem frutos; ir na Trattoria e reclamar da comida, do atendimento e dos vinhos; buscar o Art no colégio; levar na terapia pra ajudar com os pesadelos, o que não estava adiantando muito; colocar o guri pra dormir; me enterrar na cave com uma taça de vinho até o dia clarear.
- Você vai contar? - Ela me despertou dos meus devaneios. Me olhava atentamente.
- Vou. - Suspirei e continuei. - Na volta eu tomei banho, me enrolei na toalha e resolvi aparar a barba. Eu tinha certeza que estava sozinho em casa, porque minha mãe, o Mateus, os funcionários e até a Gigi estavam trabalhando muito na vinícola pra me ajudar.
Eles estavam ocupados tentando fazer a vinícola se manter de pé. O que admito, não sem constrangimento, eu não estava conseguindo fazer. Ocultei este fato dela também.
- Quando entreabri a porta escutei uma voz de mulher ao telefone.
"Qualquer assunto relacionado ao Arthur pode falar comigo também, eu passo o recado pra ele."
- Percebi que era a voz da Clara e juro, só naquele momento a minha ficha caiu do quanto eu fui ingênuo por não perceber que ela estava tentando ocupar, contra a minha vontade, o lugar de minha mulher, o teu lugar. - Eu dei uma pausa e me aproximei dela na cama. Eu precisava que ela entendesse com clareza o que eu tinha pra dizer. - Lugar esse que... mesmo que tenhamos tomado a decisão de nos separar, Madah, eu não estava ou estou preparado para preencher.
"Clara, com quem você tá falando? Com a Madalena?"
- Ela tapou o telefone com as mãos assustada e depois ficou imóvel, parecia não saber que eu estava em casa. Eu pedi o celular.
"Ela já desligou."
"Deixa EU ver se ela desligou. Eu vou ligar pra ela. Você não pode atender o meu celular assim. Ainda mais se dispor a conversar sobre o Arthur. Acho que por estarmos trabalhando juntos nesses meses; por eu ter te dado uma oportunidade de aprender sobre os vinhos, para te ajudar a ser sommelier, você confundiu as coisas."
- Ela começou a dar uma explicação que eu não consegui ouvir. Eu só queria tirar aquele telefone da mão dela e te ligar de volta. E fiz. Vi que tu ainda estava na linha. - A Madalena continuava ouvindo atentamente, sem fazer nenhuma menção de me interromper.
"Oi Madah, desculpa. Não é nada disso que tá pensando."
"Acho que você está muito ocupado com a Clara agora, Filipe."
Revirei os olhos ao repetir essa frase pra Madah. Não representava nem 1% da realidade.
- Eu não estava. Eu nunca estaria ocupado pra você.
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TEMPO, TEMPO, TEMPO
RomanceAté quando vale a pena lutar por um amor? O quanto vale a pena deixar os sonhos de lado por um casamento? Por um homem? O quanto se pode errar e voltar atrás? O quanto o amor é capaz de perdoar? O quanto os erros nos fazem perfeitos? O quanto os e...